Com a fabricação de novos dispositivos nos EUA, equipamentos portáteis e parcerias no setor financeiro, Sam Altman, criador do ChatGPT, quer acelerar os planos de ter uma infraestrutura global que verifica a ‘humanidade’ de pessoas por meio de olhos. O plano é executado pela World, iniciativa que foi cofundada por ele.
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Na semana passada, o projeto anunciou o início das verificações nos Estados Unidos e o plano de chegar a 180 milhões de americanos até o final deste ano. A World também vai começar a produzir, em uma fábrica no Texas, novos equipamentos que fazem o registro da íris.
Lançada em 2023, a World tem o objetivo ambicioso de ser um certificado digital usado globalmente para que cada ser humano na Terra tenha uma prova de que é uma pessoa, e não uma inteligência artificial ou um robô.
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A premissa é que essa diferenciação se tornará cada vez mais difícil de ser feita por causa do avanço da IA. Para fazer a verificação, o projeto usa o Orb, uma esfera prateada com sensores e câmeras que faz a leitura da íris, certifica de que trata-se de indivíduo e gera um código único.
Em evento realizado em São Francisco na última quarta-feira, a iniciativa apresentou uma versão “mini” dos Orbs, em um formato portátil e com conexão a smartphones, o que vai facilitar o registro de mais pessoas.
O projeto também firmou uma parceria com a Visa, que prevê o lançamento de um cartão de débito vinculado ao aplicativo da World, que irá converter criptoativos em moedas fiduciárias. Já o Tinder começará a testar a verificação de identidade no Japão. Com a Stripe, uma das maiores fintechs dos Estados Unidos, a World passará a integrar o sistema de verificação em transações on-line.
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Segundo a World, 12 milhões de seres humanos já verificaram a própria humanidade mirando os olhos em um dos 1,5 mil Orbs ativos no mundo. A empresa garante que não armazena as imagens dos olhos, que são descartadas depois do escaneamento. Em troca das verificações, os usuários recebem uma recompensa em moedas digitais da própria World, com valor que varia de acordo com a cotação.
Em diversos países o projeto foi alvo do escrutínio de reguladores por preocupações relacionadas à privacidade. No Brasil, o projeto foi suspenso em janeiro, depois de cerca de 500 mil pessoas fazerem o registro. A decisão veio depois da Autoridade Nacional de Dados (ANPD) proibir o pagamento em troca das verificações.
A busca pela recompensa, que chegou a ser de cerca de R$ 600, gerou filas em mais de 50 pontos de em São Paulo, que agora aparecem no aplicativo como “não disponíveis”.
Depois de um evento, há seis meses, em que a América Latina foi o grande destaque da expansão da World, agora o foco parece estar nos Estados Unidos. Após dois anos com verificações em países da América Latina, África, Europa e Ásia, a World vinha evitando o mercado americano diante do ambiente regulatório mais rígido sob a presidência de Joe Biden.
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Com Donald Trump de volta à Casa Branca e uma postura mais favorável ao setor de criptoativos, o cenário mudou. A nova conjuntura destrava o maior mercado do mundo para a World e abre caminho para a expansão de seu modelo que é baseado em uma identidade digital, mas operado com moedas digitais e um aplicativo com serviços diversos.
— Sou um americano muito orgulhoso. Acho que os EUA devem liderar a inovação, não combatê-la — afirmou Altman, durante evento em São Francisco na semana passada, sem citar Trump ou o que impediu a World de lançar seu serviço nos EUA em escala durante tanto tempo.
A Tool for Humanity, que fabrica os Orbs, não informou qual a capacidade total de produção no Texas. O plano de expansão inclui 7,5 mil dispositivos operando nos EUA até o fim do ano. Atlanta, Los Angeles, Miami e São Francisco são algumas das cidades que vão ter a verificação nesse primeiro momento.
Os equipamentos que serão produzidos no Texas incluem a nova versão do Orb, com processadores da Nvidia e um sistema de “autoatendimento”. Atualmente, para fazer a verificação dos olhos, os usuários precisam ir até um posto de registro da World, marcar um horário e fazer o processo de verificação com auxílio de um operador parceiro do projeto. Com o novo Orb, esse fluxo se torna autônomo.
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Já os “mini Orbs” serão produzidos a partir de 2026. Com tamanho e custo reduzidos, eles devem permitir uma distribuição em larga escala e acesso à verificação em regiões onde os dispositivos tradicionais não chegam, segundo Rich Heley, diretor de Dispositivos da Tool for Humanity. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que os objetivo dos anúncios é criar uma infraestrutura capaz de escalar a verificação para “bilhões de pessoas”:
— As pessoas podem ir até um Orb sozinhas, sem precisar de um operador, e fazer a verificação diretamente pelo aplicativo.Isso nos permite instalar Orbs em qualquer lugar. Por exemplo, uma cafeteria ou loja de conveniência.
Modelo de negócio incerto
Apesar dos planos de escala, a World ainda não tem uma fonte clara de receita. O projeto opera a partir de aportes de investidores de risco, mas não revela quanto já recebeu de capital, nem quem são esses investidores.
Um dos caminhos para tornar a iniciativa lucrativa, segundo a World, é passar a cobrar taxas de empresas que quiserem usar o sistema de verificação, algo semelhante ao que serviços de operadoras fazem com autenticação por mensagem. Além do Tinder, a Razer, de jogos, testará o sistema.
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Essa cobrança, chamada de World ID Fee, ainda não está em vigor, mas já tem diretrizes definidas: cada vez que um site ou aplicativo integrar a verificação de identidade por World ID (como é chamada o “registro” de humanidade), pagará uma taxa ao protocolo, que poderá ser por usuário ativo ou por verificação feita, por exemplo.
“No futuro, o protocolo permitirá que outras entidades (como empresas ou órgãos públicos) emitam credenciais adicionais — como um relatório de crédito ou diploma universitário — que poderão ser vinculadas ao World ID”, afirma o projeto, em comunicado sobre as taxas, que devem ser lançadas no terceiro trimestre deste ano.
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O Orbs também serão vendidos a operadores ou empresas, com custo próximo ao de fabricação, mas sem foco em lucro direto. Já o aplicativo da iniciativa, o World App, deverá, no futuro, ter taxas para os produtos financeiros, mas não para os “miniapps” que estão integrados.
‘Superaplicativo’ para humanos
Diretor de Produto da Tools for Humanity, Tiago Sada, diz que o foco, nesse momento, é ganhar “escala e utilidade”. Ele cita, como exemplo de serviços úteis, o cartão criado com a Visa que vai permitir a transações para diferentes moedas ao redor do mundo a partir de criptoativos. Também avalia que o caso de uso do Tinder, com verificação de usuários, vá ajudar as pessoas a garantir a interação digital com humanos, não com bots.
— Temos a vantagem de sermos anônimos. O World ID (registro de humanidade) funciona como um “selo azul”, que mostra que você é um humano verificado e único, mas sem pedir outras informações— diz o executivo. — A maioria das empresas guarda os dados num servidor e tenta protegê-los ao máximo. A nossa abordagem foi diferente: não armazenamos os dados. Quando essa verificação é concluída, os dados são enviados para o seu dispositivo, não para nossos servidores.
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No pacote de anúncios recentes, a World também inclui aperfeiçoamentos no aplicativo, que funciona como uma espécie de “superaplicativo” aos moldes do WeChat, na China, ao integrar funções diferentes como finanças, redes sociais e jogos.
Usuários podem trocar mensagens entre si, enviar e receber criptomoedas e acessar uma loja com dezenas de miniaplicativos — de games a plataformas de microcrédito. A nova versão do app (World App 4.0) introduz melhorias como integração com Apple Pay e Visa, e a possibilidade de adicionar miniapps à tela inicial do celular.
Entre as novas funcionalidades, está ainda possibilidade de empréstimos e aplicações em DeFi — sigla para “finanças descentralizadas”, como são chamados os serviços financeiros que funcionam com criptomoedas e sem a intermediação de bancos.
América Latina ‘estratégica’
Ao apostar em um “superapp”, a World amplia a concorrência entre Altman e Elon Musk, que também quer transformar o X em uma plataforma que reúne finanças, redes sociais e entretenimento. Sada diz que o objetivo da World é criar um ecossistema de aplicações onde a identidade verificada é o elo.
As parcerias também incluem a Circle, voltada para transações com stablecoins (criptoativos atrelados ao valor de moedas tradicionais, como o dólar) e a Kalshi, plataforma de apostas regulamentadas em eventos futuros. As parcerias, por enquanto, estão voltadas para o mercado americano.
A expectativa da World, no Brasil, é retomar a operação assim que houver consenso com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Martin Mazza, responsável pela operação latino-americana do projeto, diz que a região é “estratégica” e que tem dialogado com empresas interessadas no sistema:
—Países como Brasil e México têm 70% da população usando redes sociais, bem acima da média global.Na América Latina, vejo interesse no setor de ingressos, por exemplo, para evitar abusos e fraudes em eventos esportivos e shows. Outro setor relevante é o da gig economy. Muita gente usa Uber, iFood e outros apps, que poderiam ter uma camada de verificação que melhora a confiança desses serviços.