Dizem que o bater de asas de uma borboleta é capaz de desencadear um furacão do outro lado do mundo. Pequenas mudanças podem gerar impactos profundos e inesperados. Na geopolítica e na economia globais não é diferente. O Brasil é um país peculiar. Como bem apontou Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco do Brics, está entre as raras nações que têm superávit comercial com a China e, ao mesmo tempo, déficit comercial com os Estados Unidos. Essa singularidade não deve ser vista como mera coincidência estatística, mas como trunfo estratégico que pode ser potencializado num cenário de mudança política global.
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Historicamente, Trump defendeu políticas protecionistas e um realinhamento das cadeias produtivas, buscando reduzir a dependência americana da China. Esse movimento, longe de representar uma ameaça ao Brasil, pode ser encarado como uma oportunidade para fortalecer a economia nacional e reconfigurar sua posição no jogo geopolítico.
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O superávit brasileiro com a China é, em grande parte, impulsionado pelo agronegócio e pela exportação de commodities como soja, minério de ferro e petróleo. O déficit comercial com os Estados Unidos decorre da dependência de importação de produtos de maior valor agregado, como maquinário, tecnologia e insumos industriais. Essa assimetria comercial pode ser usada a favor do Brasil num cenário em que os Estados Unidos buscam reduzir sua exposição ao mercado chinês.
Com o governo Trump reforçando a política de afastamento da China, o Brasil tem chance de emergir como alternativa para suprir demandas do mercado americano, equilibrando sua balança comercial e reduzindo sua vulnerabilidade externa. Além disso, o endurecimento das relações entre Washington e Pequim pode fortalecer o papel do Brasil como mediador pragmático entre as duas potências, algo que poucos países no mundo teriam condições de fazer.
setores da economia brasileira podem se beneficiar diretamente da reconfiguração global. O agronegócio, já consolidado como um dos principais pilares das exportações brasileiras, tem chance de ampliar sua fatia no mercado americano com barreiras tarifárias ou políticas restritivas aplicadas contra a China. O setor de tecnologia e manufatura também pode se beneficiar se houver incentivos para que empresas diversifiquem suas cadeias produtivas e busquem alternativas fora do eixo Washington-Pequim.
Além disso, a política energética é capaz de abrir espaço para um aumento na exportação de petróleo e biocombustíveis, aproveitando o interesse dos Estados Unidos em reduzir sua dependência de fornecedores do Oriente Médio. O Brasil, como um dos líderes na produção de energia limpa, também pode se posicionar estrategicamente para atrair investimentos estrangeiros nesse setor.
Evidentemente, a reaproximação com os Estados Unidos num cenário de governo Trump não é isenta de desafios. A ausência de diálogo entre os líderes de Estados Unidos e Brasil é aflitiva. O Lula eleito em 2002 tinha condições de dialogar com todos; o Lula 2025 não dialoga nem com suas unhas.
O Brasil tem diante de si uma oportunidade rara. Sua posição estratégica entre China e Estados Unidos, marcada por superávit com um e déficit com outro, pode ser explorada para reequilibrar sua balança comercial e expandir sua influência global. Trump, longe de ser uma ameaça absoluta, é capaz de oferecer caminhos para que o Brasil fortaleça sua economia e reafirme sua importância no cenário internacional.
Assim como o bater de asas de uma borboleta tem capacidade de alterar o curso dos ventos e provocar mudanças imprevistas, as decisões estratégicas do Brasil hoje podem moldar seu futuro no cenário global. A questão central não é temer ou celebrar Trump, mas sim estar preparado para aproveitar as oportunidades que dele possam surgir, sabendo que, na teoria do caos da geopolítica, cada escolha pode gerar consequências de longo alcance.
*André de Almeida, sócio de Almeida Advogados, é autor de “A maior ação do mundo — a história da class action contra a Petrobras”