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Gerente de programas da Bloomberg Philanthropies, que desenvolve e financia projetos em diversos países para diminuir as mortes e acidentes no trânsito, a americana Rebecca Bavinger explica que o quadro é delicado também em outros países da América Latina, entre eles México, Argentina e Colômbia. O projeto atua também em Bangladesh, China, Equador, Etiópia, Gana, Ucrânia, Índia, Quênia, Malásia, Filipinas, Tanzânia, Uganda e Vietnã.
No Brasil, uma das parcerias é com o governo do estado de São Paulo, com apoio ao Detran para a remodelação da plataforma Infosiga, sistema que disponibiliza diversas estatísticas sobre acidentes e mortes no trânsito do estado, além de fornecer uma base de dados aberta com informações geolocalizadas dos casos. Há outros programas com as prefeituras de Campinas, Salvador e Recife.
Ao GLOBO, Rebecca fala sobre soluções que ajudaram a minimizar o problema em outros países, como uma medida adotada em Adis Abeba, na Etiópia, em que o governo limitou quem pode comprar motocicletas e instalou dispositivos que permitem rastrear os veículos.
Como a Bloomberg Philanthropies ajuda os governos a melhorarem políticas públicas na área do trânsito?
Nós não financiamos os governos diretamente. Reunimos especialistas internacionais para fornecer assistência técnica especializada. A abordagem é baseada em dados para o nosso trabalho, então poderíamos, por exemplo, aconselhar um governo a iniciar uma campanha de mídia baseada em evidências para educar os motoristas sobre perigos de excesso de velocidade e pagaríamos para uma organização reconhecida por sua excelência para desenvolver essa campanha em conjunto com o governo.
Também focamos na infraestrutura. As estradas hoje em dia são projetadas para carros e motocicletas, principalmente para carros. Queremos que elas sejam projetadas levando em conta a vulnerabilidade dos pedestres e dos ciclistas.
O número elevado de mortes dos motociclistas é, no momento, o maior desafio no trânsito registrado nos países em que a Bloomberg atua?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um relatório com dados de 2021 que mostrava que, das 1,2 milhão de mortes no trânsito no mundo, o maior número de vítimas era o de motociclistas, cerca de 30% das fatalidades. As mortes de motociclistas aumentaram, mas também não podemos minimizar a atuação na segurança dos pedestres, 25% das mortes. Quando projetamos estradas que aumentam a segurança de pedestres e de ciclistas, isso diminui o risco para todos.
Cidades e estados no Brasil têm registrado taxas de mortalidade no trânsito nunca vistas. Em fevereiro, São Paulo quebrou seu recorde no número de mortes de motociclistas no trânsito. Esse problema ocorre também em outros lugares?
Trabalhamos em 27 cidades e nos últimos cinco anos detectamos metade delas reduzindo as mortes, e a outra aumentando. Além do Brasil, o problema é alarmante nas cidades colombianas, equatorianas e mexicanas. São lugares que tiveram uma queda nas fatalidades em 2019 e então veio a pandemia. Em 2021, as mortes no trânsito vieram em um nível maior do que eram antes (da pandemia), a maioria entre motociclistas. As pessoas pararam de usar o transporte público e ficaram com medo de espaços lotados, então migraram para formas privadas de transporte, e, para muitos, o mais acessível e barato era a motocicleta.
Outro país que tem altas fatalidades de motociclistas é o Vietnã. Eles acabaram de aprovar uma lei que regulamenta o padrão e a qualidade dos capacetes, porque muitas vezes as pessoas usam capacetes de baixa qualidade.
Uma cidade que lidera em termos de segurança das motocicletas é Adis Abeba, a capital da Etiópia. Eles viram países vizinhos como Quênia e Uganda tendo problemas com as motocicletas usadas como táxi, os chamados boda-boda, em que as velocidades praticadas são altas e o uso de capacete é baixo.
Em Addis Ababa, o governo adotou uma abordagem dura. Viram esse problema nos vizinhos e regulamentaram quem pode comprar uma motocicleta. Você precisa ter uma carteira de motorista antes de comprar uma moto, o que não ocorre no Brasil. Depois de comprar, o governo etíope coloca um dispositivo no veículo que monitora a velocidade. É uma abordagem revolucionária para controlar o problema.
Em São Paulo há uma discussão sobre os mototáxis. Empresas como Uber e 99 começaram a operar esse serviço inicialmente fora do centro da cidade, houve um grande debate, e o serviço, no momento, está suspenso. Vocês sabem qual é o impacto de serviços como o mototáxi em acidentes e mortes?
Não temos os dados para entender se os casos são de motociclistas particulares ou dos boda-boda. Mas falando de outros serviços de aplicativo, diria que existe um problema também em países como a Índia, que tem muitos serviços de entrega. Parte da propaganda desses serviços é entregar algo ao cliente em menos de 15 minutos. O incentivo então, obviamente, é para o motociclista ir de forma imprudente, acelerar para cumprir esse prazo, e isso causa muitos acidentes. E sabemos que isso ocorre não apenas na Índia, mas em outros países. Esse incentivo comercial leva a fatalidades e a ferimentos graves.
Na Colômbia, por exemplo, estão olhando para a constitucionalidade do tema, porque você está dando um incentivo para o seu funcionário se colocar em uma posição de perigo. Estamos apoiando análises que vão apontar os desafios legais desse tema.
Em São Paulo, temos a Faixa Azul, da prefeitura, que cria uma faixa específica para motos em ruas com alto volume de tráfego. Esse tipo de solução já foi analisado por vocês em outros lugares do mundo?
Essa é a primeira vez que vimos uma faixa para motos sendo implementada em estradas que são mais usadas por carros. Estamos apoiando universidades (parceria com a Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Ceará e do Instituto Cordial) que vão avaliar o impacto dessa iniciativa. Ainda não estamos prontos para chamar isso de solução pois não sabemos o impacto, se aumenta ou diminui o risco para os motociclistas, e também para o tráfego ao redor. Não sabemos ainda se a Faixa Azul permite que os motociclistas acelerem mais, um fator que aumentaria o risco porque, com o aumento da velocidade, você tem mais chance de colisão e maior gravidade nos acidentes.
Quais são as estratégias para diminuir as mortes em vias expressas e em ruas menores, com mais presença de pedestres?
Recomendamos os limites de velocidade da OMS. Em áreas movimentadas com pedestres, não passar de 30 km/h. Estradas urbanas em geral não devem ter mais de 50 km/h. Somente quando você tem uma rodovia unidirecional, 100 km/h, e para as que são bidirecionais, 70 km/h. Diminuir a velocidade é o primeiro passo. E impor os controles de velocidade, as câmeras e os dispositivos portáteis.
E existem também elementos que podem ser colocados na estrada para forçar o tráfego a ir mais devagar. Você pode reduzir a largura das faixas, por exemplo, quando elas são muito largas, aceleram o trânsito.