A um ano e meio da próxima disputa eleitoral, um novo grupo tem demonstrado interesse em participar da definição do tabuleiro político: os influenciadores digitais. Com milhões de seguidores nas redes sociais e produção de conteúdo voltada para o entretenimento, personalidades midiáticas como Renato Cariani, Andressa Urach e Gusttavo Lima têm tentado entrar nos cálculos para 2026.
Sem vínculos partidários rígidos ou lastro político, figuras da internet têm considerado a possibilidade de concorrer. Eles têm repetido a atitude de Pablo Marçal (PRTB), e anunciado, com antecedência, a intenção de se candidatar no próximo ciclo eleitoral.
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Se há duas semanas, o youtuber Felipe Neto usou as redes sociais para se lançar candidato e, no dia seguinte, recuar, em uma ação de marketing, a entrada na política é levada a sério em casos como o do influenciador Renato Cariani. O empresário, que no ano passado se tornou réu por tráfico de drogas por um esquema de desvio de produtos químicos — ele nega as acusações —, teve um encontro no início deste mês com o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP.
A agenda incluiu um convite para a filiação do empresário fitness ao partido, de olho na disputa por uma cadeira no Congresso no próximo ano.
No início do ano, a sigla chegou a cobiçar o cantor sertanejo Gusttavo Lima, que ensaiou o lançamento de sua pré-candidatura à Presidência, mas desistiu. Os partidos, contudo, o veem como ativo eleitoral numa disputa ao Legislativo.
Professora e pesquisadora de Comunicação Política na Universidade Paulista, Carla Montouri avalia esse discurso, repetido também por outras figuras midiáticas, é representativo do movimento de ascensão de outsiders, que se apresentam à margem do sistema político tradicional e se colocam como antídoto dos “vícios” representados por outros candidatos.
— A depender do discurso que adotarem, eles têm potencial para desequilibrar uma eleição, inclusive pleitos majoritários. Primeiro, pela força das redes sociais. Segundo, pela imagem de renovação que projetam. E terceiro, porque muitos eleitores veem neles figuras sem os vícios da velha política — analisa Montouri.
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A possibilidade de representarem o caminho do “meio” também pode agir em favor deles diante de um ambiente polarizado, explica o cientista político Lucas Aragão, da consultoria Arko Advice.
— Com todo o tensionamento do ambiente político e a polarização, existe um terreno fértil para quem é de fora. Eles não carregam o peso de alianças políticas prévias, o que os torna mais livres e confortáveis para se posicionarem de forma diferente — avalia Aragão.
A percepção se traduz nos resultados de um recorte da última pesquisa Genial/Quaest divulgado pela revista “Veja” na semana passada. O levantamento mostra que 26% dos eleitores afirmam que sua preferência nas urnas seria por um candidato “de fora da política”, superando os que escolheriam Lula (24%) ou Bolsonaro (19%). A rejeição à política tradicional é ainda mais evidente entre os que anularam ou se abstiveram em 2022: 40% desse grupo também manifestam preferência por outsiders.
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Com o olhar de fora das forças partidárias e favorecidas pelo reconhecimento do público que os acompanha online, figuras com forte presença digital veem espaço para se lançar, explica Issaaf Karhawi, professora da ECA-USP e especialista em comunicação digital.
— O vínculo emocional e cotidiano que essas figuras criam com seus seguidores é poderoso. Quando surge a intenção de se candidatar, elas já têm uma base fiel, que as vê como representantes mais legítimos do que os políticos tradicionais — diz a pesquisadora.
A construção do capital político pela internet tem dado resultados em casos como o de Sarah Poncio (Solidariedade), digital influencer com mais de 3,7 milhões de seguidores, eleita suplente na disputa eleitoral de 2022 e empossada deputada estadual no Rio no início deste ano.
— Sempre tive uma troca muito viva com quem me acompanha nas redes, e com o tempo essas mensagens começaram a ganhar um tom mais profundo. Eram histórias de mulheres, sobre o que elas sentiam falta na política, e muitas diziam que se viam em mim — diz Sarah.
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A chegada de um outsider, no entanto, não é garantia de sucesso, explica Aragão. Nas eleições municipais do ano passado, a candidatura do apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB) para a prefeitura de São Paulo saiu derrotada, em quinto lugar, com 1,84% dos votos válidos. Dois anos antes, Padre Kelmon (PTB) se lançou à Presidência, mas teve 81 mil votos e terminou o pleito na sétima colocação. O fracasso dessas figuras é, em parte, explicado pelas consequências do isolamento político, mais evidente em disputas por cargos majoritários.
— Essa postura vinda de alguém de fora tende a dar mais certo em eleições proporcionais, em que o eleitor tem abertura para dar o “voto de protesto” ou optar pela posição mais “engraçadinha”. No entanto, o eleitor sabe diferenciar a escolha de um entre 513 deputados e a de um chefe de Executivo. Para cargos como prefeito, governador ou presidente, ainda se espera um mínimo de projeto político e articulação — diz o cientista político.