Os japoneses vão às urnas neste domingo para renovar metade dos assentos da Câmara Alta do Parlamento, na primeira eleição nacional desde que o primeiro-ministro Shigeru Ishiba assumiu o cargo no ano passado. O surgimento de partidos populistas de direita, com forte apelo entre os eleitores mais jovens, ameaça a longa hegemonia do Partido Liberal Democrata (PLD) e de seu aliado, o Komeito. Pesquisas apontam que a coalizão pode perder cadeiras e até mesmo a maioria no Senado.
Um dos nomes proeminentes da disputa é Sohei Kamiya, 47 anos, ex-reservista do Exército, e líder do Sanseito, um partido populista recém-criado que atraiu, mostram as pesquisas, os mais jovens, com uma plataforma inspirada na retórica antisistema do presidente dos Estados Unodos, Donald Trump.
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O Japão enfrenta quatro grandes desafios: negociações comerciais difíceis com os EUA desde o início dos tarifaços de Trump, a vizinha China cada vez mais assertiva, o envelhecimento da população, e a inflação mais acentuada em três décadas. O aumento do custo de vida é o que mais preocupa os eleitores, com o salário cada vez mais defasado em relação ao subir dos preços. Um dos temas mais sensíveis é o preço do arroz — alimento essencial da dieta japonesa —, que dobrou após colheitas ruins e medidas do próprio governo.
A relação com Washington passa por turbulência. Muitos japoneses se sentem traídos pela ameaça do governo de Donald Trump de impor uma tarifa de 25% sobre todas as exportações japonesas a partir de 1º de agosto, caso Tóquio não abra mais seu mercado de arroz e não compre mais carros fabricados nos Estados Unidos.
A campanha eleitoral também foi marcada por protestos focados nos altos preços dos alimentos — símbolo do descontentamento popular, considerando que, após décadas de estabilidade, a inflação ultrapassou 3% este ano. Uma pesquisa apontou que 28% dos eleitores consideram o custo do arroz e de outros alimentos sua principal preocupação na hora do voto, superando temas como segurança e imigração, também relevantes.
O Japão acolheu cerca de 1 milhão de trabalhadores estrangeiros nos últimos três anos com o objetivo de suprir a escassez de mão de obra provocada pelo declínio da população em idade ativa. Ainda assim, os estrangeiros representam apenas 3% da população japonesa, de 124 milhões de pessoas — o que não impediu partidos populistas como o Sanseito de conquistar apoio defendendo a restrição da entrada de imigrantes no país.
As eleições para a Câmara Alta ocorrem a cada três anos, e nesta rodada serão definidos 124 dos 248 assentos do Senado. A votação será das 7h às 20h (de 19h de sábado às 8h de domingo em Brasília), com pesquisas de boca de urna divulgadas logo após o fechamento das urnas. Os resultados devem sair na madrugada de segunda (noite de domingo em Brasília).
As projeções indicam que a coalizão formada pelo PLD e o Komeito, um pequeno partido budista, pode perder entre 10 e 20 cadeiras. Ishiba estipulou como meta manter a maioria da coalizão, garantindo ao menos 50 dos 66 assentos atualmente em disputa. Caso fracasse, o premier poderá enfrentar pressões para renunciar, o que pode enfraquecer a capacidade de resposta de Tóquio frente às exigências de Washington.
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Se a coalizão governista mantiver ou ampliar sua maioria, Ishiba ganhará fôlego para aprovar um orçamento de defesa com foco em conter a China, enquanto uma vitória apertada pode fortalecer adversários internos, em especial a ala nacionalista outrora liderada por Shinzo Abe, ex-premier assassinado em 2022. No entanto, se a coalizão perder o controle da Câmara Alta, o país pode enfrentar um impasse legislativo, dificultando a aprovação de orçamentos, acordos comerciais e tratados, potencialmente levando à convocação de eleições antecipadas para a Câmara Baixa.
Quais são os principais nomes da disputa?
- Shigeru Ishiba, 68 anos, primeiro-ministro desde o ano passado, tem feito campanha prometendo resistir à pressão dos Estados Unidos e proteger os agricultores.
- Shinjiro Koizumi, 44 anos, autodenominado “ministro do arroz” e filho de um ex-premier popular, é visto como possível futuro líder do Partido Liberal Democrata.
- Sohei Kamiya, 47 anos, ex-reservista do Exército, lidera o Sanseito, partido populista recém-criado que atraiu jovens com uma plataforma inspirada em Trump, propondo restrições à imigração e priorização dos “japoneses em primeiro lugar”. Pesquisas indicam que o Sanseito pode conquistar ao menos 10 cadeiras — ou até o dobro disso.
- Yuichiro Tamaki, 56 anos, lidera o Partido Democrático do Povo, também de direita, que tem atraído jovens com uma abordagem mais moderada. Um bom desempenho pode colocá-lo como aliado em uma futura coalizão.
Sohei Kamiya fundou o partido Sanseito em 2020 e é um dos seus dois representantes no Senado. Eleito para um mandato de seis anos em 2022, não concorre este ano, mas tem cruzado o país fazendo campanha pelos 54 candidatos da sigla — número que reflete as grandes ambições da legenda, que busca permanecer ativa em um momento em que a divisão geracional crescente separa os eleitores japoneses.
— O Japão deve ser uma sociedade que sirva aos interesses do povo japonês — disse Kamiya a uma multidão de jovens.
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Opositores e diversos veículos da mídia no Japão o acusam de xenofobia, dizendo que ele canaliza a insatisfação pública com os altos preços e os salários estagnados para a população de estrangeiros que vivem no país. Ainda assim, sua mensagem claramente ressoou com muitos eleitores: pesquisas prévias à eleição indicam que o Sanseito deve ficar em terceiro lugar — um aumento expressivo para um partido que sequer existia há cinco anos e que tem atraído majoritariamente homens jovens.
Nas redes sociais, os imigrantes têm sido responsabilizados por “quebra da ordem social” e diversos delitos, como não pagar contas hospitalares ou dirigir na contramão. Embora estatísticas policiais mostrem que estrangeiros cometem crimes na mesma proporção que os japoneses, candidatos e apoiadores populistas se agarram a crimes cometidos por não japoneses para argumentar que a imigração deve ser restringida.
Para tentar responder a esse descontentamento antes da eleição, Ishiba anunciou na terça-feira a criação de um novo gabinete voltado a combater crimes e promover a “convivência harmoniosa com os estrangeiros”. Apesar disso, o ativismo de Kamiya não se limita a este tema: ele também se opõe ao uso de algumas vacinas e critica o que chama de “exageros” na busca pela igualdade de gênero.
Kamiya disse ter aprendido muitos dos seus temas de interesse e linguagem provocativa com Trump, afirmando, em entrevista, ser o equivalente japonês ao presidente americano. Seu sucesso em atrair apoiadores e críticos deixou muitos no Japão se perguntando se o país está finalmente assistindo à ascensão do populismo de direita que já transformou os EUA e outras democracias desenvolvidas.
— Esta pode ser uma eleição histórica — disse Jiro Mizushima, professor de ciência política da Universidade de Chiba, que estuda partidos populistas na Europa. — Pela primeira vez, um partido populista radical, abertamente nacionalista e contra austeridade, está ganhando apoio.