Quando a estátua do líder tupinambá e guerreiro Arariboia foi, mais uma vez, realocada, no Centro da cidade, os niteroienses mostraram seu apreço ao símbolo que é associado à fundação do município, ainda no período do Brasil Império, enchendo as redes sociais de comentários. Preocupados com as consequências da mudança, muitos evocaram episódios antigos e lendas que cercam a estrutura, movida da frente do terminal das barcas, na Avenida Visconde do Rio Branco, para a frente do Espaço Cultural Correios, cem metros adiante. Em tom supersticioso, alguns diziam que, da última vez em que a estátua do índio rebatizado de Martim Afonso mudou de lugar, um temporal castigou a cidade.
Secretária municipal de Conservação e Serviços Públicos, Dayse Monassa acompanhou as duas andanças mais recentes do monumento — a penúltima, no dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, de 1994. Apesar de estar cientes das lendas em torno de Arariboia, ela garante que naquela ocasião não houve chuva, assim como aconteceu na última quinta-feira, dia 10, data da última mudança da estátua. Ela explica que as transferências sempre estiveram associadas a obras de urbanização na região central da cidade.
O primeiro monumento em homenagem ao líder indígena que é considerado o fundador de Niterói foi um busto, instalado em 1914, na Praça Arariboia, de frente para a Baía de Guanabara, alinhado à então recém-criada Avenida Ernani do Amaral Peixoto, numa rótula que cruzava a antiga Rua da Praia Grande, atual Visconde do Rio Branco.
Cinquenta anos depois, em 1965, a pedido do então governador Amaral Peixoto, foi encomendada a estátua atual, como parte das comemorações pelos 400 anos da cidade, confeccionada pela tradicional Fundação Zani, no Rio de Janeiro. O busto foi substituído por uma obra em tamanho real e transferido para a frente da Igreja de São Lourenço dos Índios, no bairro de mesmo nome.
A atual estátua de Arariboia foi inaugurada em 1973. Com a implantação do projeto urbanístico de Jaime Lerner, em 1980 — que incluiu os terminais Norte e Sul das barcas — a estátua foi deslocada para o calçadão da estação Arariboia do transporte marítimo. Em 1994, o Centro passou por uma nova reformulação, e a estátua precisou acompanhar o novo desenho urbano, sendo instalada no canteiro central entre a Avenida Amaral Peixoto e a Rua da Conceição.
Há duas semanas, a peça foi novamente movimentada, agora para o trecho entre as ruas José Clemente e Aurelino Leal, o que permitiu que a figura de Arariboia voltasse a ter uma visão desimpedida do mar. Ela foi chumbada no novo pedestal, o que, de acordo com a prefeitura, impedirá novas movimentações no futuro.
— Tenho muito orgulho de ter participado dessas duas ações (em 1994 e 2025). Na primeira, havia bastante gente acompanhando, e sempre acontece de as pessoas contarem histórias, como a de que a estátua teria virado sozinha e ficado de frente para o mar. Isso faz parte e é positivo. Dessa vez, Arariboia parecia estar ali, meio apagado, e essa mudança trouxe uma renovação do olhar sobre o monumento e a figura humana dele. É a história de Niterói — salienta.
O professor de História da UFF Paulo Knauss observa que essas mudanças estão associadas a três momentos distintos da cidade: o período anterior ao domínio dos carros, a fase de expansão da rede viária, com os ônibus, e, agora a valorização dos pedestres.
— Aquela região é um grande aterro e, ao longo dos anos, a cidade foi perdendo a vista e a conexão com o mar naquele trecho. Agora, está retomando esse olhar e mostrando que o local está preparado para os pedestres. Mas há outro monumento a Arariboia que foi esquecido e merece atenção: o quadro feito por Antônio Parreiras, encomendado em 1906. Como a pintura não saiu como esperavam, caiu no esquecimento. No dia da entrega, Parreiras mostrou Arariboia nu, e o quadro acabou censurado — lembra. — Sei que há algum tempo ele estava nas dependências de um órgão da prefeitura.
A transferência da estátua faz parte do plano de revitalização da região, que já levou à retirada de bancas de jornal e de estacionamentos, além do enterramento de fios.
Arariboia foi um cacique da tribo temiminó, e entrou para a História como fundador de Niterói. Ele nasceu na Ilha do Governador, na aldeia dos maracajás, em torno de 1520, e, até o fim da vida, em 1589, circulou por diversos cantos cariocas. Estava ao lado de Estácio de Sá na defesa da paliçada aos pés do Pão de Açúcar, onde o militar português fundou o Rio de Janeiro. Dois anos depois, quando a cidade se mudou para o Morro do Castelo, continuou a protegê-la, instalado com seus comandados na várzea da Praia da Piaçava, região da atual Praça Quinze.