A infância e a adolescência de Luana Marques Ferreira foram marcadas por obstáculos que teriam feito muitos desistirem no meio do caminho. Criada no Morro da Pedreira, em Costa Barros, ela enfrentava desde a falta de dinheiro para a passagem até a escassez de recursos básicos para estudar. Mas havia um ingrediente que nada conseguiu apagar: o sonho.
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Hoje, aos 28 anos, está prestes a viver um capítulo que ela mesma queria escrever desde cedo: foi aceita em seis universidades americanas para cursar o doutorado em Química.
A escolhida foi a University of Massachusetts Amherst, onde começará seus estudos em agosto próximo. Segundo a jovem, é uma das universidade mais respeitadas dos Estados Unidos na área de ciências. Luana não esconde a emoção de ver o que antes parecia impossível se tornar realidade.
— Confesso que ainda é difícil acreditar no que aconteceu. Tenho aquela sensação de que estou sonhando, sabe? E fico esperando o momento em que alguém vai me beliscar e me acordar — conta.
Antes disso, ela percorreu um caminho de superação que incluiu estudar inglês sozinha em casa, sem curso pago, muitas vezes improvisando com vídeos e livros emprestados. E não parou por aí: também se aventurou por outros idiomas, como francês e até igbo, uma língua africana falada na Nigéria.
— Acho que um dos meus maiores desafios foi a questão do aprendizado da língua, porque era muito difícil para os meus pais pagarem cursos de inglês para mim. Então, eu tinha que procurar outras formas de aprender — conta.
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Essa determinação fez com que descobrisse projetos gratuitos e cursos comunitários e até conquistasse uma bolsa integral para o ensino médio.
— Minha mãe achou que era trote quando ligaram dizendo que eu tinha conseguido uma bolsa num colégio excelente. Mas insistiram para que ela fosse à reunião. E era verdade. Não paguei nada: nem uniforme, nem material, nem mensalidade — lembra. — Só precisava pagar a passagem para ir à escola, e muitas vezes não tinha dinheiro. Mas dávamos um jeitinho, e assim passaram-se três anos.
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Foi nesse ambiente que ela ouviu, pela primeira vez, falar de universidades públicas. E também de Harvard.
— A ideia de estudar fora parecia um sonho distante, principalmente porque muita gente ao meu redor nem considerava essa possibilidade. Mas sempre tive vontade de viver a ciência em outro nível, com outras perspectivas — comenta.
O desejo começou a se materializar quando, por meio do colégio, conheceu o EducationUSA, órgão oficial do Departamento de Estado dos EUA que oferece informações sobre estudos superiores no país.
Ao ser selecionada para o programa, Luana recebeu aulas de inglês voltadas para o Toefl (teste de proficiência em inglês) e auxílio financeiro para custos com provas e deslocamentos. O apoio também incluiu encontros semanais, individuais e em grupo, com orientadores especializados.
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Mas, para Luana, mais do que realizar o sonho pessoal, o que realmente importa é o que fará com ele.
— Quero deixar a minha marca nesse mundo, assim como meu avô fez. Ele tinha uma creche comunitária e me ensinou o senso de comunidade e liderança. Também mostrou que a educação transforma vidas e que as vitórias que ela nos proporciona não podem parar em nós. Quero, com meu conhecimento em química, contribuir para a sociedade, ser capaz de impactar outras pessoas. Penso, futuramente, em criar um projeto que financie jovens cientistas e apadrinhe crianças, principalmente as da minha comunidade — afirma.
Foi durante a graduação em Química, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que Luana descobriu sua vocação para a pesquisa e começou a trilhar um caminho acadêmico sólido. Ali, passou a inspirar outros jovens.
Ela se tornou uma das organizadoras do programa Mulheres Negras Fazendo Ciência, que criou, por exemplo, um jogo da memória sobre ciências, distribuído para alunas dos ensinos fundamental e médio.
Com brilho nos olhos, Luana mergulhou nos estudos sobre ingredientes farmacêuticos usados no tratamento de doenças negligenciadas — uma área que hoje move sua investigação científica.
— Aqui onde eu moro, costumo dar palestras, em igrejas e escolas. Já tive a oportunidade de falar para pais e responsáveis sobre universidade pública e estudar fora. Por falta de informação, muitos não acreditam que os filhos possam sonhar com isso. Eu explico que existem caminhos, que há apoio, que é possível — diz Luana, que hoje quer sonhar com os outros também.