Prestes a participar de reunião com o Ibama no próximo dia 12, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirma que o governo está à beira de um consenso sobre a licença ambiental para perfurar na Margem Equatorial.
De sua sala, onde um painel monitora em tempo real a produção de petróleo e os preços dos combustíveis no Brasil, ela se prepara para o novo plano de negócios, que dará prioridade a projetos mais atrativos.
Como ela resumiu ao GLOBO, com o preço do barril em queda, alguns vão voltar para a prancheta. Magda citou ainda o desconforto com o uso da marca BR Distribuidora pela Vibra — incomoda a companhia ter a imagem associada a preços considerados elevados.
Sobre o setor petroquímico, ela afirmou que, antes de selar o casamento com um novo sócio, quer conhecê-lo bem, e que uma Braskem completamente independente não é o melhor. Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao GLOBO.
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Por que a queda nos preços dos combustíveis não chega nas bombas, apesar da redução na refinaria?
A Petrobras influenciava através da redução no preço na refinaria em paralelo com a BR Distribuidora, que chegava ao consumidor final. No momento que se saca a BR Distribuidora do Sistema Petrobras, a empresa passa a ser privada, e o poder estatal deixou de poder influenciar essa ponta. É por isso que quando a gente tem reduções sensíveis, o consumidor não tem a percepção disso porque ela fica no meio do caminho.
Foi um erro vender a BR Distribuidora (hoje Vibra, privatizada no governo Bolsonaro)?
Tem gente que acredita que sim, tem gente que acredita que não. Meu ponto de vista é que o Estado perde sinergias importantes, e o consumidor sente isso no bolso.
O presidente tem cobrado a redução dos preços na bomba e foi aberta investigação no Cade. A Petrobras avalia alguma medida?
Quem controla preço ao consumidor é o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Ele é que tem que ver se a concorrência está funcionando. O Estado foi perdendo a capacidade de controlar o preço na ponta, no momento em que decidiu tirar a BR da Petrobras.
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A Petrobras quer voltar ao mercado de distribuição?
No momento a gente não pode discutir isso. Fizemos a venda da BR Distribuidora com cláusula de não competição até 2029. Então, qualquer debate no momento é inócuo. E o mercado muda muito até 2029. Hoje temos espaço para venda direta de diesel e gás natural a grandes consumidores.
A gente é muito questionado sobre o preço do gás, mas desde 31 de dezembro de 2022, o gás natural já abaixou de preço mais de 40%, e a Petrobras continua respondendo por essa pressão de que o preço é alto. Há tarifas de transporte e a distribuição, que é estadual.
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A Petrobras pode fazer alguma manifestação sobre os preços na ponta no Cade?
Seria extrapolação de funções. Nossa função é vender o produto, fazendo o melhor possível para os investidores, sejam privados ou governamentais. Nosso papel vai até a refinaria. O que a gente faz é alertar: baixamos o preço e não estamos percebendo ele ser refletido na bomba. Não passa de um alerta.
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Existe algum mecanismo para negociar com a BR e rever o uso da marca?
Uma das primeiras reuniões que fiz com a Vibra aqui nós falamos disso. O que nos incomoda é a nossa marca exibir preços de combustíveis que a gente considera elevados. A gente tem a Vibra usando a nossa marca.
A empresa já oficiou a Vibra demandando o debranding (remoção de marca). Isso foi na época do Jean Paul (Prates, ex-presidente), mas na 1ª reunião que fiz com eles, quando perguntaram sobre debranding falei que a gente tinha um incômodo (preocupação) com a qualidade do combustível nos postos da BR ser a melhor possível e de não ter preço muito elevado associado a nossa marca.
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Vê dano de imagem, já que o consumidor ainda pode relacionar a BR à Petrobras?
Essa é uma questão para nós.
A Petrobras fez algum plano de contingência antes de o petróleo entrar na lista de exceções ao tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump sobre as exportações brasileiras para os EUA?
A Petrobras vende para os EUA cerca de 10% das suas exportações, principalmente óleo cru e gasolina. A gente não tem problema para reposicionar essa exportação. Temos a Ásia, com Índia e China demandando cada vez mais de nós. Há países que nos dizem “tudo que você quiser vender para mim eu compro”. Em termos de gasolina e óleo cru não tenho preocupação. Seria extremamente fácil.
Mas o etanol ficou de fora das exceções. Isso afeta os planos?
O etanol é elemento para o SAF (querosene de aviação sustentável), que está no auge do debate para a transição energética. Talvez isso seja até um reforço para a gente acelerar o processo do SAF.
E já tem contrato de fornecimento de SAF para as companhias aéreas?
Ainda não tem contrato. Por enquanto a demanda é de 1% de combustível renovável no querosene de aviação a partir de 2027. O que estamos fazendo é antecipar a oferta. Vamos ter de ajustar por qual preço conseguimos vender esse produto para antecipar a demanda das companhias.
Como está a volta ao mercado de etanol? Negociam parcerias?
Estamos avançando com as negociações. Vejo a Petrobras como uma noiva a ser disputada. Acredito que possa sair este ano.
A importação do diesel russo cresceu 230% no segundo trimestre. Como fica o mercado se houver uma restrição imposta pelos EUA?
Não compramos diesel russo. A maior quantidade de diesel que a gente compra é do Golfo do México, seguido da Índia. (Eventual proibição) Vai afetar meus concorrentes. A nossa formulação de preços está seguindo completamente dentro dos padrões. O impacto pode ser no market share, com ganhos para a Petrobras.
O plano de negócios 2025-2029 é US$ 111 bilhões. Quais os desafios para formular o novo plano com o nível atual, mais baixo, do preço do petróleo?
Quando o preço do petróleo aumenta, a companhia fica mais folgada. Quando o preço diminui, é mais pressionada. Estamos discutindo quanto mais eficiente a gente pode ser. Vou demandar projetos de mais alta atratividade. E limitar isso pela capacidade de investimento e de dívida, porque não estamos falando em aumentar dívida. Vamos fazer o que maximizar valor. Esse projeto é absolutamente necessário para questão de segurança e meio ambiente ou pode ser um iPhone 14, por exemplo? Preciso do iPhone 15 e 16 ou posso viver com o iPhone 14? Alguns projetos estão inclusive voltando para a prancheta. Vamos fazer questão de projetos os mais atrativos possíveis.
E como equacionar isso com demandas do governo, já que ano que vem é ano de eleição?
Vocês estão vendo por aí que eles estão satisfeitos comigo. Não posso reclamar de meus investidores governamentais, privados e esse fim de semana recebi até elogio da Faria Lima.
Pode haver postergação em projetos de transição?
Mais ou menos um terço dos meus investimentos em pesquisa e desenvolvimento estão indo para a transição energética. É por isso que eu falo em adição energética. A nossa transição energética virá com muita adição de renovável. Não tem outro jeito.
Haverá reunião com o Ibama no dia 12 para tratar da perfuração do primeiro poço na Bacia da Foz do Amazonas na Margem Equatorial. Qual é a expectativa?
A expectativa é que, no dia 12, seja definido como é que vai ser a APO (Avaliação Pré-Operacional, que é a realização de testes de simulação para verificar a capacidade da empresa em proteger a fauna em caso de acidente). Esse é o último passo.
Em fevereiro, entregamos o segundo centro de despetrolização da fauna. No fim de junho, fiscalizaram as embarcações e as aeronaves que estavam disponíveis para fazer a APO. Essa verificação teve laudo apresentado à Petrobras no início de julho. A gente imaginava que, logo a seguir, fosse a APO, mas aí a notícia que tenho é que teve férias da equipe técnica do Ibama.
Qual é o impacto do atraso na Margem Equatorial?
O impacto é uma sonda parada que, entre os custos de bens e serviços e a sua diária, chega a R$ 4 milhões por dia.
A Margem Equatorial causou divisão no governo. O que leva a senhora a crer que esse assunto pode ser resolvido ainda nesse governo?
É porque acho que o debate hoje (da Margem Equatorial) já está beirando o consenso. Tem muito poucas vozes dissonantes. Continuo otimista. O país entende essa necessidade e a coexistência com a ampliação das energias renováveis e a produção do petróleo.
Tempos atrás se dizia que tinha coral lá, e hoje todo mundo já sabe que não estava lá. Os argumentos vão caindo um por um. O que a gente precisa é falar sobre eles. A grande mudança da administração foi essa: botar luz sobre um assunto que precisa ser resolvido.
Saindo essa licença, a senhora acha que pode ser a maior conquista da sua gestão?
Espero uma série de conquistas. Se for só essa, ficarei triste. Espero entregar a Petrobras com mais produção, menor custo, mais integrada e conhecida pela sociedade.
E quais são os planos da empresa para as áreas além da Margem Equatorial?
Continuar investindo na margem leste, com pré-sal e pós-sal. As oportunidades que a ANP ofereça, seja no polígono do pré-sal ou fora dele, estão sempre sobre a nossa mesa. E estamos diversificando na África. E olhando a Índia.
A Petrobras pediu ao Cade para participar das conversas entre o empresário Nelson Tanure e a Braskem. O que a estatal quer nessa discussão?
A Petrobras tem direito de preferência no negócio. É um ator relevante porque tem quase a metade da Braskem em termos de ações com direito a voto. E queremos saber, primeiro, quem é o sócio. Segundo, quais são as intenções. Já que a gente vai casar, queremos saber quem é o noivo. E terceiro, o que significa para o nosso negócio. Não temos intenção de comprar a Braskem, estatizá-la e transformá-la em uma parte da Petrobras.
A Petrobras quer aumentar a participação na gestão?
A Petrobras não concorda com a completa independência da Braskem. Na empresa, cada ativo trabalha por si, sem se relacionar com a diretoria colegiada que define os rumos. A gente não concorda. Precisamos exercer mais poder na Braskem. Queremos exacerbar as sinergias entre Petrobras e Braskem. Não é útil para a gente uma Braskem independente demais porque a gente perde essa sinergia. E perdendo sinergia, você deixa dinheiro sobre a mesa.