Ainda sob o impacto de “Adolescência”, resolvi conferir “Mil golpes”. A série recém-lançada pela Disney+ tem no elenco principal Stephen Graham e Erin Doherty. São os intérpretes do pai do menino protagonista e da psicóloga na trama anterior, da Netflix. A dupla de atores volta a brilhar nessa nova aventura. E faz o espectador esquecer completamente de seus personagens anteriores — o que só reforça o imenso talento e a versatilidade de ambos.
Os pontos comuns entre as duas produções, contudo, terminam aí. A primeira é uma trama realista, situada nos dias atuais, mas ficcional. A segunda se baseia em figuras e trajetórias reais, com uma boa carga de fantasia e se passa em 1880.
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A ação se desenrola em Londres, na Era Vitoriana, mas passa bem longe da vida nos palácios e das senhoras pudicas. As diferenças de classe estão refletidas na cartografia social da cidade. Uma ponta, o West End, é limpa, elegante e alegre. Já no East End, onde vivem os protagonistas, falta até calçamento decente. Há muita violência. O Rio Tâmisa, hoje considerado despoluído, era o destino dos dejetos urbanos. Ele também servia como um bom lugar para as gangues se livrarem dos corpos de suas vítimas fatais. As obras do futuro metrô estão começando.
É nesse contexto que desembarcam os jamaicanos Hezekiah Moscow (Malachi Kirby) e Alec Munroe (Francis Lovehall). Com uma mão na frente e outra atrás, eles sonham com uma vida melhor. Encontram o racismo e muita pobreza, mas, por uma série de acasos, também chegam ao mundo do boxe.
O pugilismo ainda era incipiente, mas começava a se profissionalizar. Os dois amigos esbarram em Sugar (Stephen Graham), uma estrela das lutas no East End. Ele e seu irmão, Treacle (James Nelson-Joyce), são donos do pub Blue Coat Boy. O lugar, além de vender bebidas, tem um ringue nos fundos e vive do dinheiro das apostas feitas pelos frequentadores.
Sugar costuma sair invicto de todas as lutas. Até que Hezekiah atravessa seu caminho. A disputa entre ambos é um dos principais vetores do enredo. Outro é Mary Carr, personagem interpretada por Erin Doherty. Ela lidera uma gangue só de mulheres. Destemida, inteligente e ambiciosa, Mary forma um triângulo amoroso com Hezekiah e Sugar.
Todas essas figuras existiram, mas, claro, há muita fantasia. A história se conecta a debates contemporâneos — como a imigração e o racismo. As mulheres fortes, corajosas e resolutas povoam a trama. Elas imprimem um delicioso tom feminista a tudo, mas sem nunca cair na simplificação superficial.
“Mil golpes” é uma criação de Steven Knight, o mesmo de “Peaky Blinders”. A primeira temporada está completa na plataforma. São seis episódios de cerca de uma hora. A segunda já foi filmada e ainda não tem data de estreia prevista. É o caso de torcer para ser logo. Recomendo.