Estreia da Netflix, “Assassinato na casa Branca” é uma experiência exigente. Mistura de comédia com suspense e drama, a série não flui de cara. À primeira vista, parece cansativa e lembra a leitura de um hipertexto: é cheia de informação lateral. Para agravar a confusão, a cronologia do enredo se fragmenta e anda para frente e para trás. Porém, recomendo ao leitor que persevere. A produção em oito episódios tem encantos e o estilo narrativo picotado é também o seu charme e motivo de originalidade.
A produção é estrelada por Uzo Aduba. A atriz ficou muito conhecida com “Orange is the new black” e “In treatment” e é colecionadora de Emmys, entre outros prêmios importantes. Mais uma vez, faz um trabalho primoroso. Além disso, é vista numa personagem diferente de todas as anteriores. Uzo interpreta Cornelia Cupp, considerada “a melhor detetive do mundo” por ter desvendado um mistério indecifrável na Austrália.
Excêntrica, obstinada e dotada de grande paciência, ela gosta de observar pássaros. Trata-se de mais do que um simples hobby. Cornelia é uma espécie de ornitóloga amadora. Carrega sempre consigo um livro que é um compêndio sobre o assunto e é capaz de fazer descrições enciclopédicas de espécimes raras.
Ela não abandona esse interesse nem quando está trabalhando num crime de grande repercussão. Ao contrário: enquanto tenta descobrir quem matou A.B. Wynter (Giancarlo Esposito), o administrador-geral da parte residencial da Casa Branca, ela interrompe a investigação com frequência e aponta o binóculo para o céu. Essa paixão inspira diálogos com metáforas. Ela traça paralelos entre o comportamento dos pássaros e das pessoas que interroga.
A ação principal se passa na Casa Branca, numa noite em que o presidente americano, Perry Morgan (Paul Fitzgerald), e seu marido e primeiro-cavalheiro, Elliot (Barrett Foa), recebem o primeiro-ministro da Austrália (Julian McMahon) e sua comitiva. Enquanto os convidados se preparam para jantar e depois assistir a um show de Kylie Minogue, o crime ocorre em outro andar.
O extenso interrogatório que Cornelia põe em marcha serve para apresentar os personagens, abrir subtramas e espalhar suspeitas. O roteiro é criativo, e o bom frasismo e o humor reinam. Certas anedotas se repetem e criam um elo de cumplicidade com o público. A principal delas é sobre a presença de Hugh Jackman, citado o tempo todo, embora não apareça. Uma maquete da Casa Branca ajuda a contar a aventura, um recurso inspirado.
Há, contudo, um certo tom farsesco nas atuações. Ele irrita, mas está alinhado com outras escolhas da direção. “Assassinato na Casa Branca”, em certos momentos, abraça a comédia com tanto entusiasmo que o espectador esquece a trama de mistério. Essa oscilação entre gêneros é a sua maior fragilidade.