Documentos encontrados na caixa de e-mail do ex-auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, que trabalhava na Secretaria Estadual da Fazenda de São Paulo e que está preso desde 12 de agosto, mostram que ele montou um “projeto federal” para auxiliar a Ultrafarma a obter créditos tributários fora do território paulista. Até então, a atuação do ex-fiscal com a rede de farmácias estava circunscrita ao estado.
Artur foi preso juntamente com o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, e o diretor estatutário da Fast Shop, Mário Otávio Gomes. Dos três, apenas o ex-auditor permanece detido. Outras empresas, como Rede Nós (das lojas de conveniência OXXO) e Kalunga, também estão na mira do Ministério Público, conforme mostrou o GLOBO na terça-feira, 26.
Os documentos, obtidos pela reportagem com exclusividade, foram levantados pela Promotoria de São Paulo após pedido de quebra de sigilo telemático ser autorizado pela Justiça.
Chamado de “minuta de contrato – projeto federal”, um dos e-mails mostra Artur enviando para um advogado os detalhes do acordo entre a Ultrafarma e uma empresa de contabilidade chamada Providence Consultoria Tributária Digital, com sede em Santa Catarina. Entre os objetos do acordo estão “minimização de riscos junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil” e “levantamento e validação de eventuais créditos, principais e acessórios junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
Para o Ministério Público, a “terceirização” da atuação de Artur com a Ultrafarma faz parte de um movimento para encobrir e ampliar a atividade criminosa que foi instituída por ele. Ou seja, além de “vender” as facilidades na Secretaria da Fazenda de São Paulo, o ex-fiscal realizava parcerias para auxiliar seus clientes a tentar obter retornos financeiros junto à Receita Federal.
Veja abaixo dois prints de parte do contrato, assinado em 2024.
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Um investigador com acesso aos casos afirma que a atuação de Artur Neto pela Ultrafarma e outras empresas fora de São Paulo já é esperado. Nesse caso, deveria haver um “Artur federal”, em outras esferas tributárias, o que ainda não é objeto de apuração. Caso isso ocorra, parte das investigações precisará ser remetida para o Ministério Público Federal (MPF).
Procuradas, as Receitas de Santa Catarina e a Federal não informaram se há alguma investigação em curso sobre a atuação da Providence com a Ultrafarma para obtenção de créditos tributários. O proprietário da Providence, Ricardo Vieira, que também atuou para a Kalunga, mas negou a ação, afirmou que não assinou contrato com a Ultrafarma.
– Não realizei quaisquer serviços e também fiquei estarrecido ao ver as reportagens recentes da operação. As empresas citadas Kalunga e Ultrafarma não foram em nenhum momento por mim analisadas – afirma Vieira, por e-mail, contatado pelo mesmo endereço que aparece na troca de mensagens com Artur Neto.
Em nota, a Ultrafarma afirma que está colaborando com as investigações. Seu advogado recém-constituído, Marco Polo Del Nero, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, não retornou contato feito pela reportagem. A Kalunga não respondeu aos questionamentos do GLOBO.
Na semana passada, Artur Neto viu sua prisão temporária ser convertida em preventiva, ou seja, sem prazo de validade. Na última quinta-feira (21), o Diário Oficial publicou a sua exoneração da Secretaria da Fazenda, feita após pedido escrito à própria mão de Artur. A medida foi usada pela defesa para que o acusado pudesse responder aos crimes em liberdade. A Justiça, porém, não aceitou. Seus advogados, incluindo o ex-promotor Fernando Capez, foram procurados, mas não quiseram se manifestar.
A gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) informa, em nota, que “instaurou procedimento administrativo disciplinar e constituiu um grupo de trabalho específico que promoverá a verificação fiscal de todos os pedidos de ressarcimento relacionados às práticas irregulares em investigação, inicialmente das empresas mencionadas”.
Na terça, o governador, que passou a ser alvo da oposição devido à divulgação do escândalo na Sefaz, anunciou o afastamento de mais seis auditores fiscais suspeitos de corrupção.