Um dos maiores nomes da música brasileira ganhou novo retrato cinematográfico — e, mais do que isso, um filme enraizado no lugar onde tudo começou: Vila Isabel. “Noel Rosa – Um espírito circulante”, documentário dirigido por Joana Nin, estreia nos cinemas de todo o país na próxima quinta-feira.
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Mais do que cenário, Vila Isabel ganha vida na tela como uma personagem pulsante, essencial à narrativa. Foi ali, onde Noel nasceu e compôs boa parte de sua obra, que a diretora mergulhou em busca dos rastros físicos e simbólicos deixados pelo artista.
A ideia surgiu em 2012, quando Joana se mudou para a Rua Noel Rosa. Um episódio cotidiano, vivido num supermercado construído onde antes funcionava a antiga Fábrica de Fiação e Tecidos Confiança, deu início ao projeto.
— Estava fazendo compras quando ouvi uma sirene muito alta. Descobri que era uma tradição da antiga fábrica, mantida em respeito à memória local. Aquilo me atravessou. Lembrei imediatamente da música “Três apitos”. Ainda que Noel tenha usado licença poética, a inspiração estava diante de mim — conta a diretora.
Com depoimentos de artistas de várias gerações, o filme propõe uma releitura da trajetória do artista, que morreu em 1937, aos 26 anos, a partir de sua presença simbólica no cotidiano carioca. Estão no elenco artistas como Dori Caymmi, Moacyr Luz, Mart’nália, Edu Krieger, Nilze Carvalho e Cláudio Jorge. O documentário também apresenta registros históricos do músico com Cartola, Aracy de Almeida e Marília Batista. Ao todo, Noel compôs quase 250 canções em sete anos de carreira.
— A proposta era mostrar que ele ainda circula — comenta Joana. — Está nas rodas de samba, nas esquinas, nos bares. Vila Isabel respira Noel, mesmo entre aqueles que pouco conhecem a sua obra. Não está só no bairro, mas entre os moradores que vivem hoje no lugar que tanto inspirou o poeta no início do século passado.
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O roteiro intercala imagens atuais da região com arquivos raros, como programas de rádio com pessoas que conviveram com o músico. A equipe percorreu locais emblemáticos e colheu histórias que mostram como o compositor se mantém vivo na cultura popular. Em paralelo, a trilha sonora, organizada por Henrique Cazes, embala o documentário. A direção musical é assinada por Fábio Nin.
— Optamos por um recorte sensorial, não biográfico — explica Joana. — Não queria fazer uma biografia tradicional. Pensei em um filme sobre memória, finitude e o que permanece do nosso trabalho depois que partimos. A ideia era revelar essa presença de Noel na cidade. Ele é múltiplo, continua sendo reinterpretado por diferentes gerações.
Para ela, andar por Vila Isabel, Andaraí ou Maracanã é inevitavelmente cruzar com o nome do artista — seja em placas, fachadas, estátuas ou em conversas de bar. — Até na escola de samba que leva o nome do bairro, fundada após sua morte, Noel segue como referência.
Apesar disso, ela acredita que sua obra não é tão conhecida pelos moradores.
— O que me inquietava não eram os fatos biográficos, mas essa mistura de onipresença e desconhecimento. Como pode alguém tão popular ter uma obra tão pouco conhecida no próprio berço? E isso apesar de sua enorme relevância para a música brasileira — reflete.
O longa é uma produção da Sambaqui Cultural, com distribuição da Boulevard Filmes e codistribuição da Vitrine Filmes. Contou com apoio da Lei Paulo Gustavo, do Ministério da Cultura, do Governo Federal e da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo.
As gravações começaram antes da pandemia e foram retomadas posteriormente. A primeira exibição foi no Festival do Rio, em 2024, e marcou a estreia do documentário, finalizado no ano anterior.
Além do novo filme sobre Noel Rosa, Joana Nin é conhecida por trabalhos de forte impacto social, como “Cativas — Presas pelo coração” (2015) e “Proibido nascer no paraíso” (2021).
— Posso dizer que falo de Noel Rosa de um jeito que talvez a maioria nunca tenha pensado — diz Joana. — Descobri que existem vários “Noéis”. O homem popular, celebrado nas ruas, não parece ser a mesma pessoa que o músico erudito.
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Fábio Nin, irmão da diretora e parceiro na concepção do projeto, resume a alma do filme com a mesma poesia que ronda a obra do músico:
— A Vila foi a lente de Noel para o mundo. Sua crônica era o sentimento da pessoa comum, traduzido por um olhar raro. Por isso a obra resiste ao tempo e nele se eterniza. Noel não inventou o samba, mas foi um dos que o vestiram com um corte único: simples e elegante, popular e erudito ao mesmo tempo. Seu espírito ainda circula, e o samba é o seu caminho.
