A juíza Patrícia Acioli saiu do Forum de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, pouco depois das onze da noite naquela quinta-feira sem saber que estava sendo seguida por dois homens em uma moto. Dirigindo um Fiat Idea sem blindagem e sem escolta policial, a magistrada percorreu o trajeto de 27 quilômetros até a casa dela, no bairro de Piratininga, em Niterói, em cerca de 40 minutos.
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Antes de descer do carro pra abrir o portão de casa, Patrícia foi executada com 21 tiros disparados pelos dois homens que tinham seguido a juíza na moto. O crime, no dia 11 de agosto de 2011, foi considerado um ataque ao Estado brasileiro e gerou ainda mais consternação quando a investigação revelou que os assassinos eram policiais militares, a mando de um tenente-coronel da PM.
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Patrícia Lourival Acioli tinha 47 anos e, assim como o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, foi morta em uma retaliação planejada por criminosos. Patrícia era considerada uma juíza linha dura na área de São Gonçalo e Niterói. Chamada de “a senhora do martelo de ferro”, a magistrada combatia milícias, grupos de extermínio e máfias do transporte alternativo.
A magistrada não tinha medo de condenar policiais envolvidos com crimes e se mostrava indignada com a quantidade de civis mortos por agentes de segurança do Estado — algo chamado no meio jurídico de auto de resistência. Numa entrevista ao Jornal O GLOBO menos de um ano antes de ser assassinada, a juíza disse que, ao cometer um crime, o policial gerava na população uma descrença no poder constituído. Segundo ela, isso fazia o povo buscar o poder paralelo e desacreditar o Estado.
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Patrícia decretou a prisão de cerca de 60 policiais ligados a milícias e grupos de extermínio. Ela tinha determinado, horas antes de ser assassinada, a prisão preventiva de dois PMs acusados de forjar um auto de resistência no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Pouco antes da meia-noite, a juíza foi executada com tiros de duas pistolas e um revólver disparados contra a janela e a porta da motorista.
Reportagens mostraram que ela chegou a contar com escolta policial em anos anteriores, mas tinha perdido esse apoio e vinha exigindo do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) o retorno da segurança. Em entrevista após o crime, o então presidente do TJ, desembargador Manoel Alberto Rebêlo, teria sido a própria Patrícia que abrira mão da escolta. Porém, o advogado Técio Lins e Silva, contratado pela família, entregou ao desembargador cópias de ofícios da juíza pedindo proteção ao tribunal.
De fato, o Jornal O GLOBO publicou reportagem, no dia 18 de agosto de 2011, reproduzindo trechos de um ofício de 2007 no qual Patrícia Acioli se queixava ao TJ sobre a redução da sua escolta.
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A investigação policial sobre o crime analisou horas de imagens de câmeras de segurança e milhões de dados de torres de celular para descobrir que os atiradores eram um cabo e um tenente da Polícia Militar. De acordo com o depoimento de um deles, o crime foi uma reação ao trabalho de Patrícia que atrapalhava um esquema de policiais corruptos que recebiam propina de traficantes da região.
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No total, 11 PMs foram condenados pelo assassinato, entre eles o tenente-coronel Claudio Luiz Silva de Oliveira, ex-comandante do 7º BPM (São Gonçalo), Considerado o mandante do crime, ele recebeu pena de 36 anos de prisão e, em 2023, passou paro regime semiaberto. Também foram condenados o tenente Daniel Santos Benitez e o cabo Sérgio Costa Júnior, autores dos disparos.
Em homenagem à juíza assassinada, a Associação dos Magistrados do Rio criou, em 2012, o Prêmio Patricia Acioli de Direitos Humanos. O Forum Regional de Alcântara recebeu o nome dela. E, em 2022, foi lançado o documentário “Patricia Acioli: A Juíza do Povo”. Dirigido por Humberto Nascimento, o filme destaca o rigor da magistrada no combate ao crime mas também o lado humano de uma mulher que era mãe de duas filhas e tinha uma enorme dedicação pelo serviço público.