O senador Efraim Filho (União Brasil-PB) apresentou na segunda-feira o relatório do projeto de lei que institui o Código de Defesa do Contribuinte e estabelece regras mais duras contra o chamado “devedor contumaz”, que são empresas e pessoas que deixam de pagar impostos de maneira planejada e repetida para fraudar o Fisco. A proposta, que tem o apoio de diversas associações empresariais, deve ser votada nesta terça-feira no plenário do Senado.
Para analistas ouvidos pelo GLOBO, o projeto vai fortalecer as empresas que atuam dentro da legalidade, que vinham perdendo por uma concorrência que classificam de “predatória”, o que terá efeitos positivos na economia.
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O texto ganhou força depois da Operação Carbono Oculto, da Receita Federal e da Polícia Federal, que revelou um esquema bilionário de sonegação e lavagem de dinheiro ligado à organização criminosa PCC.
O grupo usava postos de combustíveis, fintechs e fundos de investimento para movimentar valores sem recolher os tributos devidos. Entre outros pontos, o texto prevê regras mais rígidas para o setor de combustíveis.
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— Logicamente a operação da semana passada foi um empurrão que faltava para que esse projeto viesse à tona. E, apesar de ser árido e técnico o tema do devedor contumaz, é um projeto que dialoga com a vida real das pessoas. Esse é um projeto de ganha-ganha — disse Efraim.
Segundo o relator, a proposta busca diferenciar inadimplência momentânea de empresas que passam por dificuldades financeiras da contumácia, caracterizada por dívida reiterada, substancial e injustificada:
— O alvo são empresas criadas para fraudar, verdadeiras “cascas de ovo”, sem patrimônio e em nome de “laranjas”.
Segundo uma fonte, após a Operação Carbono Oculto, houve um esforço imenso nos bastidores para que o projeto avançasse. Fontes dizem haver devedores contumazes em telecomunicações, transporte urbano, compra e venda de carros, tabaco e bebidas, e até defensivos agrícolas.
O presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário, ressalta que a operação da PF deixou claro como as organizações criminosas têm se articulado de tal modo que ficou mais complexo coibir esquemas de sonegação fiscal. Ele disse que essas organizações usam recursos ilícitos para criar empresas e competir com companhias formais.
Para Cesário, o projeto ataca também o desafio concorrencial, uma vez que as empresas ilegais acabam “asfixiando” as formais:
— A lavagem fica mais complexa e pode acontecer de expulsar os agentes formais do jogo, de modo que setores inteiros são afetados e ninguém que seja “sério” consegue permanecer no setor.
Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), diz esperar que, depois da Operação Carbono Oculto, o projeto seja aprovado:
— O tamanho da operação espantou muita gente. Para nós não foi uma surpresa.
Carlo Faccio, diretor do ICL, ressalta ainda que a aprovação do projeto de lei pode ajudar a criar um ambiente de negócios mais saudável, diferente do modelo “predatório” que existe hoje. Segundo ele, há mercados em que concorrer com o ilegal se tornou tão difícil que já não há mais disputa. Com o novo arcabouço, a tendência é trazer mais competitividade ao mercado.
Impacto na arrecadação de R$ 15 bi a R$ 20 bi
Sócio do Bichara Advogados, Giuseppe Melotti explica que não há hoje um critério normativo para definir um devedor contumaz, o que abre brechas na fiscalização:
— O resultado disso é um impacto colossal na economia, seja pela sonegação ou pela adulteração do produto.
Segundo Melotti, estudos calculam um impacto na arrecadação entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões no ano. A partir dessas estimativas, afirma ele, já se pode supor que haverá efeitos positivos de uma regulamentação que seja dura com os devedores contumazes.
Pelo projeto, o devedor contumaz fica proibido de obter quaisquer benefícios fiscais, participar de licitações públicas e formar vínculos de qualquer tipo com o governo. Também não poderá pedir recuperação judicial.
O projeto também altera regras no setor de combustíveis: uma empresa precisará ter capital social mínimo de R$ 1 milhão para atuar na revenda, de R$ 10 milhões para distribuição e de R$ 200 bilhões para produção. Além disso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai exigir comprovação da licitude dos recursos aportados e identificar o titular efetivo das empresas interessadas.
Dívidas de R$ 200 bilhões
O senador disse ainda que o impacto econômico pode ser expressivo. Ele citou estudos da Receita Federal que apontam que cerca de 1.200 empresas acumularam R$ 200 bilhões em dívidas na última década, valores que são considerados irrecuperáveis por estarem em nomes de “laranjas” ou CNPJs já encerrados.
O relator argumenta que inibir a atuação de “laranjas” fortalece os mecanismos de controle no setor de combustíveis e mitiga o risco de organizações criminosas se apropriarem do mercado.
“Essa alteração legislativa é coerente com o imperativo de retomar o controle do setor estratégico que está sob ataque de grupos criminosos estruturados, como o PCC”, afirma ele no relatório.
O texto afirma ainda diz que as instituições de pagamento e fintechs estão sujeitas às normas e obrigações definidas pelo Poder Executivo. Essas normas, porém, não são definidas na lei.
O projeto ainda estabelece três programas da Receita: o Confia, de conformidade tributária de adesão voluntária; o Sintonia, que visa estimular o cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras; e o de Operador Econômico Autorizado, para fortalecer a segurança da cadeia de suprimentos internacional e estimular o cumprimento voluntário da legislação aduaneira.
Efraim afirmou que o texto já passou por debates com o Ministério da Fazenda, a Receita Federal, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Abrasca e outros setores produtivos. Ele espera ter hoje “uma ampla e sólida maioria” para aprovar o projeto.
Em nota, a Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom) ressaltou que apoia o projeto desde a origem, em 2017.