A Baixada Fluminense viveu sua noite de maior terror quando um grupo de policiais militares a paisana saiu pelas ruas de duas cidades matando moradores aleatoriamente. A bordo de um Gol prata, os PMs percorreram algo em torno de 15 quilômetros nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados. Qualquer pessoa que encontravam no caminho se tornava um alvo. Em menos de duas horas, a sangue frio, eles executaram 30 vítimas com idades de 13 a 64 anos. Foi a maior chacina já ocorrida no Estado do Rio.
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Segundo, os assassinos passaram a tarde do dia 31 de março de 2005, há 20 anos, bebendo em um boteco de Nova Iguaçu. Por volta das 20h30, eles entraram no Gol prata e começaram a matança. Armados com um revólver e cinco pistolas, os agentes cometeram vários homicídios sem sequer sair do veículo. Diversas pessoas foram mortas com apenas um tiro. Na Rua Gama, em Nova Iguaçu, os agentes desceram do automóvel, entraram num bar e em poucos minutos assassinaram dez pessoas.
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Um garoto de 15 anos que estava no bar jogando fliperama com seus vizinhos sobreviveu à chacina se fingindo de morto, sob o corpo de outra vítima. Ele contou que seu amigo Leonardo Ferreira chegou a implorar “pelo amor de Deus” para não morrer, mas o assassino respondeu que “agora é tarde” e deu um tiro no rapaz. “O Felipe correu para o canto onde estavam as máquinas, mas o cara deu um tiro nele. Depois o Douglas foi atingido. O impacto foi tão forte que me sujou todo de sangue”.
De acordo com as investigações, a chacina foi uma retaliação dos PMs contra o contra o comando de diferentes unidades da corporação na Baixada. No 15º BPM (Duque de Caxias), um novo comandante vinha punindo policiais envolvidos com ilegalidades. No fim de março, um grupo de agentes reagiu de forma brutal, degolando duas pessoas e jogando a cabeça de uma delas dentro do batalhão. Quando o tenente-coronel Paulo César Lopes prendeu os envolvidos, outros agentes realizaram a chacina.
Foi um dos capítulos mais terríveis no histórico de violência da Baixada Fluminense. Com mais de 4 milhões de habitantes distribuídos em 13 municípios, a área situada na Região Metropolitana do Rio tem uma riqueza cultural e ambiental incalculável, mas cresceu marcada pela frequência de crimes.
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A reputação de terra sem lei começou nos anos 1950, quando o alagoano Tenório Cavalcanti, também conhecido como o Homem da Capa Preta, dominava a Baixada impondo terror. Ele andava pelas ruas sempre com uma metralhadora alemã apelidada de Lurdinha. Chamado de “rei da Baixada”, Tenório mergulhou em disputas de terra, tornou-se dono de dezenas de imóveis e teve o nome envolvido com diversos assassinatos, o que não impediu o alagoano de se tornar um político bem sucedido.
Eleito vereador por Nova Iguaçu, ele também foi deputado estadual e deputado federal durante três mandatos. O Homem da Capa Preta chegou a apontar uma arma para o político baiano Antônio Carlos Magalhães no Congresso Nacional, em Brasília. Em 1960, ele se candidatou ao cargo de governador do antigo Estado da Guanabara, mas, com 222 mil votos, ficou em terceiro lugar no pleito vencido por Carlos Lacerda, que reuniu 357 mil e venceu também o petebista Sérgio Magalhães (333 mil).
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Para muitos pesquisadores, essa ligação entre violência e poder ditou os rumos da Baixada, dando origem a dinastias de políticos envolvidos com crime e a grupos de extermínio que se espalharam pela região na ditadura militar. Nos anos 1980, a área já era conhecida como diversos assassinatos foram atribuídos a um justiceiro chamado de “mão branca”, que na verdade era um personagem criado pela imprensa sensacionalista pra noticiar crimes cometidos por grupos de extermínio.
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Hoje, estudos baseados em registros de ocorrências policiais deixam claro o problema. De acordo com o “Atlas da Violência de 2018”, enquanto na cidade do Rio a taxa de letalidade violenta está em 40 mortes para cada 100 mil habitantes, na Baixada a razão é de 80 para cada 100 mil. Municípios como Queimados e Japeri apresentam taxas de 134,9 e 95,5 mortos a cada 100 mil habitantes. Oito das 13 cidades que compõem a região estão entre os cem municípios mais violentos do Brasil.
Grande parte dos criminosos não são punidos. Esta realidade, de certo, encorajou os policiais a formar o bonde que matou 30 pessoas naquela noite há 20 anos. Um dos cinco policiais denunciados pela chacina, o soldado Carlos Jorge Carvalho já havia participado, segundo uma testemunha, da matança de seis jovens flagrados por ele fumando maconha em um bairro de Belford Roxo, em 2001. Em 2006, porém, ele foi condenado a 543 anos de prisão por conta das execuções de 31 de março de 2005.
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Em 2009, Júlio César do Amaral de Paula e Marcos Siqueira Costa foram condenados a 543 e 480 anos de prisão, respectivamente, por homicídio qualificado e formação de quadrilha. Já o cabo José Augusto Moreira Felipe foi sentenciado a 542 anos de cadeia. Todos eles estão sob custódia. Fabiano Gonçalves Lopes foi condenado por formação de quadrilha, cumpriu pena de sete anos e está livre. Os cinco foram expulsos da Polícia Militar logo após a comprovação do envolvimento com a chacina.
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