No escritório modesto de Golnar Khosrowshahi na Reservoir Media, a empresa musical independente que ela fundou, as paredes estão vazias — exceto por um painel com o logotipo da empresa feito de musgo finlandês multicolorido. Os discos de ouro conquistados pelos artistas da gravadora estão pendurados em outro lugar, e Khosrowshahi quase fica envergonhada ao falar sobre os acordos que fechou com estrelas como Joni Mitchell e Snoop Dogg.
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Mas, ao longo dos últimos 18 anos, Khosrowshahi — uma das pouquíssimas mulheres CEOs da indústria musical — construiu discretamente um negócio boutique bem-sucedido, prosperando em um mercado altamente competitivo de catálogos musicais, dominado por conglomerados midiáticos bilionários e fundos de investimento.
Agora, a Reservoir acaba de fechar mais um acordo de peso: adquiriu a maioria dos direitos musicais pertencentes ao espólio de Miles Davis, antes do centenário do mestre do jazz, que será comemorado no próximo ano. A transação, concluída em agosto, inclui 90% dos direitos de publicação das músicas de Davis e da receita do espólio com suas gravações, além de um acordo entre a Reservoir e os herdeiros para compartilharem o controle sobre o nome, imagem e semelhança de Davis — o monólito imprevisível que remodelou o jazz várias vezes antes de morrer, em 1991.
“É uma oportunidade única na vida”, disse Khosrowshahi, 53 anos, em uma entrevista na semana passada, na sede da Reservoir, no sul de Manhattan.
Fundada em 2007 e com ações na bolsa desde 2021, a Reservoir evoluiu de uma pequena editora musical para uma empresa independente ágil e completa. Seu portfólio inclui músicas de Sheryl Crow, The Isley Brothers, o rapper Offset, de Atlanta, e outro gigante do jazz, o saxofonista Sonny Rollins. A Reservoir também tem participações em sucessos modernos como “Louie Louie”, “Ring of Fire”, de Johnny Cash, e “Take Me Home, Country Roads”, de John Denver, além de ser dona dos selos Chrysalis e Tommy Boy, que lançaram clássicos do hip-hop de De La Soul e Queen Latifah.
“Não somos meros detentores passivos de propriedade intelectual”, disse Khosrowshahi. “Temos uma plataforma ativa.”
Erin Davis, um dos filhos de Miles Davis, e Vince Wilburn Jr., sobrinho e também baterista que tocou com o tio, fazem parte da equipe que administra o espólio e disseram ter se reunido com diversos interessados antes de escolher a Reservoir. Para celebrar e promover o centenário de Miles Davis, Khosrowshahi mencionou um possível musical na Broadway, além de um evento “imersivo” no Lightroom, um espaço artístico em Londres (no qual a Reservoir tem participação) que se especializa em apresentações de alta tecnologia. Um filme biográfico, “Miles & Juliette” — sobre o romance do trompetista com a cantora e atriz francesa Juliette Gréco — já está em produção, com Mick Jagger entre os produtores.
“Tio Miles era sobre evolução”, disse Wilburn. “Ele nunca olhava para trás. Então queremos que a música continue evoluindo muito depois que a gente se for.”
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Khosrowshahi, nascida no Irã, estudou piano clássico e tem um MBA pela Columbia Business School. Em meados dos anos 2000, quando a indústria da música enfrentava sua pior crise devido à revolução digital, ela começou a desenvolver um plano para investir em música. Os portfólios de direitos autorais costumam ser avaliados com base em múltiplos dos seus lucros anuais — algo que varia bastante. Hoje em dia, acordos que equivalem a 20 vezes os lucros anuais não são incomuns. Mas quando ela entrou no setor, bons catálogos podiam ser adquiridos por múltiplos de apenas um dígito.
“Devíamos ter comprado tudo o que apareceu na nossa mesa com aquele preço”, disse Khosrowshahi. “Se a gente pagou caro por algo com múltiplo de 4? Grande coisa”, disse, dando de ombros.
Ainda assim, em um mercado de tubarões, a Reservoir precisa sobreviver como um peixinho. Desde sua fundação, a empresa afirma ter gasto US$ 876 milhões comprando catálogos e outras companhias. Para comparação, a Sony Music declarou, em junho, que havia gasto US$ 2,5 bilhões apenas no último ano em investimentos diversos, incluindo aquisições de catálogos. (A Sony ainda detém os direitos das gravações da maior parte da carreira de Miles Davis, incluindo o clássico álbum Kind of Blue, de 1959.)
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A Reservoir construiu uma reputação por fechar acordos conservadores, pagando um múltiplo médio de 15,5 na maioria das aquisições de catálogos, segundo a própria empresa. Khosrowshahi diz que o “ponto ideal” da Reservoir são transações entre US$ 40 e 60 milhões. Os termos do acordo com o espólio de Davis não foram divulgados, mas estima-se que estejam nessa faixa.
Para uma empresa independente, segundo ela, o toque pessoal é essencial.
“Troco mensagens com a maioria dos meus clientes o tempo todo, seja sobre um novo bebê ou uma música nova”, disse.
O acordo da Reservoir para administrar o catálogo de Joni Mitchell, uma das compositoras vivas mais respeitadas da música, surgiu por meio de outro cliente, o compositor Bruce Roberts, que apresentou Khosrowshahi a Mitchell em 2021, “no auge da Covid”, segundo ela. As duas jantaram em um restaurante em Beverly Hills e Khosrowshahi também visitou Mitchell em sua casa. Em menos de dois meses, o acordo foi fechado.
Khosrowshahi disse que, por vezes, ser mulher no mercado da música foi uma vantagem, mas destacou que vir de fora também ajudou.
“Você praticamente não vê ninguém que cresceu dentro da indústria musical e chegou à liderança sendo mulher”, disse. “Talvez a única maneira fosse mesmo entrar como outsider.”
A gestão da Reservoir com De La Soul, cujas gravações a empresa adquiriu em 2021 ao comprar a Tommy Boy, também gerou boa reputação. Os álbuns ecléticos do grupo foram alguns dos mais influentes da história do hip-hop, mas problemas antigos de liberação de samples deixaram essas obras presas em um limbo de direitos autorais por anos. Clássicos como 3 Feet High and Rising (1989) nunca haviam sido disponibilizados oficialmente online. A Reservoir cedeu ao grupo os direitos de suas gravações originais da Tommy Boy e trabalhou com ele por mais de um ano para resolver todas as pendências legais, permitindo que o catálogo do De La Soul finalmente chegasse às plataformas de streaming em 2023.
“Ter conseguido fazer o impossível com o De La Soul foi um cartão de visitas incrível para a Reservoir”, disse Bill Werde, diretor do programa de negócios musicais Bandier, da Universidade de Syracuse.
Quando questionada sobre como a Reservoir, com valor de mercado estimado em US$ 520 milhões, pode continuar competindo contra gigantes que ainda levantam bilhões de dólares para adquirir catálogos, Khosrowshahi apontou o acordo com o espólio de Davis como prova da força da empresa.
“Estou esperando o dia em que a gente não consiga mais”, disse, de forma direta. “Mas, por enquanto, ainda não vejo uma situação em que não possamos executar.”