Jair Bolsonaro simula que põe na mesa a carta da anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro, mas pretende embaralhar o jogo. Ele e os demais denunciados pela Procuradoria-Geral da República são acusados de tentar um golpe de Estado no exercício de funções públicas. Nada a ver com o batom de uma cabeleireira.
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As duas últimas anistias no Brasil serviram a regimes exauridos para fechar feridas da política nacional. Assim foi em 1945 e em 1979. (Durante seu governo, Juscelino Kubitschek — 1956-1961 — enfrentou dois levantes de militares aloprados e anistiou-os antes que as feridas se abrissem.)
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Bolsonaro não conseguiu reunir multidões, mas foi hábil ao embaralhar as cartas, beneficiado pela bizarrice da dureza (teórica) das sentenças já proferidas.
O Datafolha informa: 56% dos entrevistados são contra uma anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro (há um ano eram 63%) e 37% são a favor (eram 31%). Noutro recorte, 36% acham que as penas impostas deveriam ser menores, e 34% acham que são adequadas, enquanto 25% acreditam que deveriam ser maiores.
O sistema penal brasileiro tem uma jabuticaba do tamanho de um mamão. O cidadão condenado por certos crimes tem direito a uma progressão da pena que lhe permite, tendo cumprido sua sexta parte, respeitando algumas condições, deixar a cadeia durante o dia para trabalhar, retornando à noite. Em alguns casos, no regime semiaberto, pode ir para casa com uma tornozeleira eletrônica.
Esse sistema tem a melhor das intenções, mas delas o inferno está cheio. Como um condenado a seis anos de prisão pode deixar a cadeia durante o dia ao cabo de um ano, metem-lhe uma pena de 12 para que fique trancado por dois.
Formou-se no próprio Supremo Tribunal Federal uma corrente propensa a baixar as penas já impostas. Nada de novo sob o céu de anil. A anistia de agosto de 1979 criou uma geringonça pela qual não seriam beneficiados condenados e encarcerados por práticas terroristas, assaltos ou sequestros. Aqueles que viviam na clandestinidade ou no exterior estavam anistiados; os presos, não.
Aos poucos, o Superior Tribunal Militar reduziu as penas e assim, em outubro de 1980, o último preso deixou a prisão, em Fortaleza. Estava na cadeia desde 1971, condenado à prisão perpétua, mais 84 anos. Sua pena foi reduzida para 16 anos e, tendo cumprido a metade, obteve liberdade condicional. Beneficiada pela extensão da anistia aos que cometeram crimes “conexos” (leia-se torturas e execuções), a tigrada não reclamou.
Noutra jabuticaba, do tamanho de uma jaca, passados dois anos, 78 dos 155 presos pelo 8 de Janeiro ainda não foram sentenciados. São os presos provisórios. A cabeleireira do batom ainda não foi sentenciada e passou a cumprir prisão domiciliar.
Há meio século, o STM desatou o nó. Hoje, o Supremo Tribunal Federal meteu-se no enrosco que dá pista livre a Bolsonaro. Misturando a trama do golpe de Estado de 2022-23, coisa de peixes grandes, a delitos praticados no 8 de Janeiro, deu-se agenda a Bolsonaro. Ele tirará proveito da situação enquanto houver presos provisórios ou pessoas encarceradas por condenações superiores a 12 anos de prisão.