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‘Parece que fico mais inteligente quando faço teatro’, diz Wagner Moura

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setembro 28, 2025
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Christiane Jatahy — Foto: Divulgação /Caio Lirio

Wagner Moura veste um terno preto e gira o tronco do corpo para um lado e para o outro. Faz “brrrr” vibrando os lábios num exercício para aquecer a voz. Senta numa cadeira no meio da cena, iluminado apenas por um facho de luz. Cruza os dedos das mãos apoiadas no colo, enche o pulmão de ar e manda ver:

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— A verdade acabou. Isso é o que mais me assusta. Não existem mais fatos. Só versões.

Estamos num ensaio no Trapiche Barnabé, em Salvador, onde ele estreia, na próxima sexta-feira, a peça “Um julgamento — Depois do inimigo do povo”. A frase com que o personagem inicia a montagem poderia muito bem ter sito dita pelo ator. Poderia, não. Já foi repetida em algumas das tantas vezes em que ele se colocou politicamente. É que Wagner pôs na boca do protagonista muito do que tem desejado falar sobre esses tempos loucos. Não só ele.

Christiane Jatahy — Foto: Divulgação /Caio Lirio

Mestra em levar aos palcos reflexões contemporâneas necessárias ao adaptar clássicos, a diretora Christiane Jatahy partiu do texto do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) para soltar o verbo diante do que, como cidadã e observadora atenta que é da sociedade, considera absurdo. O resultado é um texto novo, escrito pela dupla com o roteirista Lucas Paraizo, encenado por Wagner, Danilo Grangheia e Julia Bernat, e que dialoga com a realidade atual. Tudo gira em torno da história de um médico cientista (Wagner) que descobre que as águas do balneário de sua cidade estão contaminadas. Ao alertar as autoridades para tentar proteger a população e os turistas, acaba acusado de prejudicar economicamente a cidade.

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Qualquer semelhança com a guerra de narrativas durante o período da Covid-19 não é mera coincidência. A pandemia, aliás, é o único paralelo direto com o Brasil mencionado no texto. Mas, mais do que fatos concretos ligados ao país, o que está no jogo são inquietações e sentimentos dos autores sobre o mundo que está posto. O certo é que, mais de um século depois, o texto permanece urgente e quente, já que Ibsen aborda temas como fake news, ciência, democracia e até a cultura do cancelamento, materializada no apedrejamento da casa do médico pela população.

O desdobramento proposto por Christiane e cia., no entanto, parte agora de um julgamento em que 11 pessoas da plateia formam um júri para decidir, a cada sessão, se o personagem é ou não é inimigo do povo. Dois finais foram escritos, e o desfecho do espetáculo, que faz curta temporada de 23 de outubro a 3 de novembro no CCBB do Rio, depende dessa decisão. O voto é secreto e, naquela noite de ensaio, o placar foi de 10 x 1 para o “não”. A diretora pensa em fazer um mapa mostrando os resultados da votação por onde a peça for apresentada. Para ela, ele pode dizer muito sobre “os brasis” e os outros países que a turnê do espetáculo visitará.

Julia Bernat em cena da peça'O julgamento - depois do inimigo do povo' — Foto: Divulgação / Caio Lirio
Julia Bernat em cena da peça ‘O julgamento – depois do inimigo do povo’ — Foto: Divulgação / Caio Lirio

Voltando à cena, enquanto a filha do protagonista (Julia Bernat) defende o pai, o irmão dele, prefeito da cidade, o acusa. O embate polarizado serviu para Christiane como exercício de pensar o lado oposto de seu posicionamento político na vida real, ao escrever, além do do discurso da defesa, o da acusação. Está ali o que é preciso ser falado para criar o contraditório. Em meio a uma família rachada por posições políticas antagônicas, o protagonista segue apresentando seus argumentos:

— Quando a verdade perde o valor, então toda essa sala e tudo que ela representa se torna uma encenação. A informação que chega pra mim pode não ser a mesma que chega para você, dependendo das suas predileções. Hoje, você pode ver uma imagem de uma pessoa falando e não é a pessoa. Se a minha realidade é diferente da sua, é como se a gente estivesse vivendo em mundos diferentes. E aí como é que a gente faz para se relacionar? — continua Wagner, em cena.

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Corta para a mesa de um restaurante soteropolitano, onde, após o ensaio, o ator explica à repórter sua maior motivação para a montagem:

— O que mais me assusta hoje é o ocaso com a verdade, a relativização dela com polarização, fake news, tecnologia, que faz com que a gente veja uma coisa que não é. Parece que tira o chão da gente. Esse julgamento é sobre a verdade e as consequências dela. Até onde você vai quando acha que uma coisa é a certa? O “Inimigo do povo” conversa muito comigo nesse sentido.

As contradições humanas e a falta de diálogo são outros pontos caros ao ator.

Danilo Grangheia em cena da peça'O julgamento - depois do inimigo do povo' — Foto: Divulgação / Caio Lirio
Danilo Grangheia em cena da peça ‘O julgamento – depois do inimigo do povo’ — Foto: Divulgação / Caio Lirio

— O julgamento não deixa o protagonista (alinhado ao pensamento de esquerda), heroico. E o contraponto com o irmão (mais à direita) é feito da forma com que eu gostaria de me relacionar com a direita. Juro! Quando os moradores da cidade dizem “ok, você tem o imperativo moral, mas preciso comer, e se a cidade fechar?” faz sentido para mim. Quisemos trazer isso para o discurso do irmão, e muita gente vai se conectar. Viu que hoje uma pessoa do júri votou “sim”? — repara Wagner. — A direita que não vejo aqui faz perguntas certas. A gente quer bem-estar social, cultura, que o Estado faça um monte de coisa. A direita com que queria dialogar questiona: “Ok, mas quem vai pagar pelo que você tá querendo? Isso vai aumentar a carga tributária”. São questões válidas, discussões importantes e equilibradas entre dois pontos de vista. Mas fica esse negócio de “toma o visto dele”. A supressão da liberdade de expressão nos Estados Unidos… É louco quando você faz uma coisa e percebe que o mundo vai se conectando, meio que “parabolizando” o que acontece. Acabou o programa do Jimmy Kimmel (que voltaria ao ar no último dia 23, após esta entrevista), loucura! Imagina se o Jô Soares tivesse sido censurado?

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  • ‘Queremos é ver o humano’
  • Realidade e ficção, tudo misturado
      • ‘Parece que fico mais inteligente quando faço teatro’, diz Wagner Moura

‘Queremos é ver o humano’

Como se vê, não é à toa que Wagner volta ao teatro com essa peça especificamente após 16 anos afastado dos palcos desde “Hamlet”. É um ator que escolhe trabalhar com projetos que estão em confluência com o que pensa:

— É presente esse amálgama entre mim e o personagem, do que eu sou na vida. Há momentos em que falo como Wagner e depois volto para o personagem. Como artista, somos o resultado do conjunto de coisas que vamos fazendo. Essa peça conversa com “O agente secreto” (filme de Kleber Mendonça que ele protagoniza), com “Marighella”, com “Hamlet”, com a forma como me coloco no mundo e as porradas que eu tomo ao falar sobre elas. Tenho resistência à cobrança para que artistas se posicionem. Ninguém tem que falar. Porque, quando fala, tem que segurar o rojão. Não é pra todo mundo.

Wagner Moura — Foto: Divulgação / Caio Lirio
Wagner Moura — Foto: Divulgação / Caio Lirio

Para Wagner, “toda arte é política”, mesmo quando não pretende ser.

—Vai bulir com alguma coisa dentro de você, transformar, fazer pensar. Isso é política no meu jeito de ver. Todos os meus personagens são eu, as minhas emoções, como vejo as coisas. O que a gente quer ver na arte não é política. Ela está por trás. Queremos é ver o humano, nos identificar. Se me ponho vulnerável, se me exponho de forma que a pessoa consegue se ver, começa o jogo. Ela vai ver, a partir desse caminho, os aspectos políticos, tudo que vem depois. Primeiro tem que ter a gente, senão vira uma coisa chata de gente falando de política.

O fato é que só no teatro Wagner poderia fazer o que está fazendo em cena. E ele reconhece isso.

— Sou do teatro, me formei no teatro. Quando volto, entendo por que faço o que faço, lembro “ah, é por isso!”. Sempre parece que fico mais inteligente quando faço teatro.

Foi por isso também que ele encarou espremer o tempo para encaixar uma peça no meio do “momento frenético”, que incluiu a campanha que pode levá-lo à indicação ao Oscar por “O agente secreto”. Para se ter uma ideia, Wagner tinha pela frente viagens à Suíça (onde seria o primeiro ator sul-americano a receber o Golden Eye Award no Festival de Cinema de Zurique) e a Nova York antes da estreia do espetáculo, em Salvador.

Mas, afinal, Wagner, a gente vai levar esse Oscar?

— Ah, Maria, a gente super quer ser indicado e tudo mais, mas sabe o que acho, honestamente? É cedo para dizer, tem muito filme para estrear, muito chão. Mas, até o momento, a gente tá muito bem parado, bem direitinho.

Julia Bernat e Danilo Grangheia — Foto: Divulgação / Caio Lirio
Julia Bernat e Danilo Grangheia — Foto: Divulgação / Caio Lirio

Realidade e ficção, tudo misturado

‘Queria falar sobre como a democracia está sendo devorada’, diz a diretora Christiane Jatahy

Se para Wagner Moura a relativização da verdade era questão crucial a ser discutida, Christiane Jatahy queria falar da apropriação do fascismo pelas instituições democráticas:

— Sobre como o fascismo se utiliza das ferramentas da democracia, de como a extrema direita se apropriou do discurso da esquerda — enumera a diretora. — Na narrativa da peça, o que é dito pelo prefeito às pessoas da cidade é que elas vão perder tudo, como se as estivesse protegendo. Elas ficam com medo. Queria falar sobre como a democracia está sendo devorada com o fascismo se utilizando dos parâmetros democráticos para derrubar a própria democracia.

Para isso, a diretora lança mão da sua especialidade: fundir as linhas de fronteira entre a realidade e ficção, dos atores e personagens.

Wagner Moura:'O que mais me assusta hoje é a relativização da verdade' — Foto: Divulgação / Caio Lirio
Wagner Moura: ‘O que mais me assusta hoje é a relativização da verdade’ — Foto: Divulgação / Caio Lirio

— A gente tá tão impregnado de Brasil que tudo se mistura — diz Danilo Grangheia. — Acho que o que mais importa é convidar a pensar coisas como o papel da esquerda e da direita, e de como articular esse pensamento.

O espetáculo soa, muitas vezes, como um grito contra a ignorância:

— Essa ignorância produzida, manipulada, construída. Muita gente não tem informação. E se tira a possibilidade de as pessoas olharem a perspectiva real do que está acontecendo na vida delas. Nem sempre sabem que estão votando na extrema direita e no fascismo. Não à toa censuram o pensamento, as universidades, a cultura. Foi a primeira coisa que aconteceu no governo Bolsonaro e está acontecendo no do Trump. Não há o direito ao contraditório — diz Christiane.

Ela também põe em xeque as redes sociais, que impulsionam cancelamentos.

— Elas viraram uma plataforma inquisitória. É muito violento. É importante dar um passo a trás e falar “peraí”.

Julia Bernat destaca a combinação de razão e emoção que toma conta dos personagens quando defendem seus pontos de vista, o que, segundo ela, tem a ver com algo que vivemos:

— Falamos muito nos ensaios sobre as famílias que se separaram por questões políticas.

Usar o teatro como aliado para provocar todas essas reflexões é tipo missão de vida para Christiane.

— Você pode ver um filme depois, ler um livro depois, ouvir uma música depois. Mas o teatro, se ele não acontece naquele momento, não acontece nunca mais. É a arte do encontro, do diálogo. Depende do momento presente. Ele nasce na Grécia, a base do pensamento da democracia, desse lugar que é político porque o que está se debatendo é o sentido de comunidade, de coletivo. O teatro tem essa força revolucionária de transformação e movimento.

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