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‘Um cara que era faxineiro, cobrador de kombi, vê a vida mudar em seis meses’, relata Bruno Cortez

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abril 14, 2025
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Treinador se formou na CBF e defende brasileiro na seleção — Foto: Divulgação

Perdi meus pais de seis para sete anos. Um belo dia, me despedi da minha mãe, fui para o meu quarto dormir. Quando acordei de manhã, fui na casa da família, e minha prima me chamou. “Tua mãe morreu”. Ela estava grávida, passou mal, teve eclampsia (complicação que se caracteriza por convulsões generalizadas), estava gerando a criança. Foi para o hospital, mas não conseguiram salvar nem ela e nem o bebê. Lembro dela grávida.

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Ninguém nunca falou do meu pai, nem ela. Ficavam burburinhos. A família é de Campo Grande (RJ), do Bela Vista. As pessoas ficavam dizendo: “Fulano é o pai dele”. Ele nunca veio falar comigo. Tinha um cara que quando eu ia pro treino sempre me dava moral, e eu comprava relógio com ele. Depois que minha mãe morreu, tinha uma vila lá perto, e as mulheres falavam que sabiam quem era meu pai. Aí era o cara do relógio!. Sobrinho dele me chamava de primo, risos. Até hoje ele nunca falou nada. Um pastor, um belo dia, disse que o meu pai estava na casa dele. O cara tem que chegar e falar comigo. Se for, vou tratar super bem. Não vou criticar. Eu não tive pai. Mas sou o melhor pai pros meus filhos. Ele poderia chegar e ter papel de homem. Ele teve papel de moleque. Não guardo ressentimento. Tudo isso me fez dar o melhor pros meus dois filhos.

Treinador se formou na CBF e defende brasileiro na seleção — Foto: Divulgação

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  • Criado por família loira e amado
  • O calção de Cristiano Ronaldo
  • De Senador Vasconcelos a Brasil x Argentina: vida muda em seis meses
  • O sonho de virar treinador
      • ‘Um cara que era faxineiro, cobrador de kombi, vê a vida mudar em seis meses’, relata Bruno Cortez

Criado por família loira e amado

Quando perdi meus pais, fui cuidado por uma família só de gente loira. Sempre me educaram. Trabalhava com eles, varria casa, lavava louça, vendia pipoca. Eles me davam um dinheiro. Sempre ia com eles na missa, na igreja batista. Colocava minha fé em prática, pra não botar culpa na sociedade, no governo. Era uma família que me dava suporte. Minha família de sangue tinha outros familiares. Eu não era tão prioridade. Tive que sair pra me sustentar, com sete anos. Ajudava o padeiro da “Big Big”, vendia coisas na banca de jornal. Nunca fiquei encostado. Eu dependia disso. Minha família todo mundo tinha seus afazeres. Eu ficava com essa família, almoçava, jantava, e voltava pra casa da minha família de sangue pra dormir. Ajudava com um trocado porque minha tia lavava minha roupa.

Essa família que me criou eu falo com muita gratidão. Minha família não me largou. Mas eles me deram maior suporte. Eram da região, eu brincava com o neto deles na rua. Quando precisavam que alguém fosse ao mercado, eu ia. Eles tinham sete filhos, dois meninos e cinco mulheres, e todo mundo trabalhava. Sempre fiquei disponível. O que os netos deles comiam eu comia também. Aí o pessoal começou a comentar: “Só gente loira que cuida dele”. Mas nunca teve preconceito. O senhorzinho, seu Zé, ele me zoava, “Vem cá seu pretinho”. Hoje em dia já não pode. Ah, é preconceito. Mas era uma forma carinhosa. Eles me davam carinho, atenção, amor, fui criado nesse ambiente acolhedor. Me sentia amado.

O calção de Cristiano Ronaldo

Sempre gostei de ajudar pessoas também. De conexões. Trabalhei com Renato Gaúcho, Jorge Jesus, falecido Caio Junior, Eduardo Barroca. Sempre olhavam o jogador como ser humano. Pude pegar um pouco de cada um. Tratar o jogador como ser humano. Tem uma vida atrás do futebol. Se não tem empatia, confiança, nenhum esquema tático importa. Cheguei no Grêmio sob desconfiança. Tive auge no São Paulo, Botafogo, depois caí. Renato me disse que ninguém desaprende. “Você tem minha confiança. Quando chegar a oportunidade, joga leve”. Foi o melhor momento da minha carreira do lado dele. No Botafogo, cresci pessoalmente, me destaquei. No Grêmio joguei melhor no coletivo. Campeão da Libertadores, jogar contra o Real Madrid no Mundial. Renato deixava o ambiente leve. Falava: “A responsabilidade é minha”. Com Jorge Jesus, ele sempre me cobrava. Me ligou pra ir pro Benfica. “Você é um excelente lateral, eu te pedi, mas a prioridade é defender. Depois ataca. No Brasil você toma bola nas costas”. Ele me organizou taticamente. Comecei a ter melhor leitura. Botar meus pontas pra jogar, risos. Pedro Rocha, Cebolinha, Pepe. Passei a ser um lateral mais construtor, vindo de trás. Em outras épocas nunca tiraria aquela bola do Mundial (contra o Pachuca). Foi uma leitura de Europa. Me instigou trabalhar com Barroca no Avaí também. Ele me perguntava, eu dava ideias, ele aprovava. Quem joga é o jogador. Ele tem que entender. Posso falar um monte de metodologia, mas o futebol tem que ser mais leve pra o jogador entender.

No Grêmio, foi um marco. Em clube, vai ficar na história. Até hoje tem torcedor que manda mensagem, com saudade. Nunca tinha ganhado um título assim. Estava na maior euforia, contagiado, fiquei igual criança. No Mundial, olho pro lado e vejo Marcelo, Modric, Kross, Benzema, Cristiano Ronaldo. To no video game? Estava com as lendas, ele era uma máquina. Tinha falado com Roberto Carlos pra arrumar a camisa do CR7 pra mim. Fiquei tranquilo. Durante o jogo, nada, eu tava focado, chegando nos caras. Acabou o jogo, conversei com Casemiro, Marcelo. Ai chega o Roberto Carlos. Toma. Era o calção do CR7. “Ta de sacanagem!”. A camisa ele vai dar pra uma instituição. Peguei a do Casemiro mesmo. Ta la em casa até jogo guardado o short do CR7.

Cortez em treinamento da base do Ceará — Foto: Divulgação
Cortez em treinamento da base do Ceará — Foto: Divulgação

De Senador Vasconcelos a Brasil x Argentina: vida muda em seis meses

Comecei a jogar pelada aos 15 anos, em um projeto em Senador Vasconcellos. Mas não podia treinar direto porque tinha que trabalhar. Eles me davam 100 reais por semana. Dali eu fui pro Qatar. Fiquei seis meses, mas não deu certo. Voltei triste, frustrado, achei que ia mudar minha história. Na época estava lá o Felipe Maestro, me tratou super bem. Dai me mandaram pro Payssandu, em Belém. Deu problema na documentação. Voltei de novo. Frustrado. Tava num clube de massa. A Faculdade Castelo Branco tinha um time de juniores, fiz um teste e passei. Ganhava 100 reais de ajuda de custo. O treinador falou: “Cortez, o time profissional chamou você. Está feliz?” Não. Prefiro jogar na base. Para ganhar 100 reais? Belo dia o presidente desceu. “Faz um jogo lá, depois a gente te ajuda”. Entrei, sofri dois pênaltis, time ganhou de 2 a 1. Naquela época eu era atacante e meia. Daí fui pro Quissamã, o Flavio Trivela me levou. Ele sempre acreditou em mim. Paulo Henrique era o técnico, disse que tinha muito atacante, fiquei um ano treinando, mas não jogava. Comecei a ganhar R$ 1 mil.

No segundo ano, fomos pra um jogo, o lateral esquerdo machucou, e só tinha eu de canhoto. No jogo de volta ele botou o lateral da casa e eu voltei pro banco. Aí ele machuca também. Quebrei o galho de novo. Os dois laterais machucaram mais grave depois, e eu joguei na lateral esquerda. No primeiro ano ganhei o prêmio de melhor lateral da Série B. Quando eu fui para o Botafogo eu parei de trabalhar. Saí de Campo Grande e morei mais próximo de General Severiano. Conversei com Anderson Barros pra dormir na concentração. Encontrava um atleta em Bangu às 6h30, tinha que acordar muito cedo. Passei a dormir no alojamento. Isso foi crucial, foquei só em treinar e jogar, me alimentar.

Cheguei em março no Botafogo e fui convocado na segunda temporada. Quando o Mano Menezes me levou, dobrei o joelho, oramos, só Deus. Superclássico Brasil x Argentina! Um cara que era faxineiro, cobrador de kombi, vê a vida mudar em seis meses. Na primeira convocação o Kleber era titular. Só o fato de estar na seleção já me senti feliz. Sou privilegiado. Com Ronaldinho, Fred, Neymar, Lucas, Danilo. Não joguei na Argentina. No jogo da volta, em Belém, torcida lotando estádio, o Mano ia manter o mesmo time. Até aí, eu estou desfrutando de cada momento. Tô em paz. Fomos pro treino à noite. Mano chamou, perguntou como eu estava. Tava nervoso, mas disse que tava tranquilo, risos. Teve uma apresentação, tive que cantar, falar. Manchete do jornal era que eu não ia jogar. Falei só com a minha esposa. Fui pro jogo. Ronaldinho falou pra eu ficar a vontade, que era responsabilidade dele, era meu padrinho, pra eu jogar como jogava no Botafogo. Neymar me deu moral. Jeffeson ja era meu parceiro no Botafogo. Consegui jogar livre, leve e solto, me destacar no coletivo. No simples eu apareci. Eu estava cansado, o Mano me tirou, a torcida toda me aplaudiu de pé. Foi um filme na minha cabeça. Estive em Belém em 2007, quando eu estava no Payssandu, sai de qualquer jeito, e voltei com a seleção. Foi um momento único. Fui só duas vezes, mas ganhei da Argentina. Tem um gosto diferente, representar seu país. 

O sonho de virar treinador

Fiz todas as licenças da CBF. Sempre tinha em mente que não poderia pular etapas como treinador. Preciso passar pelo processo da base. Uma coisa é a transição de ex-jogador para treinador. É totalmente diferente. Como jogador, chegava, botava a roupa e ia treinar, só. Recebi uma proposta pra treinar o IAPE, do Maranhão. Fiquei balançado. Não pelo valor, mas por começar no profissional. Iria contra oque idealizei, pularia processos, e me prejudicar la na frente. Precisava evoluir desde a base, é pedagógico. É sobre essência, identidade, o que acredito.

Aposentei, chegou proposta de profissional, e não tinha nenhuma de base. O Hudson do Ceará então me ligou, contei pra ele minha ideia. Nunca tinha passado na cabeça trabalhar no sub15. Um amigo me deu uma dica. “Vai lá no clube”. Pra ver o que eu queria. Conheci tudo, estrutura boa, falei com o pessoal la, e foi uma alegria. Estou fazendo um trabalho legal com os jovens aqui. Me machucou ter que liberar jogadores. Tinha 40, 50, tem que liberar. Você vê o atleta chorando, mexe. Eu falo com eles. Aqui não é o último clube na carreira de voces. Não desanime. Eu fui estourar no futebol com 23 anos, por que vai desistir dispensado com 15? Sei da importância do treinador na trajetória. É muita responsabilidade. Sou transparente, verdadeiro. Nunca fui traíra como jogador. Não vai ser como treinador. Não vai ter esquema, quero ajudar quem quer ser ajudado. Vencedor não é só o que vence, é o que persiste. Mesmo na derrota tem que saber quem você é.

O meu propósito hoje é a base. Amanhã pode surgir oportunidade no profissional. Depois, meu futuro a Deus pertence. O maior exemplo é o Filipe Luis. Hoje eu vou dar o meu melhor aqui. Os treinadores brasileiros estão tendo pouca oportunidade. Os estrangeiros vem com confiança, suporte, tempo. E na seleção? Não sou contra. Mas como jogador e treinador, temos três hoje que tem a cara. Roger Machado, Rogério Ceni e Filipe Luis. São da nossa geração, fazendo bons trabalhos. Se não vou pegar a licença da CBF e vou rasgar, com todo respeito.

(* Em depoimento ao repórter Diogo Dantas)

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