Com a idade avançada do Dalai Lama, Tenzin Gyatso, hoje com 89 anos, cresce a expectativa em torno de uma das tradições espirituais mais enigmáticas e politicamente sensíveis do mundo: a escolha de seu sucessor. Segundo os preceitos do budismo tibetano, o Dalai Lama é a reencarnação de uma linhagem de mestres iluminados, e a busca por sua próxima manifestação começa apenas após sua morte.
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A tarefa cabe a um seleto grupo de lamas, mestres espirituais altamente respeitados, que devem identificar sinais deixados pelo líder anterior. Esses indícios combinam elementos espirituais e simbólicos: visões, presságios, profecias e até orientações práticas que o próprio Dalai Lama pode ter registrado antes de morrer.
Com essas pistas em mãos, os monges iniciam uma jornada silenciosa, quase sempre realizada de forma anônima, por vilarejos e regiões remotas do Himalaia. A equipe de busca procura crianças com características físicas consideradas auspiciosas, como orelhas proeminentes ou marcas de nascença específicas, que possam indicar a presença da reencarnação.
Uma vez identificado um possível candidato, ele é submetido a uma série de testes. Os monges apresentam objetos pessoais do antigo Dalai Lama, como rosários, tigelas e bastões cerimoniais, misturados a itens semelhantes. A criança deve ser capaz de reconhecer, sem hesitação, aqueles que lhe pertenciam em sua suposta vida passada. Outros sinais esperados incluem a lembrança espontânea de nomes, pessoas e locais ligados à sua encarnação anterior.
Mais do que um ritual espiritual, a escolha do novo Dalai Lama tem implicações profundas. O atual líder vive exilado na Índia desde 1959, após a ocupação do Tibete pela China. Pequim já declarou que pretende controlar o processo de sucessão, o que gera temores de uma disputa geopolítica pelo futuro da liderança tibetana.
Tenzin Gyatso se descreve como um “simples monge budista”, mas já viajou o mundo, convivendo com a realeza, líderes políticos e celebridades para promover a causa tibetana. Este homem de rosto amigável e sorriso travesso tornou-se um símbolo global da paz, cuja mensagem transcende a religião. Ele é considerado por seus seguidores um visionário na linha de Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
Ele passou a maior parte de sua vida no exílio. Tinha apenas 23 anos quando fugiu da capital tibetana, Lhasa, depois que as tropas chinesas reprimiram um levante fracassado iniciado em 10 de março de 1959. Levou 13 dias para cruzar as passagens nevadas do Himalaia até a fronteira com a Índia. E nunca mais conseguiu voltar.
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Sua vida no exílio girou em torno de Dharamsala, uma cidade no norte da Índia que se tornou o lar de milhares de tibetanos que mantêm suas tradições por lá, embora alguns nunca tenham pisado na terra de seus ancestrais.
O Dalai Lama estabeleceu seu governo no exílio e lançou sua campanha para recuperar o Tibete, embora mais tarde tenha optado por um “caminho intermediário”, renunciando à independência em troca de maior autonomia.
Celebridade e Nobel da Paz
Em 1989, ganhou o Nobel da Paz, prêmio que lhe trouxe enorme popularidade e o colocou em contato com grandes líderes mundiais e estrelas de Hollywood. Com suas vestes vermelhas e sandálias simples, o líder budista não se encaixava no estereótipo de celebridade. Mas seu espírito às vezes travesso e seu riso contagiante provaram ser irresistíveis.
O governo chinês, por outro lado, se mostrou imune aos seus encantos, descrevendo-o como um separatista e um “lobo em vestes de monge”. Durante séculos, o Tibete alternou entre períodos de independência e controle da China, que considera este planalto ao norte do Himalaia parte integrante do seu país.
O Dalai Lama clama por maior autonomia para seu povo, assim como pelo direito de adorar livremente e preservar sua cultura que, segundo muitos tibetanos, está sendo reprimida sob o domínio chinês.
Mas as negociações formais com Pequim fracassaram em 2010. Um ano depois, o Dalai Lama se aposentou da política, abrindo caminho para um novo líder eleito da diáspora tibetana.