Dizem que o problema de Elton John é não saber parar — mas razões de sobra há para perdoá-lo diante desse “Who believes in angels?” que chega esta sexta-feira (4) ao streaming. O 37° álbum de estúdio do cantor, pianista, compositor e astro inglês do rock de 78 anos está longe de ser um capricho de quem se aposentou dos palcos em 2023 e foi viver o que resta da vida.
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É o inevitável produto do encontro com uma alma gêmea: a cantora americana, estrela da música country Brandi Carlile, de 43 anos. Fã de Elton, gay como Elton, ela o impulsionou em um disco saudoso do artista exagerado e elétrico dos anos 1970, e aparentemente o convenceu de que ainda havia algumas contas a acertar com o passado antes de retirar-se de cena.
“Who believes in angels?” começou a nascer no momento em que Brandi assistiu a um corte bruto do documentário “Elton John: never too late” e compôs uma canção inspirada em sua carreira. “Never too late” se tornou a canção tema do filme, e pôs pela primeira vez a cantora para colaborar com Elton John, Bernie Taupin (letrista das canções mais famosas do inglês) e Andrew Watt, uma referência de como os medalhões do rock devem soar hoje (ele produziu álbuns recentes de Ozzy Osbourne, Iggy Pop e Rolling Stones).
Daí, veio o projeto de um álbum em dupla — o primeiro do astro desde 2010, quando lançou “The union”, com o ídolo Leon Russell (1942-2016). “Who believes in angels?” foi feito em 20 dias, em 2023, no lendário estúdio Sunset Sound, em Los Angeles. A ideia era a de que Elton, Carlile e Taupin saíssem compondo do zero e gravassem as músicas com uma banda que reuniu gente nada fraca como Chad Smith (baterista dos Red Hot Chili Peppers), Pino Palladino (super baixista, que já tocou com The Who) e Josh Klinghoffer (ex-guitarrista dos Peppers).
O álbum abre com uma trinca muito significativa de canções. Com sintetizadores gongóricos, forte pegada rock na guitarra e um quê de rock progressivo (os vocais só entram depois que a música está lá pelos dois minutos), “The rose of Laura Nyro” presta homenagem à cultuada artista folk americana, bissexual, falecida em 1997, na letra abertamente psicodélica de Taupin.
Em seguida, é a vez de “Little Richard’s bible”, que é como os rocks glam de Elton John nos anos 1970, em tributo ao andrógino original do rock. E a seleção inicial fecha com “Swing for the fences”, country-rock cintilante com jeitão de anos 1980, que Carlile definiu como “um hino para que os jovens gays busquem uma vida maior, mais elegante, mais fabulosa”.
Brandi Carlile brilha em momento solo com “You without me”, na qual estão só ela e o violão, em companhia de versos sentidos como “o tempo faz de todos nós um completo clichê”. Elton John toma a frente no baladão “Never too late” e Carlile retoma o protagonismo em “Who believes in angels?”, que começa com piano e logo vira uma daquelas power ballads dignas de Lady Gaga, mas sob a perspectiva de Elton — essas duas últimas, por sinal, são belas reflexões sobre a mortalidade travestidas de rock de rádio.
Um clima entre a alegria Vaudeville e a eletricidade rock do Who (com todos os exageros de praxe) marca “The River Man”, enquanto em “A little light”, um country rock com a ourivesaria típica de Elton, transborda de emoção na letra escrita por Brandi Carlile com inspiração nas notícias terríveis do dia em que Israel invadiu Gaza e os dois procuravam por alguma esperança para um mundo em chamas. E para quem não tem medo do sentimentalismo, “Someone to belong to”, com sua guitarra trêmolo quase brega, fala da busca muitas vezes angustiante pela cara-metade com quem se vai passar a vida.
Álbum invulgar, “Who believes in angels?” teria que ter, claro, um final de arrepiar. E este é “When this old world is done with me”, uma espécie de “My way” de Elton John, só com ele ao piano, elucubrando sobre o dia em que, inevitavelmente, vai deixar o plano terrestre. “Quando este velho mundo der cabo de mim”, canta o mestre, “saiba que só cheguei até aqui para ser despedaçado, então me espalhe entre as estrelas”. Que testamento mais adequado que esse poderia nos deixar o Rocket Man, não é mesmo?