Voz ainda desconhecida para muita gente, a paulista Vanessa Moreno faz, pela primeira vez, uma temporada no Rio. O mais simples seria dizer que ela apresenta um show hoje e nas próximas três terças-feiras de abril no Teatro Ipanema. Mas não seria correto. Cada show terá conceito e repertório diferentes. A cantora estima que interpretará mais de 60 músicas nas quatro noites.
— Gosto de movimento. Vai ser legal convidar as pessoas a entrar em casinhas diferentes a cada show. Sinto que tenho muitos pedacinhos dentro de mim e preciso deixar que eles sejam contemplados. É uma ótima oportunidade de compartilhar esses pedacinhos — afirma.
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Aos 38 anos, Vanessa tem público numeroso em São Paulo. Em outras praças, ficou mais conhecia na pandemia, com seus vídeos e suas lives. Tinha 15 mil seguidores no Instagram, hoje tem 134 mil. Chamou atenção pela voz, incluindo os efeitos percussivos que faz com ela e também com o corpo, e pelo violão muito rítmico.
— Foi uma forma de sobreviver emocionalmente. Assim como me sentia acolhida e abraçada vendo outras pessoas fazendo vídeos, aquilo me inspirava e eu sentia vontade de cantar. E, cada vez que sentia vontade, compartilhava com as pessoas porque pensava da mesma forma: alguém pode se sentir inspirado — diz ela, que participou de iniciativas que fizeram sucesso na pandemia, como os vídeos de Mônica Salmaso.
Em alguns vídeos aparecia sua filha Alice, hoje com 7 anos. Em 2023, ela participou do álbum “Solar”, da mãe, dividindo a interpretação de “Salabim”. Já cantou a música até para o autor dela, Edu Lobo (em parceria com Paulo Cesar Pinheiro).
Edu e João Bosco são dois artistas que têm contribuído para ampliar o alcance de Vanessa. Ela já fez vários shows com ambos e participou do álbum “Oitenta”, do primeiro.
— Estar com esses dois é pensar em tudo o que eu ouvi e estudei e olhar a obra viva na minha frente — diz ela. — Uma fala do Edu me marcou muito. Num show, antes de eu cantar “Ave rara” (parceria de Edu com Aldir Blanc), ele disse: “Essa música é sua.” Ou seja, foi feita para eu cantar, sem ter sido feita para mim. Ele é muito aberto à minha forma de cantar, e tenho muito respeito e reverência por ele.
A relação com Bosco começou tensa. Chegou no seu celular o áudio de um desconhecido e ela diz ter ficado brava.
— Eu pensei: “Quem manda primeiro uma mensagem de áudio sem se identificar?” Fui ouvir: “Oi, Vanessa. Aqui é João Bosco.” Quase caí — recorda ela, que ainda não conhecia o compositor, embora já houvesse para eles um show marcado com Mestrinho e Jaques Morelenbaum. — Ele falou: “Quero que você faça aquele ‘Linha de passe’ (samba de Bosco, Blanc e Paulo Emílio) que eu vi você fazer.” Eu falei: “Legal, eu canto em dó maior.” “Não, quero você tocando violão, do jeito que eu ouvi essa música com você.” Se há uma palavra com que eu possa definir o João é generosidade. Um ser imenso, uma inspiração gigantesca.
Bosco exalta a colega de shows:
— A Vanessa tem um ritmo em todo o seu corpo que se estende ao instrumento e à voz, produzindo uma unidade de rara beleza na música que ela cria. Tivemos vários encontros nos palcos, e a cada vez eu me surpreendo com sua performance.
O primeiro convidado da temporada do Ipanema, hoje, é Zé Renato. Já acertou com o cantor que ele vai interpretar “Desenredo” (de Dori Caymmi e Paulo Cesar Pinheiro) e “Mistérios” (Maurício Maestro e Joyce Moreno).
— Gosto do Zé cantando de tudo. Antes de ele entrar no palco, vou cantar coisas que eu ouvi na voz dele — avisa.
O integrante da Boca Livre esteve com ela nos shows e no disco de Edu.
— Ela tem muitos recursos na voz e utiliza de forma muito pessoal. Ainda é instrumentista e compositora. É uma das ótimas novidades que a gente tem na música brasileira — exalta ele.
O violonista baiano Tarcísio Santos também participará hoje, não estará no dia 15 (dos convidados João Cavalcanti e Matheus Pessanha) e voltará nas noites de 22 (com as cantoras Camille Bertault e Angela Velloso) e 29 (com Joyce Moreno).
— Joyce é uma grande inspiração como cantora, compositora e violonista. “Clareana” foi a primeira música dela que minha mãe pôs para eu ouvir. O show será recheado de compositoras — diz Vanessa.
A mãe, Edna, de voz bonita, foi sua maior estimuladora. O pai, Luiz Carlos, que toca violão, também a influenciou. Mas ela só começou a estudar aos 15 anos, ainda na São Bernardo do Campo natal. Gostava de MPB, mas também de rock. Além do violão, passou por violino e contrabaixo. Com o tempo, priorizou a voz. Gravou com o contrabaixista Fi Maróstica os álbuns “Vou ver” (2013) e “Cores vivas: canções de Gilberto Gil” (2016).
— Sou apaixonada por essas formações minimalistas, pela sonoridade e pelo estado de vulnerabilidade, como se eu estivesse nua na frente das pessoas. Apavora e, ao mesmo tempo, instiga a buscar possibilidades criativas — diz.
Com o pianista Salomão Soares já gravou os álbuns “Chão de flutuar” (2019) e “Yatra-Tá” (2021). Ainda neste semestre sairá o terceiro da dupla. E em setembro estará no festival The Town, em São Paulo.