Principal porta de entrada de Israel, o Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, teve o perímetro bombardeado neste domingo, em um raro ataque proveniente do Iêmen a ter sucesso em atingir o solo do Estado judeu. A ação que deixou seis feridos, reivindicada pelo grupo rebelde Houthi, ocorre em um momento em que as Forças Armadas israelenses se preparam para ampliar suas ofensivas na Faixa de Gaza e na Síria, o que expandiria o raio de sua intervenção na região por meio da força.
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Pouco depois que o míssil houthi abriu uma cratera em uma via de acesso ao Terminal 3 do aeroporto — supostamente um míssil balístico hipersônico, segundo um comunicado do grupo rebelde —, uma reunião do Gabinete de Segurança foi convocada na tarde de domingo. Uma série de veículos de imprensa israelenses anteciparam no sábado que ela trataria da aprovação de um plano de ampliação da ofensiva militar em Gaza, com convocação e dezenas de milhares de reservistas. Porta-vozes não confirmaram nem negaram os relatos.
O plano teria sido apresentado pelo chefe do Estado-Maior de Israel, Eyal Zamir, ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e ao ministro da Defesa, Israel Katz, na sexta-feira. A ideia, segundo apuração da emissora pública israelense Kan 11, seria retirar os civis do norte e do centro de Gaza antes de ampliar a operação nessas áreas, em uma tática similar às usadas em Rafah no começo desse ano. O objetivo é aumentar a pressão sobre o Hamas, que ainda mantém dezenas de reféns israelenses em território palestino, e não aceita devolvê-los sem um acordo que preserve a existência do grupo e leve a um término do conflito — termos considerados inaceitáveis pelas autoridades do Estado judeu.
Desde o fim do cessar-fogo negociado no começo do ano com ajuda de EUA, Catar e Egito, com a retomada da ofensiva militar em março, o governo israelense investe em uma abordagem de pressão total contra Gaza, incluindo bombardeios massivos, controle de amplas áreas do território e um bloqueio de fronteira que impede a entrada de ajuda humanitária há dois meses e fez crescer os relatos de fome entre a população local.
A abordagem não é uma unanimidade dentro do país, com setores da sociedade, incluindo o Fórum de Famílias de Reféns e Desaparecidos — que defende como prioridade a libertação dos cativos em Gaza —, argumentando que ela ignora a necessidade de se chegar a um acordo para que os sobreviventes possam ser resgatados com vida.
Quase 19 meses após o ataque terrorista lançado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, a ação militar israelense alterou profundamente as forças na região, desferindo duros golpes no chamado “Eixo da Resistência”. No Líbano, o movimento xiita Hezbollah teve sua cadeia de comando dilacerada e perdeu grande parte de seu arsenal. No Iêmen, apesar do ataque desta sexta, os Houthis sofreram perda e são alvo de uma ofensiva direta de potências ocidentais que incluem EUA e Reino Unido. O Irã, que foi alvo de ataques diretos por parte de Israel, agora é alvo de pressão americana para conter seu programa nuclear. Na Síria, o regime de Bashar al-Assad caiu em dezembro do ano passado.
A queda do regime sírio alinhado a Teerã não tirou a atenção israelense sobre a região, diante de um governo liderado por ex-militantes de grupos de orientação islâmica, incluindo figuras com passado jihadista, como o presidente Ahmad al-Sharaa. Além de bombardeios contra supostos arsenais de Assad e do avanço sobre as Colinas de Golã — ambas as medidas justificadas como parte de uma estratégia de defesa, as Forças Armadas israelenses começam a lançar ações diretas que pressionam o novo regime.
Em um comunicado no sábado, o Exército anunciou que estava posicionado tropas no sul da Síria para proteger a comunidade drusa — uma minoria étnica que vive em regiões dos dois países e do Líbano — após confrontos religiosos envolvendo grupos muçulmanos ligados ao novo governo.
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Os confrontos sectários têm sido uma das grandes preocupações dentro desta nova Síria. No início de março, uma escalada sectária deixou 1.700 mortos no oeste do país, em sua grande maioria membros da minoria alauita, grupo étnico de Assad. A escalada envolvendo os drusos começou na segunda-feira, após a divulgação nas redes sociais de uma mensagem de áudio atribuída a um integrante desta comunidade, considerada blasfêmia em relação ao profeta Mohammed.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) indicou que 119 pessoas morreram durante os confrontos registrados em Jaramana e Sahnaya, perto de Damasco, e na província de Sueida. A crise motivou pedidos de contenção. O governo sírio acusou “grupos criminosos” pelos ataques, enquanto a ONU pediu moderação a todas as partes. O grande mufti da Síria, Osama al-Rifai, principal clérigo muçulmano do país, escreveu uma mensagem na quarta-feira, alertando que os combates representam um risco para “todas as raças, todas as religiões, todas as seitas.
Por parte de Israel, a reação veio por meio da força. Os militares israelenses lançaram mais de 20 bombardeios contra o território sírio, incluindo um na sexta-feira contra posições do governo perto do Palácio Presidencial, em Damasco. Em um comunicado, Netanyahu e Katz afirmaram que o ataque era “uma mensagem clara” ao regime sírio contra uma ação contra a comunidade drusa, ao passo que o governo condenou a ação israelense, chamando-a de uma escalada perigosa.
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Entre a comunidade drusa, a reação às ações israelenses não foi unificada. Lideranças da comunidade no sul da Síria reafirmaram seu rechaço a “qualquer divisão” territorial do país, apesar de seu líder religioso mais influente, o xeque Hikmat al Hajri, ter denunciado que uma “campanha genocida” contra “civis” esteja acontecendo neste momento.
Na quarta-feira, o líder druso-libanês, Walid Jumblatt, pediu para que os líderes da minoria na Síria rejeitassem a interferência israelense. Ele argumentou que “preservar os irmãos [drusos na Síria] envolve rejeitar a interferência israelense”.
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Em Israel, porém, soldados drusos que servem nas Forças Armadas israelenses defenderam em uma carta ao premier Netanyahu que o Exército fosse utilizado para defender a minoria no país vizinho. O líder espiritual da comunidade drusa em Israel, xeque Mowafaq Tarif, também expressou apoio à iniciativa militar, apontando que as “operações assertivas” transmitiram uma “mensagem dissuasiva ao regime sírio”.
Porém, há quem questione se as ações israelenses são um apoio genuinamente preocupado com a minoria do país vizinho ou se fazem parte de uma estratégia voltada ao próprio país. Ouvido pelo jornal israelense Haaretz, o cientista político Anan Wahabi, professor da Universidade de Haifa, afirmou que o objetivo do governo é militar.
— Interesses são o que impulsiona as ações do Estado — disse Wahabi. — [O interesse estratégico de Israel é] criar uma zona desmilitarizada de Damasco ao sul. (Com AFP)