A fictícia Westmont Village é o cenário ideal para uma história onde o verniz da perfeição esconde rachaduras profundas. “Amigos e Vizinhos”, série da Apple TV+ que estreia no próximo dia 11, mergulha nesse microcosmo das cidadezinhas prósperas perto de Nova York onde a falta de gosto tenta se esconder na ostentação: carros de luxo nas garagens, obras de arte de Roy Lichtenstein e Jeff Koons nas paredes, moradores bem vestidos e esforçadamente letrados em vinhos, e campos de golfe. Mas nada é tão harmonioso quanto parece.
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O enredo é um drama com suspense e uma boa dose de crítica social. Com uma atmosfera de conto moral, ele expõe os valores tortos de uma elite obcecada por status e aparências. Faz isso com inteligência. Jon Hamm, à vontade no papel de Andrew Cooper, o Coop, comanda a trama com carisma e complexidade.
É dele a narração que nos conduz, nos primeiros minutos, por uma trajetória que poderia ser previsível — faculdade, emprego, casamento, filhos, casa maior — não fosse pelo tom melancólico e cínico com que a descreve. A reviravolta vem rápido: Coop perde a posição que tinha numa instituição financeira. Recém-divorciado, sustenta a ex-mulher e os filhos adolescentes. Não revela a real situação a ninguém. A partir daí, “Amigos e vizinhos” nos leva para um território onde o suspense encontra a crítica social.
Num churrasco entre vizinhos, alcoolizado e frustrado, Coop avista uma coleção de relógios caríssimos esquecida em uma gaveta de vidro. A raiva e o desespero se combinam — e ele decide roubar. Assim, cruza uma linha sem volta.
O roteiro sabe brincar com esse contraste entre o crime e a elegância: Coop, agora ladrão de luxo, passa a integrar uma rede de assaltos ao lado de Elena (Aimee Carrero), faxineira em outra casa da região. A escalada criminosa avança, assim como a tensão psicológica. Hamm se mostra versátil ao alternar entre o pai falho, o ex-marido abatido e o ladrão movido a adrenalina — tudo com uma naturalidade impressionante.
A série tem seus clichês, mas não se leva tão a sério a ponto de se tornar solene. Ao contrário: a uma certa altura, Coop debocha de um vaso sanitário de US$ 30 mil dizendo que “tudo é uma metáfora”. E de fato é. O roteiro sabe rir dos excessos dessa elite, como quando o protagonista afirma: “O vizinho que eu roubei é um narcisista. Todo o self dele é baseado no que possui”. “Amigos e Vizinhos” acerta ao equilibrar crítica e entretenimento. É uma aventura moral envolvente, que não nos pede empatia cega pelo protagonista, mas nos convida a entender como as estruturas ao redor dele — e de tantos outros — normalizam o vazio disfarçado de sucesso.
Já renovada para a segunda temporada, a série terá nove episódios em seu primeiro ano, lançados semanalmente às sextas-feiras. Cada capítulo termina com um gancho poderoso, e o ritmo é mantido com competência até o fim. É uma daquelas tramas a que a gente assiste e, no fundo, sabe: nada ali é só ficção.