Cerca da metade dos 25 diretores executivos do Fundo Monetário Internacional (FMI) expressaram sérias preocupações sobre o acordo de US$ 20 bilhões, segundo pessoas com conhecimento do assunto, que pediram anonimato.
O crédito será destinado a um país que já é, de longe, o maior devedor do Fundo — absorvendo mais de um terço de todo o financiamento global da instituição — e inclui uma parcela inicial incomumente alta de US$ 12 bilhões.
Mas quando o conselho se reuniu para discutir a aprovação, em Washington, no final de 11 de abril, o resgate já era praticamente um fato consumado. O governo de Javier Milei, a quem Trump chamou de seu “presidente favorito”, havia revelado os detalhes em uma coletiva de imprensa em Buenos Aires horas antes da aprovação oficial pelo conselho do FMI.
A decisão de permitir esse anúncio foi aprovada pelo próprio conselho, segundo uma das fontes — e qualquer programa que chega até o principal órgão decisório do FMI praticamente já tem a aprovação garantida. Ainda assim, a ordem dos acontecimentos fora do comum foi apenas um dos muitos sinais de que a Argentina recebeu um tratamento especial.
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Segundo três pessoas familiarizadas com o caso, houve a sensação de que a administração do Fundo forçou a aprovação do acordo. Alguns ficaram com a impressão de que a decisão foi movida mais por interesses políticos do que por critérios técnicos — levantando preocupações sobre o precedente que isso estabelece.
— O Conselho Executivo do FMI aprovou o Acordo Estendido de 48 meses no valor de US$ 20 bilhões para a Argentina em 11 de abril de 2025 — disse um porta-voz do FMI à Bloomberg News, em resposta a um pedido de comentário sobre esta matéria.
Para mais detalhes, indicaram o comunicado oficial do programa.
O pano de fundo de tudo isso foi a convulsão global desencadeada por Trump e os nervos à flor da pele em relação ao seu próximo passo. O presidente ordenou uma revisão da participação dos Estados Unidos em organismos internacionais como o FMI — prevista para agosto — o que levou líderes dessas instituições a buscarem formas de demonstrar sua utilidade para Trump.
Na reunião do Fundo nesta semana, a instituição minimizou seu trabalho em mudanças climáticas após o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, criticar o órgão por “não cumprir” seu papel principal como credor de última instância e sofrer de “desvio de missão”.
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É verdade que a Argentina, sob Milei, foi além das expectativas ao executar o tipo de políticas normalmente recomendadas pelo FMI — e entregou resultados. Milei cortou o equivalente a 5% do PIB dos déficits orçamentários crônicos do país, reduziu a inflação mensal, que antes ultrapassava os dois dígitos, para menos de 3% em fevereiro — tudo isso enquanto a pobreza caiu de 53% para 38%.
Em março no entanto, enquanto aguardava o acordo com o FMI, a inflação avançou para 3,7% em março, acima dos 2,4% do mês anterior.
Dado o histórico da Argentina — incluindo dois programas com o FMI nos últimos seis anos que fracassaram — qualquer novo acordo convidaria a uma atenção redobrada. Em 2025, o dinheiro também flui livremente de outros credores sediados em Washington. Poucos minutos após o anúncio do Fundo, o Banco Mundial revelou um pacote de ajuda de US$ 12 bilhões e o Banco Interamericano de Desenvolvimento ofereceu US$ 10 bilhões.
— Desta vez é diferente — disse a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, em uma coletiva de imprensa na quinta-feira. —Desta vez, há uma determinação em colocar a economia nos trilhos — afirmou. — Agora, o país não está sozinho. Estamos lá.
Assim como está o secretário do Tesouro dos EUA. Bessent viajou à Argentina dias após a aprovação do empréstimo do FMI — apenas sua segunda viagem ao exterior durante um mandato marcado por guerras comerciais globais.
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Em Washington, nesta semana, Bessent reforçou o apoio ao governo Milei — primeiro em uma audiência privada na terça-feira, na qual afirmou que os EUA poderiam oferecer uma linha de crédito à Argentina, e depois em um discurso na quarta-feira, no qual apresentou o programa do FMI com a Argentina como modelo para outros países.
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— Argentina merece o apoio do FMI porque o país está fazendo progressos reais em direção ao cumprimento das metas financeiras. Mas nem todo país é tão merecedor — disse Bessent, acrescentando. — O FMI deve responsabilizar os países pela implementação de reformas econômicas. E, às vezes, o FMI precisa dizer “não”.
Custo alto de ir contra os EUA
Nos corredores do credor de Washington, alguns membros do conselho não sentiram que tinham essa opção para a Argentina. Enquanto alguns sugeriram a ideia de se abster, no final os países sentiram que o custo de ir contra a gestão e os EUA seria alto demais, segundo uma das fontes. Para ser claro, outra fonte disse que não percebeu nenhuma pressão da gestão.
Georgieva convocou reuniões informais com os presidentes do conselho executivo — que representam os membros do FMI — nas semanas que antecederam a decisão sobre o empréstimo para a Argentina. Em 25 de março, eles discutiram uma série de opções para a parte antecipada, variando entre US$ 8 bilhões e US$ 15 bilhões.
Então, em um almoço em 2 de abril — para o qual foram convocados apenas no dia anterior — foram revelados os US$ 12 bilhões, junto com detalhes sobre o regime de câmbio proposto. Alguns dos presidentes acharam que o almoço foi uma tentativa da gestão de convencê-los a aceitar, apesar das suas reservas persistentes, segundo duas fontes.
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Enquanto isso, muitos dos detalhes estavam se tornando públicos, aumentando a pressão sobre o conselho para corresponder às expectativas do mercado, que já eram altas, disseram três das fontes. A Bloomberg divulgou a notícia de que o valor em consideração era de US$ 20 bilhões em 21 de março.
O ministro da Economia, Luis Caputo, especificou a cifra em 27 de março, acrescentando que estava sujeita à aprovação do conselho. O FMI confirmou isso no dia seguinte. Depois, Caputo disse, em 30 de março, que a Argentina havia solicitado mais de 40% do programa em antecipação. Georgieva chamou a cifra de 40% de “razoável” em uma entrevista à Reuters em 31 de março. O FMI acabou oferecendo 60%.
Na Argentina, à medida que a decisão do conselho se aproximava – e apesar dos impressionantes números econômicos de Milei – uma nova onda de volatilidade no mercado estava se formando. Os investidores estavam no escuro sobre se um acordo com o FMI viria acompanhado de uma desvalorização da moeda, e o peso no mercado paralelo despencou. Desde então, um afrouxamento dos controles cambiais como parte do novo plano do FMI ocorreu de forma relativamente tranquila.
— Agora tudo parece bem, mas se você não tivesse concedido o programa há três semanas, a economia estaia contra a parede —disse Eduardo Levy Yeyati, conselheiro econômico-chefe do Adcap Grupo Financiero, uma corretora de Buenos Aires. — Obviamente, os EUA apoiaram. Mas acho que o conselho também não conseguiu encontrar razões suficientes para soltar a mão da Argentina, neste contexto global, e dado o que o país fez na frente fiscal.
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O apoio dos EUA ao empréstimo para a Argentina foi uma mudança de postura. Os EUA haviam se abstenido consistentemente em outras decisões, citando razões processuais, de acordo com várias fontes familiarizadas com o assunto.
O cargo de subsecretário para assuntos internacionais – que normalmente lida com os assuntos do FMI – é um dos muitos ainda vagos no Tesouro de Bessent, e Shannon Ding, um oficial de carreira do Tesouro, está substituindo temporariamente a posição no Fundo. Naquela noite de sexta-feira, Ding apoiou o programa da Argentina, segundo as fontes.
No 1º governo Trump, outro pacote recorde
A principal preocupação levantada pelos presidentes foi a grande exposição do FMI à Argentina, especialmente com uma parte tão grande do empréstimo sendo antecipada. O país já deve ao FMI US$ 41 bilhões com os pagamentos do principal não começando até meados de 2026.
Essa dívida decorre de um empréstimo durante o primeiro mandato de Trump – para outro governo argentino pró-mercado, liderado nesse caso por um amigo da família Trump, o ex-presidente Mauricio Macri – que permanece sendo o maior da história do Fundo.
Deu errado quase imediatamente, o mais recente de uma longa linha de fracassos do FMI com a Argentina. A inflação disparou, o peso despencou, o capital fugiu, a economia mergulhou em recessão, e os eleitores derrubaram o governo.
Uma preocupação persistente que acompanha os empréstimos do FMI desde então é que as autoridades podem desperdiçar qualquer recurso que lhes seja oferecido em uma defesa do peso, ou seja, queimar reservas para evitar uma desvalorização excessiva de sua moeda. Bessent minimizou esse risco em uma entrevista à Bloomberg durante sua visita recente.
A grande soma de recursos disponível agora nas reservas da Argentina (graças ao pacote do FMI) diminui a chance de que o país precise intervir para sustentar a moeda, disse ele.
Risco ao refinanciar dívidas antigas
Outros problemas levantados pelos membros do conselho incluem a falta de apoio político interno ao programa – Milei assinou uma ordem executiva em vez de garantir uma maioria no Congresso –, o cronograma apressado para sua aprovação e as condições insuficientes, dada a excepcionalidade do tamanho do empréstimo.
Há riscos para o credor em entregar tanto dinheiro antecipado em um programa que é essencialmente um refinanciamento de grandes dívidas existentes, de acordo com Brad Setser, ex-oficial sênior do Tesouro dos EUA.
— Parece que o FMI está se posicionando, de fato, como um credor júnior — disse ele.