Edson Luís de Lima Souto — estudante de 18 anos morto depois de levar um tiro em protesto, em 1968, durante a Ditadura Militar — pode entrar para o Livro dos Heróis e Heroínas do Estado do Rio. Nesta terça-feira, o projeto de lei nº 606/2023, que prevê a inclusão do nome de Edson Luís, foi aprovado pelos deputados da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Agora o texto segue para a sanção do governador Cláudio Castro.
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A morte de Edson Luís ocorreu no Centro do Rio, em 28 de março de 1968. Na ocasião, um grupo de estudantes preparava um ato contra as condições precárias do restaurante Calabouço, que distribuía refeições a preço popular para alunos da rede pública e servia como base de articulação do movimento estudantil. Naquela noite, policiais militares chegaram dispostos a reprimir qualquer sinal de protesto e começaram a efetuar prisões. Diante da resistência de alguns manifestantes, os agentes reagiram fazendo disparos, e uma bala atingiu o peito do estudante secundarista Edson Luís.
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O Brasil estava no segundo governo militar após o golpe de 1964 — o general Artur da Costa e Silva tomara posse em 15 de março de 1967. Em janeiro de 1968, um grupo de intelectuais e artistas lançara, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro do Rio, um manifesto contra a censura, promovendo uma semana de protestos. Mas o marco inicial das grandes mobilizações estudantis de 1968 foi a morte do secundarista.
Revoltados com o assassinato do colega, e temendo que os militares acobertassem o crime, os estudantes não deixaram nem o corpo ser levado ao Instituto Médico Legal (IML). Eles carregaram o cadáver do menino até a Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) e o colocaram sobre uma mesa do saguão. Àquela altura, a notícia se espalhara pelo país, e a comoção tinha tomado conta do Rio. Já era tarde da noite quando uma multidão de cerca de 50 mil pessoas se reunia no entorno do prédio para velar o corpo do paraense morto pela repressão durante uma manifestação pacífica.
O ano de 1968, no entanto, terminaria com a edição do Ato Institucional de nº 5 (AI-5), o “golpe dentro golpe”, que endureceu ainda mais o regime.
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O projeto na Alerj, de autoria da deputada Dani Monteiro (PSOL) e de outros coautores, como Carlos Minc (PSB), Luiz Paulo (PSD) e Marina do MST (PT). A justificativa pontua que o dia 28 de março é, desde 2019, reconhecido como o Dia Estadual da Juventude em Defesa da Democracia, justamente em homenagem a Edson Luís. “Por isso, ele deve ser reconhecido pelo Estado do Rio de Janeiro no seu Livro de Heróis e Heroínas”, diz trecho do texto.
— Essa aprovação é um marco para o parlamento fluminense, num período em que a democracia e os direitos humanos, brutalmente violados naquele período, ainda enfrentam desafios nacionalmente — disse Dani Monteiro. — Ele é o grande representante da coragem da juventude contra a opressão.
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Autor do tiro nunca processado
Nascido em 24 de fevereiro de 1950, em Belém, Edson Luís vinha de uma família muito pobre, que se empenhou para enviá-lo ao Rio para concluir os estudos. Cursava o antigo curso de Madureza (Supletivo), ministrado pelos estudantes universitários no próprio Calabouço, e não ocupava qualquer cargo de liderança no movimento estudantil. Após o tiro que varou seu coração, os colegas, indignados, levaram o corpo para a Santa Casa, na Rua Santa Luzia, a cem metros do restaurante, onde foi constatada a morte do jovem. Em seguida, rumaram para a Assembleia Legislativa, que funcionava no Palácio Pedro Ernesto, atual sede da Câmara dos Vereadores do Rio, em passeata, onde o corpo foi velado. Uma onda de protestos varreu a cidade.
O cortejo, no dia 29 de março, contou com mais de 50 mil pessoas e cruzou a Cinelândia levando o caixão coberto pela bandeira brasileira até o Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul. A partir de então, até o dia 10 de abril, várias manifestações ocorreram no Rio, em São Paulo e outras cidades do país. As Forças Armadas agiram e ocuparam com tropas pontos estratégicos da cidade. “O Exército manterá a ordem”, disse o ministro do Exército Aurélio Lyra Tavares, conforme informou O GLOBO no dia 1º de abril. Na mesma edição, foi publicada a declaração do presidente Costa e Silva, feita no coquetel em comemoração ao quarto ano da tomada do poder pelos militares, no Clube das Forças Armadas, em Brasília:
— Cumprimos o nosso dever e havemos de cumpri-lo à custa de qualquer sacrifício. Os agitadores pedem sangue, mas o Brasil continuará sem sangue.
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Na missa de sétimo dia do estudante, em 4 de abril, na Igreja da Candelária, no Centro, a repressão aos protestos foi violenta. A cavalaria da Polícia Militar investiu contra os presentes, e só não aconteceu uma tragédia porque “a intervenção dramática de alguns sacerdotes, ontem, na Candelária, impediu conflito de graves proporções entre cavalarianos e as pessoas que haviam assistido à missa por Edson Luís”, informou o jornal no dia seguinte.
Do laudo pericial do Instituto de Criminalística constou que a bala não fora disparada na direção do estudantes, mas ricocheteara nas paredes do restaurante, atingindo o peito de Edson Luís. O aspirante da polícia Aloísio Raposo Filho, apontado como autor do disparo, ficou impune e chegou ao cargo de coronel da PM. O restaurante do Calabouço foi fechado logo após a morte do estudante e nunca mais reabriu. Em 1997, o Estado concedeu uma indenização de R$ 137 mil a Maria de Belém Souto Rocha, mãe de Edson Luís, que comprou com a quantia uma casa para cada um dos seus três filhos.