A cooperativa Cofruta, em Abaetetuba (PA), reúne 104 pessoas e fornece, há vinte anos, insumos à Natura. No início, a comunidade vendia apenas frutas e sementes, até que, em 2010, inaugurou duas agroindústrias com investimentos da empresa para transformar os materiais em óleos e manteigas. A renda aumentou: enquanto uma árvore com mais de 20 anos rendia cerca de R$ 30 em toras de madeira, os cooperados recebem de R$ 50 a R$ 60 por árvore a cada safra com a produção de murumuru, andiroba, ucuuba e açaí. A cooperativa produz diariamente entre 800 e mil quilos de manteigas, óleos e polpas, ingredientes que já integram dezenas de produtos da marca.
No início do mês, a Natura anunciou que já tem mais de mil produtos que dependem de insumos provenientes da Amazônia, o equivalente a mais da metade do portfólio da empresa. O uso massivo desses materiais, no entanto, traz desafios especialmente diante das mudanças climáticas, que tornam as safras imprevisíveis, além de questões ligadas à escala da produção. Neste ano, a empresa também anunciou a meta de se tornar regenerativa até 2050, o que depende de tecnologias ainda em desenvolvimento.
Atualmente, a Natura compra 46 ingredientes amazônicos, como castanha, ingá, pataqueira e babaçu, usados em linhas como Chronos, Lumina, UNA e Natura Ekos. A empresa mantém parcerias com 52 comunidades produtoras, que reúnem 12 mil famílias. São compradas 30 mil toneladas de bioinsumos amazônicos anualmente.
A Cofruta nasceu em 2002 e inicialmente tentou produzir doces e geleias. Pouco depois, a cooperativa conheceu um representante da Natura, que buscava comunidades que trabalhavam com murumuru:
— Tinha murumuru, mas a gente não tinha conhecimento de trabalhar com ele. Começamos a conversar, mandar um pouquinho de produto para fazer pesquisa. Depois começamos a produzir o murumuru — conta Vanildo Quaresma Ferreira, presidente da cooperativa. — Um dos nossos desejos era ter mais ingredientes porque o açaí só tem quatro meses de produção.
Quando há necessidade de um novo insumo, a Natura vai às comunidades parceiras em busca de matérias-primas potenciais. Em seguida, inicia um processo de pesquisa de 3 a 5 anos para comprovar se o produto atende à função desejada. Foi o mesmo processo que aconteceu com a Associação de Produtores e Produtoras Rurais da Comunidade de Campo Limpo (Aprocamp).
A presidente, Josilene Monteiro Seixas, conta que a parceria, iniciada em 2002, aumentou em 70% a renda das cerca de 400 pessoas da comunidade. Desde 2021, a Aprocamp tem uma fábrica de processamento de óleos. Agora, dois moradores fazem curso técnico em química para que uma parcela das análises possa, em breve, ser realizada dentro da comunidade.
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O trabalho é minucioso: uma tonelada de planta rende, em média, apenas 160 ml de óleo, e o processo de extração pode levar de duas a seis horas, a depender da planta. Só no ano passado, a Aprocamp comercializou 35 mil litros de óleo de pataqueira, por exemplo.
— A sociobioeconomia nos deu um leque de oportunidade e tecnologia para agregar valor ao conhecimento tradicional, aqui da comunidade. E o mais importante: a tecnologia trouxe voz. Olha, se você não vive na Amazônia, você não vai falar da nossa realidade — diz Josilene.
A construção de relacionamentos da Natura com comunidades locais ao longo de décadas pavimentou o caminho para o programa Visão 2050, anunciado recentemente pela companhia. O conjunto de diretrizes amplia compromissos já assumidos pela marca. A meta é se tornar regenerativa, ou seja, uma empresa que não apenas devolve à natureza o que usa em seus produtos, mas que contribui para restaurar ecossistemas, superando o que foi consumido.
Para se tornar uma totalmente regenerativa até 2050, a Natura precisa gerar impacto positivo em quatro frentes: financeira, humana, social e ambiental. A única frente que ainda não é totalmente positiva é a ambiental, já que o negócio ainda causa impactos na natureza.
Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura, explica que essa abordagem também é uma forma de destravar o crescimento da empresa porque, ao expandir suas atividades, a Natura não prejudicaria o meio ambiente, do qual depende para extrair insumos.
Apesar dos planos, ela reconhece que muitas das metas da empresa ainda dependem de tecnologias que não existem, como ter todas as embalagens de fonte renovável e 100% compostáveis:
— Como que a gente acha alternativas de materiais para plástico? Nós não temos boas soluções. Esse é um exemplo de caminho que colocamos para o que o pessoal de P&D comece a pesquisar novas alternativas de embalagem para minimizar danos — diz.
Existem ainda outros desafios, como o impacto das mudanças climáticas na produção. Sempre que uma planta ou semente apresenta safra reduzida, a quantidade de produtos fabricados também diminui. Raoni Silva, Gerente de Relacionamento e Abastecimento da Sociobiodiversidade, diz que problemas como safras mais longas, curtas, atrasadas ou antecipadas já são comuns:
— A castanha do Pará teve uma quebra de safra de 70%. Os anos de 2022 e 2023 tiveram baixa incidência de chuva, o que impactou a safra de 2025. E isso muda o ciclo da planta. Muitas vezes, quando a planta está com fruto pequeno e a seca é intensa, a estratégia de sobrevivência da planta é abortar o fruto — explicou Silva.
Para enfrentar esse problema, a empresa tem buscado entender a diferença da safra em diferentes regiões, ampliar o número de comunidades e famílias envolvidas na cadeia e incentivar a regeneração das áreas, com sistemas agroflorestais ou inserção das plantas para recuperar as áreas de manejos.
Outro foco é fomentar parcerias com companhias interessadas em ter negócios mais sustentáveis, conta Paulo Dallari, Diretor de Reputação e Governo da Natura, inclusive durante a COP 30, buscando novos usos de bioinsumos, para além da indústria de cosméticos.
— Como desenvolver novos ingredientes ou novos usos para aqueles que já existem? Descobrimos, por exemplo, que o tucumã ajuda a pele a produzir ácido hialurônico. Não precisa fazer sintético. Se nós não estivéssemos olhando para o Tucumã e buscando usos para ele, esse conhecimento estaria oculto.
— O breu branco (uma resina aromática usada em perfumes da Natura) é usado pelas comunidades para fazer o isolamento do fundo do barco, quando você junta as tábuas de madeira. Será que ele não poderia substituir o verniz, por exemplo? Não poderia funcionar para a indústria química? Ninguém está olhando para isso, mas olha quantas possibilidades não surgem de uma mesma árvore, que hoje a gente está usando por causa do aroma.
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Esse trabalho envolve também atrair mais empresas para o EcoParque da Natura, um centro de pesquisa de cosméticos localizado em Benevides (PA), com uma fábrica que produz 1,6 milhões de sabonetes em barra diariamente. A ideia da Natura é construir um ecossistema de negócios que ajude a escalar soluções de sustentabilidade.
Repórter viajou a convite da Natura