De um lado, a defesa de um modelo de turismo que explore belezas naturais sem deixar de preservá-las, além da possibilidade de arrecadar valores que abasteçam os cofres públicos. Do outro, temores relativos à elitização do lazer e à redução de frequentadores, impactando a renda de quem vive de acolher os visitantes. A aprovação pelas Câmaras de Vereadores locais, nesta semana, de taxas para quem se hospeda na fria Campos do Jordão, no interior de São Paulo, e na ensolarada Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio, gerou reações e ampliou um debate que já se alastrava pelo país.
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Além do município na Serra da Mantiqueira, quatro concorridos balneários paulistas também ensaiam taxar visitantes: Ilhabela e São Sebastião, no litoral norte, e Guarujá, no sul. A aplicação de tarifas para turistas não configura uma novidade no estado, já que em Ubatuba, vizinha a Ilhabela, uma Taxa de Preservação Ambiental existe desde 2023. Prática semelhante foi aprovada neste mês pela Câmara de Porto Seguro, na Bahia, com previsão de cobrança diária por veículos vindos de outros municípios a partir do próximo mês.
Políticas similares já são adotadas em destinos como Fernando de Noronha, em Pernambuco, e Jericoacoara, no Ceará, onde protestos no último sábado pediram a revogação definitiva da medida, atualmente suspensa por decisão da Justiça. A discussão extrapola fronteiras, e sonhos de consumo como Barcelona e Paris têm as suas modalidades próprias de cobrança.
A lei aprovada em Campos do Jordão prevê o pagamento pelos visitantes de taxas diárias que variam de R$ 6,67, para quem chega de moto, a R$ 246,79, no caso de ônibus. Se sancionada pela prefeitura, a norma passaria a valer já em 2026. A previsão da Câmara é que o município arrecade cerca de R$ 30 milhões por ano com a medida.
Já em Angra dos Reis a cobrança diária seria por pessoa. Os vereadores aprovaram uma transição gradativa e no primeiro ano em vigor — também em 2026, no caso de sanção — seriam cobrados R$ 23,75 no continente ou R$ 47,50 para quem fica nas ilhas, como, por exemplo, a Ilha Grande, que atrai visitantes de diferentes partes do mundo. Moradores da própria cidade ficariam isentos da Taxa de Turismo Sustentável (TTS), bem como menores de 12 anos e idosos com mais de 60, entre outras concessões.
Na última quinta, durante votação de destaques ao texto, manifestantes levaram cartazes contrários à proposta à Câmara. “Mais taxa, menos turismo, menos renda”, dizia uma das mensagens. Uma petição pública que somava quase 2.800 assinaturas na noite de ontem também opõe-se à proposta, citando “prejuízo para barqueiros, guias, hotéis, pousadas, bares e restaurantes”.
“Somos a favor do turismo sustentável, mas sem penalizar os visitantes e colocar em risco milhares de empregos que dependem dessa atividade. Há outras formas de promover sustentabilidade sem desestimular quem mantém nossa economia viva”, afirma o abaixo-assinado.
Uma das taxas de preservação mais antigas — e caras — do país é a de Fernando de Noronha. Criada em 29 de dezembro de 1989, atualmente ela recolhe R$ 101,33 diários por visitante. Moradores, parentes de primeiro grau e profissionais a serviço são isentos .
As cifras envolvidas, sobretudo as mais elevadas, levantam o receio de possibilidade de exclusão de parcelas da população. Especializada em direito ambiental, a advogada Gabriela Neves lembra que é preciso observar os princípios do Direito do Consumidor e os preceitos constitucionais, que asseguram igualdade e admitem a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor.
— As cobranças devem ser proporcionais e acessíveis a todos, independentemente de condição econômica ou social. É imprescindível a existência de fiscalização efetiva para coibir práticas abusivas. Mas atualmente os sistemas de cobrança adotados por concessionárias e administrações municipais têm se mostrado, em geral, razoáveis e compatíveis com os objetivos de sustentabilidade e preservação — diz.
A também advogada Victoria Weber, focada na mesma área de atuação, opina que as taxas não devem ser vistas “apenas como uma forma de conter o excesso de visitantes, mas também como uma estratégia para proteção ambiental e manutenção dos locais que podem ser impactados pela alta demanda turística”:
— Além disso, os recursos arrecadados podem ser destinados à conservação da biodiversidade, à recuperação de áreas degradadas e ao fortalecimento de comunidades locais, promovendo um turismo mais responsável e equilibrado.
Já Bianca Xavier, doutora em Direito Tributário e professora da FGV Rio, argumenta que, sob o ponto de vista jurídico, a cobrança dessas tarifas “é muito questionável”:
— A Constituição diz que não pode haver nenhum tributo sobre o direito de ir e vir.
Em Jericoacoara, no último sábado, uma das famosas dunas locais exibiu uma espécie de “letreiro humano” formado por luzes de celular que, visto de cima, formava a frase “Jeri livre”. A manifestação teve como alvo a polêmica sobre a cobrança de taxas para visitas ao Parque Nacional local, no momento suspensas pela Justiça.
Desde o ano passado, quando a Concessionária Urbia Cataratas assumiu a gestão do parque, a possibilidade de ter que pagar para acessar a praia e a vila tornou-se uma preocupação para a população local, que teme impactos ao turismo. A cobrança está prevista no contrato de concessão.
— Queremos manter o acesso democrático e não super elitizado, e preservar os moradores mais tradicionais. Se as pessoas tiverem que pagar R$ 50 todos os dias, podem optar por pousadas em cidades próximas — diz Andrea Vale Spazzafumo, moradora e advogada que representa o Conselho Comunitário e Empresarial da Vila de Jericoacoara.
Já a concessionária destaca que as regras do contrato foram definidas pela União e pelo ICMBio e que “os recursos previstos com a arrecadação são fundamentais para a conservação ambiental, manutenção da infraestrutura e melhoria da experiência turística”. A empresa reforçou que moradores e trabalhadores do turismo terão acesso gratuito.
Procurado, o ICMBio disse que a cobrança de ingressos segue uma portaria do Ministério do Meio Ambiente. As taxas, salienta o instituto, são “importante fonte de receitas para a operação e manutenção dos serviços de visitação nas unidades de conservação” em certos contratos.
— Os parques nacionais precisam de manutenção e de mais investimento. Se formos esperar que o dinheiro saia dos cofres públicos, corremos risco de perder espaço — pontua Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação.
A queda de braço, porém, está longe de ser inédita. No fim do ano passado, por exemplo, moradores e visitantes de Caldas Novas, no sul de Goiás, se revoltaram com a taxa para turistas que passou a ser cobrada na cidade, com valores entre R$ 5 e R$ 183. Diante da rejeição popular, a medida foi revogada pela prefeitura.
Da Europa à Ásia, países com destinos turísticos superlotados passaram a impor taxas aos visitantes, inclusive sobre a hospedagem. Em Barcelona, na Espanha, os viajantes pagam atualmente até 7,50 euros por dia, a depender da categoria do hotel. Em Berlim, na Alemanha, um imposto de 7,5% do preço da estadia noturna é cobrado. Já em Paris, na França, os turistas podem ter que desembolsar quase 16 euros por noite para o nível mais caro de hotéis.
Como já ocorre no Havaí (EUA), o governo da Grécia — que enfrenta incêndios florestais — quer se proteger contra desastres naturais e fazer com que os turistas ajudem a pagar a conta. No país europeu, a cobrança ganhou o nome de “taxa de resiliência à crise climática” e será feita pelo setor de hotelaria e acomodação.
— A taxação acaba inibindo o turista de bate-volta. Se bem empregadas, essas cobranças acabam se revertendo na sustentabilidade local. O problema é que há, sim, uma elitização da atividade turística — resume Mauricio Werner, consultor em planejamento turístico e professor da FGV.