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Na quarta-feira, Trump anunciou que aumentará as tarifas de importação sobre produtos chineses para 125%, ao mesmo tempo em que anunciou uma pausa de 90 dias nos planos de impor tarifas mais altas a dezenas de outras economias, aplicando, por ora, uma tarifa fixa de 10%.
Mais cedo no mesmo dia, a China havia elevado suas próprias tarifas sobre importações dos EUA para 84%.
Mas, mesmo com os mercados financeiros recebendo bem a medida de Trump, já há sinais de como suas tarifas estão agitando a economia global — e alertas de que uma paralisação virtual do comércio entre EUA e China começa a trazer consequências negativas.
Mesmo com a trégua temporária, a tarifa média dos EUA continua subindo para 24%, um aumento de quase 22 pontos percentuais desde o início do segundo mandato de Trump.
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A gigante do varejo on-line Amazon começou a cancelar pedidos da China e de outras partes da Ásia, segundo a Bloomberg News. A Haas Automation, que se apresenta como a maior fabricante de máquinas-ferramenta do mundo ocidental, afirmou estar reduzindo a produção e eliminando horas extras dos 1.700 trabalhadores de sua fábrica ao norte de Los Angeles devido a uma “queda dramática na demanda por nossas máquinas-ferramenta, tanto de clientes nacionais quanto estrangeiros.”
A Vizion, uma empresa de tecnologia que coleta dados de cadeias de suprimentos, estima que as reservas globais de contêineres feitas entre 1º e 8 de abril caíram 49%, e as importações dos EUA caíram 64% em relação ao período de sete dias imediatamente anterior. As reservas provenientes da China caíram 36% no mesmo período, enquanto as reservas globais de contêineres de todos os países caíram 48% de uma semana para a outra.
— A abordagem de “esperar para ver” é a que está sendo adotada agora em milhões de remessas programadas a cada mês — disse Kyle Henderson, CEO da Vizion.
Jake Colvin, presidente do Conselho Nacional de Comércio Exterior, com sede em Washington, disse que, embora a pausa de Trump fosse bem-vinda, a tarifa básica de 10% e as tarifas sobre a China continuariam a pressionar o comércio.
— Embora essa pausa temporária possa amenizar a dor imediata, ela não reduz a incerteza que está paralisando os cálculos das empresas sobre comércio, fornecimento e investimento — afirmou Colvin.
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David Warrick, que até 2022 supervisionava a operação das cadeias de suprimentos globais da Microsoft, disse que a melhor abordagem para muitas empresas agora era “apressar-se para esperar”.
— Tomar uma decisão estratégica hoje simplesmente não parece algo muito sensato a se fazer, porque tudo está mudando muito rápido — afirmou Warrick, que agora trabalha na Overhaul, uma empresa de gerenciamento de riscos em cadeias de suprimentos.
As remessas entre os EUA e a China provavelmente cairão significativamente nas próximas semanas, após um aumento na demanda por transporte aéreo nas semanas recentes, para acelerar o envio de produtos aos EUA antes da imposição das tarifas.
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Os custos mais altos devem afetar a demanda dos EUA por produtos chineses — e vice-versa —, levando a uma desaceleração no tráfego da movimentada rota do Pacífico entre EUA e China, acrescentou Warrick.
Robert Koopman, ex-economista-chefe da Organização Mundial do Comércio (OMC) e agora na American University, disse que o comércio global provavelmente vai desacelerar significativamente nos próximos meses, à medida que as tarifas entrarem em vigor.
Os primeiros meses do ano “foram bastante bons” para o comércio global, impulsionados por um aumento nas exportações que buscavam antecipar as tarifas de Trump, disse Koopman, acrescentando:
— Mas eu acho que, pelos próximos quatro ou cinco meses, é muito provável que o ritmo seja bem mais lento.
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O maior choque negativo, segundo ele, deve ser no comércio entre os EUA e a China, com tarifas em ambas as direções tornando inviável qualquer produto que possa ser obtido em outro lugar.
A melhor esperança para o comércio global e a economia mundial, segundo Koopman, é que os planos de estímulo na China e na Alemanha, bem como um grande impulso industrial na União Europeia, possam atenuar parte do impacto das tarifas dos EUA e manter o fluxo comercial entre o restante do mundo enquanto os EUA erguem uma barreira econômica.
Um colapso total no comércio entre os EUA e a China prejudicaria ambas as economias, mas os quase US$ 700 bilhões em trocas comerciais bilaterais no ano passado representaram menos de 3% do comércio global, disse ele.
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A OMC, que deve divulgar novas previsões nos próximos dias, alertou que a escalada tarifária causará uma contração geral de cerca de 1% nos volumes de comércio global de mercadorias neste ano — uma redução de quatro pontos percentuais em relação às projeções anteriores da própria OMC.
Em um relatório intitulado “Pausa de 90 dias nas tarifas não é tão útil quanto parece”, economistas do Citigroup alertaram que a tarifa efetiva média dos EUA está cerca de 21 pontos percentuais acima do nível registrado no início do ano.
— Já era provável que a maior parte do comércio entre os EUA e a China fosse economicamente inviável com o aumento de 60% nas tarifas prometido durante a campanha, quanto mais com um aumento de mais que o dobro desse nível —, disse Robert Sockin, economista global sênior do Citigroup.
Para muitos pequenos importadores americanos, as tarifas se tornaram uma questão de vida ou morte.
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Ben Knepler, que dirige a True Places, empresa da Pensilvânia que projeta cadeiras externas com preço de até US$ 150, pediu a seus fornecedores no Camboja que pausassem os envios enquanto aguardava uma definição sobre as tarifas.
— Não faz sentido concluir o produto se não conseguimos trazê-lo para os EUA. Ainda há uma quantidade enorme de incertezas — disse ele.
Embora Knepler esteja esperançoso quanto à retomada da produção, essa decisão está cercada de dúvidas. A pergunta mais recente que o atormenta: se Trump decidirá, daqui a 90 dias, impor a tarifa de 49% sobre produtos do Camboja que anunciou em 2 de abril, ou se continuará com a tarifa “básica” de 10% durante a pausa.
— Essa nova rodada de tarifas é existencial para nós — disse Knepler em entrevista.
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Empresas que tentam se adaptar às tarifas de Trump começaram a usar todo tipo de recurso para contorná-las — incluindo inteligência artificial.
Fred Laluyaux, CEO e cofundador da Aera Technology — que trabalha com clientes como Unilever, Dell Technologies e Kraft Heinz — diz que uma das principais formas pelas quais as empresas estão se adaptando às tarifas mais altas é usando inteligência artificial para reduzir os custos de aquisição. Mas há um limite para o quanto as empresas conseguem cortar custos, especialmente se não se prepararam para uma crise que muitos já previam há tempos.
—Se você participou de qualquer conferência sobre cadeia de suprimentos nos últimos 15 anos, ouviria o mesmo conselho: diversifique, não dependa de um único fornecedor. A IA pode te ajudar a redirecionar coisas. Mas, no fim das contas, se você estiver sendo tarifado em 100%, isso não vai adiantar — afirmou Laluyaux.
A melhor esperança para as empresas que dependem fortemente da relação entre EUA e China talvez seja que os dois países cheguem a um acordo. Falando no Salão Oval na quarta-feira, Trump disse esperar chegar a um entendimento com a China em algum momento.
— Acho que vamos acabar fazendo um acordo muito bom para os dois lados — disse Trump a jornalistas. — O presidente Xi é uma das pessoas mais inteligentes do mundo.
Mas, por enquanto, não há uma saída imediata para a guerra comercial entre EUA e China, segundo Wendong Zhang, economista da Universidade Cornell.
— Mesmo sabendo que vai pagar um custo econômico muito mais alto em termos percentuais, os cálculos da economia política internacional indicam que a China provavelmente vai manter sua posição — ressaltou Zhang.