A portuguesa Anabela Mota Ribeiro fez da escrita um gesto de afirmação da vida. Depois de meses em silêncio, sem conseguir nomear a dor do diagnóstico de câncer de mama, foi no confinamento da pandemia que as palavras finalmente vieram. A escritora e jornalista, conhecida por ser uma das mais notáveis entrevistadoras lusitanas, esteve em três mesas da Festa Literária de Paraty em 2025: uma na programação principal e duas nas paralelas (Casa Sete Selos e Casa de Portugal). Em seu primeiro romance, “O quarto do bebê”, ela transformou as próprias dores em matéria literária e filosófica, tecida com ecos machadianos e perguntas sobre escrita, autoria e memória.
Escrever te ajudou a processar o diagnóstico de câncer de mama?
Escrever foi algo que só aconteceu muito depois do diagnóstico. E isso me surpreendeu, porque trabalho com palavras, mas durante muito tempo não as encontrei. Não conseguia falar, tudo me escapava. Nada era passível de ser nomeado. Meu marido perguntava: “Quer falar?” “Não.” “O que você sente?” “Nada.” Não era uma recusa. Era um vazio.
Sete meses depois, quando veio o confinamento, comecei a escrever. Foi catártico. Ajudou-me a encontrar minhas dores, aceitar minha vulnerabilidade, compreender minha mortalidade.
Você diz que seu livro foi escrito com outros criadores. Como Machado de Assis se manifesta no romance?
Estudo Machado desde o mestrado. Meu foco era a melancolia e o ímpeto nas memórias pós-traumáticas de Brás Cubas. Decidi continuar no doutorado. Machado é a principal presença intertextual no livro, as questões machadianas sobre a escrita, autoria, posteridade, legado.
A questão da autoria parece ser central nesse sentido…
A personagem se pergunta: por que estou escrevendo? Para quem? É uma de forma refletir após saber que não será mãe de um filho “próprio da minha pessoa”, como diz Bentinho em “Dom Casmurro”. Faço uma réplica da estrutura de “Esaú e Jacó”, com a advertência de que alguém encontra, após a morte do conselheiro Aires, alguns cadernos. A pessoa edita, altera o título. Isso coloca em questão a autoria. É uma prática machadiana: legar a autoria a autores ficcionais.
O que te levou a pesquisar Machado na Academia?
Quanto mais mergulho em Machado, mais avidez sinto. Considero-o o maior autor da língua portuguesa. Há um elemento central na obra dele: a dúvida, o mistério, aquilo que é inapreensível.
Para você, uma boa entrevista é mais parecida com uma dança ou com uma luta?
Uma dança, embora a dança também tenha atrito. Claro, há entrevistas que precisam ser lutas, como as políticas. Fora isso, prefiro o baile.
Li que você gosta de se preparar um pouco menos para deixar espaço para o imprevisto. É verdade?
Sim. Gosto o que falta. De estar suficientemente preparada para esquecer tudo que preparei e não ficar aflita. Só posso me entregar totalmente à escuta se tiver rede. Gosto que o entrevistado conduza a conversa como um rio. As margens estão lá. Mas que a água corra com frescor próprio.