Há cerca de um ano, Junior Nyong’o recebeu um telefonema do diretor Saheem Ali. Nyong’o havia se formado recentemente na escola de teatro, e Ali, diretor artístico associado do Public Theater e amigo da família, havia ligado para lhe oferecer um trabalho.
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Ele gostaria de convidar Junior para interpretar Sebastian em uma produção de “Noite de Reis”, de William Shakespeare, que reabriria o renovado Delacorte Theater, no Central Park. Nyong’o aceitou imediatamente.
Mas ele tinha uma pergunta.
Sebastian é gêmeo. Quem, perguntou Nyong’o, Ali tinha em mente para interpretar Viola, sua irmã?
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“Eu!”, disse uma mulher que, de repente, estava na linha. Ele conhecia aquela voz — era de sua irmã Lupita Nyong’o.
“Eu meio que surtei”, lembra Junior Nyong’o. Ele falava, agora calmamente, em uma tarde no fim do mês passado, antes de um ensaio de “Noite de Reis”, que estava em pré-estreia e abriria em 21 de agosto. Irmão e irmã estavam sentados em um sofá no saguão inferior do espaço de ensaio do Public, com cortes de cabelo combinando — raspados nas laterais e clareados nas pontas. Ela usava um pequeno pingente de estrela. Ele, um grande.
Os dois não ensaiavam juntos com frequência. A estrutura de “Noite de Reis” mantém os gêmeos separados até uma reunião emocionante no final da peça. Alguns dias antes, eu os havia visto ensaiar essa cena. Com Ali ao lado, eles acertavam a marcação.
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“Quero segurar o seu rosto. Como você se sente sobre isso?”, perguntou Junior Nyong’o à irmã.
Ela respondeu: “Gosto. Mas eu quero segurar o seu rosto.”
Mais tarde, Lupita Nyong’o me disse que tinha dificuldade em imaginar como seria se apegar a um estranho como se fosse seu gêmeo. Sentiu alívio por não ter que fazer isso. No sofá, ela segurava a mão do irmão. “Não preciso fazer nenhum desse trabalho”, diz. “Porque o vínculo já está construído.”
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Os irmãos cresceram principalmente em Nairóbi, no Quênia, em uma família grande. Lupita Nyong’o, 42, é a segunda mais velha de cinco irmãos; seu irmão é o caçula e o único homem. Quando crianças, eram próximos, apesar da diferença de idade de pouco mais de dez anos. “Éramos muito unidos”, lembra Junior Nyong’o, 31.
“Eu queria que ele fosse meu filho!”, acrescenta a irmã. Ela também admitiu praticar um leve bullying, junto com as irmãs mais novas. “Nós o torturávamos com cócegas”.
Únicos entre os irmãos, ela e ele compartilhavam o amor pelo faz de conta. “Ele realmente gostava de brincadeiras de imaginação tanto quanto eu”, comenta Lupita. “Eu podia brincar com ele e ele levava a sério.”
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Cada um foi introduzido ao teatro cedo. O pai havia atuado em algumas peças de Shakespeare quando estudante e frequentemente recitava versos delas. Quando Lupita Nyong’o tinha 14 anos, estrelou uma produção local de “Romeu e Julieta”, onde conheceu Ali, também queniano. Ele interpretava Mercúcio, amigo de Romeu. Ainda assim, seus pais não incentivavam necessariamente uma carreira artística, e foi apenas após a faculdade que ela anunciou que seguiria a atuação.
O irmão fez peças durante toda a escola, às vezes como figurante, às vezes como protagonista. (No internato, interpretou Jesus em “Godspell.”) Saxofonista talentoso, pretendia estudar música, mas um programa de verão mudou sua ideia. “Eu amava música demais para sofrer por ela, enquanto poderia sofrer pela atuação”, diz.
Lupita Nyong’o ingressou no programa de pós-graduação em atuação da Universidade Yale. Ganhou um Oscar em 2014 por “12 Anos de Escravidão”, estreou na Broadway em 2016 em “Eclipsed”, de Danai Gurira, estrelou nos filmes “Pantera Negra” e no terror “Nós”. Durante esse tempo, seu irmão foi presença frequente no tapete vermelho. Eventualmente, ele ingressou na Universidade da Califórnia, em San Diego, formando-se em 2023 com mestrado em atuação.
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Fora as brincadeiras de infância, os irmãos não se lembravam de já ter atuado um com o outro. Então Ali, que havia se reconectado com Lupita Nyong’o quando ela estava em Yale e ele fazia mestrado na Universidade Columbia, fez sua proposta. Durante a pandemia, ele colaborou com ela em uma versão em áudio bilíngue de “Romeu e Julieta”, o que o deixou com vontade de trabalhar juntos presencialmente. Seu sonho, disse, era que ela interpretasse Viola em “Noite de Reis”, com Junior Nyong’o como seu gêmeo.
“São artistas que trazem algo especial para a produção”, explicou ele por telefone recentemente. “Uma verdade emocional é algo que você pode almejar ou cultivar — eles já têm isso de graça.”
Ela concordou, e então planejaram a “pegadinha”. Essa escalação também permitiu a Ali traduzir algumas falas para o suaíli, que os três falam (Os irmãos têm como línguas maternas o inglês e o Luo, língua falada em diversos países africanos). Na peça, Sebastian e Viola são imigrantes acidentais, naufragados em uma costa estrangeira. A língua marca sua diferença. E também os une.
“O que isso faz é nos trazer de volta para casa”, diz Junior Nyong’o. “É um ancoramento de identidade.”
Ainda assim, Lupita Nyong’o estava nervosa. Temia que, na sala de ensaio, se relacionasse mais com o irmão como irmã do que como colega, que fosse superprotetora, que o segurasse demais. “Porque ele é um homem adulto, mas ainda é meu irmão caçula!”, diz.
Antes dos ensaios, os irmãos jantaram juntos para estabelecer as bases da colaboração. Definiram intenções e expectativas, prometendo nunca dar o outro como garantido.
“Noite de Reis” tinha peso especial para cada um. Lupita Nyong’o assistia repetidamente a uma gravação em VHS da peça quando criança, atraída por sua comédia e melancolia. “É tão engraçada e tão triste, e essa oscilação a torna memorável, marcante”, afirma. Continua sendo sua peça favorita de Shakespeare. Seu irmão já havia atuado nela duas vezes, e em uma dessas produções, interpretando uma dama de companhia, moldou sua fisicalidade com base na irmã. “Tiramos uma foto quando eu estava com o figurino e parecíamos gêmeos”, lembra Júnior.
Para interpretar gêmeos desta vez, contam com mais do que DNA e história compartilhada. Os dois conversam sobre a peça nas viagens de metrô de ida e volta ao Public (Moram perto um do outro no Brooklyn).
Cada um observou o outro no ensaio para compartilhar alguns gestos e hábitos. Na peça, Viola se disfarça de rapaz. Em certo momento, ela é confundida com o gêmeo e ele com ela. Nessas cenas, Lupita Nyong’o modelou sua atuação com base no irmão. “Ele é um cara engraçado”, diz, rindo. “É incrível como os maneirismos dele me vêm naturalmente porque os observo desde que ele tinha zero anos.”
Houve algumas mudanças físicas. Sugeriram uma peruca, mas em vez disso Lupita Nyong’o cortou e estilizou o cabelo como o do irmão. “Peruca no Delacorte em agosto? Não”, disse. Brincou que faria o possível para crescer 15 centímetros, mas não prometia nada. Na verdade, não precisaria. “Acho que o fato de as pessoas saberem que somos irmãos ajudará no comprometimento emocional com os personagens”, disse.
O ensaio ensinou mais sobre os personagens e sobre eles mesmos, como pessoas e artistas. Descobriram um amor compartilhado pela análise de texto e uma generosidade semelhante com outros atores na sala. Junior Nyong’o disse à irmã que admira sua curiosidade e persistência. Ela respondeu que adora vê-lo se manter firme diante de atores experientes como Sandra Oh, que interpreta Olivia.
“Aprendi que ele ficará bem”, disse. “Isso me permitiu, como irmã mais velha, deixá-lo livre.”
A ligação familiar foi, na maioria das vezes, uma vantagem. Lupita Nyong’o só lamenta isso na cena inicial, quando Viola acredita que o irmão se afogou e tem que imaginar isso. (Eu vi essa cena. Mesmo no ensaio, foi comovente.) “Seria muito mais fácil se ele não fosse parente, mas é uma desvantagem que aceito porque só torna mais profundo”, diz Lupita Nyong’o.
E, para a cena em que se reencontram, não há desvantagens. “É o momento mais comovente de toda a peça”, diz Ali. Ele já conhecia a capacidade de Lupita Nyong’o para a emoção. “Agora posso ver o Junior, pela primeira vez, encontrar e igualar a irmã de uma forma tão bonita”, diz Ali.
Eu também vi isso, no ensaio. Preparando-se para a cena, Lupita Nyong’o fez uma rápida rotina de ioga. O irmão tirou o colete para combinar melhor com o visual dela — blusas brancas, calças escuras, tênis impecáveis. Fizeram a cena, chorando no reencontro.
Lupita Nyong’o abriu os braços e balançou a cabeça. “Não podemos interpretar a dor”, diz. Então decidiram que interpretariam a alegria. Eles se abraçaram, separando-se em um aperto de mão secreto e elaborado. Então repetiram a cena.