Quando a série “Wandinha” precisou de uma guilhotina recentemente, não precisou ir muito longe. Uma casa de adereços chamada History for Hire, em Los Angeles, tinha uma disponível, com mais de 2,4 metros de altura e uma lâmina ameaçadora.
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O armazém de 3 mil metros quadrados da empresa é como o sótão cheio de tesouros da indústria cinematográfica e televisiva, abarrotado de centenas de milhares de itens que ajudam a trazer o passado à vida. Ele abriga um violão que Timothée Chalamet usou em “Um completo desconhecido”, malas de “Titanic” e um carrinho de bebê preto de “A família Addams”.
Procurando objetos de época? Você pode encontrar diferentes versões de caixas de cereais que remontam aos anos 1940, enormes câmeras de televisão com lentes giratórias dos anos 1950, uma máquina de secar cabelo com uma mangueira longa conectada a uma touca de plástico dos anos 1960, um telefone público dos anos 1970 e um Sony Walkman amarelo à prova d’água dos anos 1980.
A History for Hire, que Jim e Pam Elyea possuem há quase quatro décadas, faz parte da infraestrutura crucial, mas muitas vezes invisível, que mantém Hollywood funcionando e ajuda a torná-la um dos melhores lugares do mundo para fazer cinema e televisão.
— As pessoas simplesmente não percebem o quão valioso um negócio como esse é para ajudar a sustentar o visual de um filme — diz Nancy Haigh, decoradora de cenários que encontrou de tudo, desde uma lata retrô de carne de porco com feijão até um guindaste de estúdio de 1 tonelada para “Era Uma Vez em… Hollywood”, pelo qual ganhou um Oscar. — Mas é por pessoas como ela que a experiência de ir ao cinema tem tanta vida.
Quando “Boa noite, e boa sorte” estava sendo filmado na cidade com um orçamento apertado de US$ 7 milhões, a decoradora de cenários, Jan Pascale, convenceu os Elyea a alugar câmeras, microfones e monitores vintage com desconto. Quando o diretor, George Clooney, realmente quis uma antiga máquina de edição Moviola, Pascale lembrou que os Elyea encontraram uma para ela em uma escola local. E eles não tinham apenas as máquinas de telex de que a produção precisava, mas também trabalhadores que sabiam como fazê-las funcionar.
— Não sei o que faríamos sem eles —diz Pascale, vencedora do Oscar por “Mank”.
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Ninguém gosta de cogitar essa ideia. Mas com menos filmes e programas de televisão sendo filmados em Los Angeles atualmente, e com a History for Hire registrando menos clientes, os Elyea temem não ter condições de renovar o contrato de locação por mais cinco anos. Se fecharem, Los Angeles perderá mais uma parte do vibrante ecossistema que a mantém atraente para cineastas, mesmo com estados como Geórgia e Novo México atraindo produções com lucrativos créditos fiscais. Alguns moradores de Los Angeles temem um ciclo vicioso: se a cidade continuar a perder talentos e recursos locais, ainda mais produções irão embora.
Os Elyeas ganhavam o suficiente antes da pandemia para empregar 25 pessoas. Agora, empregam 11 e vêm economizando para continuar funcionando. A expectativa é que o aluguel aumente 25% em julho, quando o contrato termina. Agora, eles enfrentam uma escolha difícil.
— O que fazemos? — pergunta Pam, de 71 anos. — Dizemos que sim e achamos que vai dar certo aqui? Ou dizemos: “Sabe, tivemos uma boa fase”?
Os Elyea se conheceram na escola de design. Jim, de 74 anos, tornou-se artista de tribunal, mas um julgamento de abuso sexual em que trabalhou na década de 1980 o desanimou na carreira. Seus pais eram donos de uma loja de antiguidades, e Jim sempre foi colecionador. Então, quando um amigo designer de produção convidou Jim para trabalhar em sets de filmagem, ele se deixou levar.
— Ele adorou — lembra Pam. — Era o que ele queria fazer.
O casal abriu seu negócio de aluguel de objetos pessoais em seu apartamento. A primeira grande oportunidade surgiu quando conseguiram o emprego para alugar coletes à prova de balas, rádios de campanha e equipamentos médicos para o filme “Platoon”, de Oliver Stone, de 1986. Hoje, eles admitem que podem ter exagerado sobre seu tamanho e expertise à época. Logo, abriram uma loja de 370 metros quadrados, uma fração do seu tamanho atual.
Usando seu olhar para antiguidades, Jim comprou muitos itens ao longo dos anos. Artesãos reproduziram outros. O trabalho exigia criatividade e flexibilidade. Um guindaste de câmera de 3,6 toneladas da década de 1930 — exibido em filmes como “Ave, César!” e “Babilônia” — teve que ser modificado para atender às modernas leis federais de segurança.
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Em uma tarde recente dentro do armazém, Dave McCullough, um fabricante de adereços, estava debruçado sobre uma estação de trabalho, fixando um suporte de microfone em uma base para a qual não havia sido projetado. Mais tarde, ele usaria uma impressora 3D para criar uma nova luz indicadora — a luz que indica aos artistas qual câmera está ligada a qualquer momento — para uma câmera de televisão RCA TK60 original da década de 1960.
— O melhor de estar em um prédio como este é que tenho objetos do último século como referência — conta McCullough, que trabalha no History for Hire há nove anos. — Muitas coisas aqui tiveram múltiplas vidas antes de chegarem até nós.
Nenhum detalhe é pequeno demais, disse Richard Adkins, diretor gráfico da empresa, que recriou caixas de cereal vintage chamativas de Cheerios, Froot Loops e marcas antigas como Sugar Jets para a casa de adereços. Uma cena pede um maço de cigarros Luckies? Dependendo do ano, ou até mesmo do mês em que o filme se passa, ele pode ajudar a encontrar um com o logotipo certo. Um filme ambientado na década de 1980 procurava uma garrafa de Budweiser em um tamanho que não era mais fabricado, então Adkins selecionou duas candidatas do seu estoque vintage.
— Há muita pesquisa que se pode fazer na internet, mas também há uma vantagem natural em ser uma pessoa da minha idade que se lembra — fala Adkins, de 76 anos, que faz esse trabalho há 51 anos e trabalha na History for Hire há 27.
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Talvez a parte mais gratificante do trabalho, disse Pam, seja mergulhar na história em si. Há uma biblioteca inteira no depósito dedicada a esse trabalho, repleta de livros e guias de referência que poderiam servir de adereços.
“Temos catálogos da Sears de muito tempo atrás — aponta Jim, gesticulando para uma prateleira abarrotada.
Um musical da Broadway centrado em “Soul Train” (programa de televisão dos anos 1970) precisou recentemente alugar algumas câmeras de TV, disse Pam. Ao pesquisar as câmeras, a equipe do History for Hire descobriu que o espetáculo foi um dos primeiros a empregar cinegrafistas mulheres. Então, eles enviaram uma câmera — e uma foto. E agora, o público verá uma cinegrafista mulher no espetáculo, confirmou um porta-voz do musical, “Hippest Trip: The Soul Train Musical”.
Pam diz que certa vez lhe disseram que “as pessoas aprendem sua história nos filmes”. Ela não se esqueceu.
Cada adereço tem sua própria filmografia
Escaneie um código de barras e o sistema de inventário do History for Hire revelará as vidas passadas de um acessório. Uma câmera vintage muito querida — usada no filme “Chaplin”, de 1992, estrelado por Robert Downey Jr. — já esteve na Antártida e no México. Uma bolsa marrom desgastada pelo tempo apareceu em “O patriota”, “O Álamo” e “Piratas do Caribe”.
Por 10% do preço do acessório, ele pode ser seu por uma semana. Quer uma baqueta de madeira dos anos 1970? São US$ 2. Quer uma bateria Vistalite de verdade? São cerca de US$ 495.
Os Elyeas teriam que alugar muitas baterias e muitas, muitas, muitas baquetas para cobrir os US$ 500 mil que pagam anualmente pelo aluguel do prédio onde guardam tudo. Pam disse que não se importaria com a transferência de alguns trabalhos para outros lugares e observou que faria sentido filmar, digamos, “Oppenheimer” no Novo México. Ela envia seus adereços para o mundo todo há anos.
Mas Pam conta que precisa de mais produção local em Los Angeles para manter suas portas abertas. Para preencher algumas das lacunas deixadas por sua equipe reduzida, ela começou a contratar pessoas como Sadie Spezzano para um ou outro dia de trabalho aqui e ali. Spezzano também é cenógrafa, mas seu trabalho também tem sido lento. Então, Spezzano tem feito horas extras em um estabelecimento que ela visita com frequência como cliente.
— Há tantas pessoas talentosas e incríveis que trabalham em nosso setor que estão se agarrando a qualquer coisa para se manterem à tona — diz.
Decoradores de cenários afirmam já ter perdido várias casas de adereços locais, uma delas ainda este ano. A Faux Library era especializada em fornecer livros leves que os designers podiam usar para preencher um estúdio. A Modern Props, que era referência em itens futuristas, fechou há algum tempo.
— Está ficando cada vez mais difícil aqui — diz Pascale. — Perder a History for Hire e o que eles têm — simplesmente não sei o que faríamos.
Pam pretende manter as portas abertas o máximo que puder para si mesma, para o marido, que tem Parkinson, e para a equipe.
— Nem Jim nem eu estamos realmente prontos para jogar a toalha ainda — destaca.
Talvez, diz ela, eles assinem um contrato de dois anos, em vez de cinco. E aí eles verão como as coisas vão se desenrolar.
Pam ainda está pensando. Ela e Jim não podem trabalhar indefinidamente. Ela pensou, se o negócio ainda fosse viável, em entregá-lo à próxima geração que aprendeu o ofício — talvez alguns de seus funcionários de longa data. Mas, neste momento, não está claro se assumir o negócio seria uma bênção ou um fardo.
— Não quero ser a última casa de adereços em Los Angeles.