Não foi fácil a infância de Berta Loran, artista que morreu na madrugada desta segunda-feira (29), aos 99 anos. Referência no humor brasileiro — com personagens marcantes na TV, entre os quais Frosina, da novela “Amor com amor se paga” (1984), e Manuela D’Além-Mar, da “Escolinha do Professor Raimundo” —, a atriz deixou a Polônia, seu país natal, para fugir do nazismo, em 1937, depois de ver grande parte da família ser assassinada pelo regime de Adolf Hitler. À época, ela tinha 11 anos. Em entrevista recente ao GLOBO, Berta relembrou os traumas do passado e as dificuldades enfrentadas numa nação totalmente desconhecida ao aportar em solo brasileiro.
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Em solo tupiniquim, Berta abandonou o nome de batismo (Basza Ajs) para adotar a alcunha artística que a tornou conhecida ao longo de oito décadas de uma carreira bem-sucedida. Os louros da profissão, porém, não foram colhidos de maneira fácil. Até que conquistasse estabilidade no país, a família da artista, de origem judia, viveu alguns “maus bocados”, como ela rememorou ao GLOBO.
— Nasci na rua Mila, onde ocorreu o Levante do Gueto de Varsóvia. Saí para nunca mais voltar. Lembro que peguei o navio com 30 graus negativos e cheguei ao Rio de Janeiro com uma temperatura de quase 40 graus — comentou Berta, em entrevista concedida em 2019. — Fiquei anos sem saber o que era carne, só mesmo a das galinhas que minha mãe dava um jeito de conseguir para o shabat (dia sagrado de descanso e oração no judaísmo).
Das adversidades, Berta aprendeu a extrair o humor. Após ser dirigida, na adolescência, pelo pai — que era alfaiate e ator amador de teatro ídiche —, ela estreou nas revistas do Teatro Carlos Gomes, o mesmo que conheceu na chegada à então capital federal, quando a família foi morar na Praça Tiradentes.
— Sempre ri das dificuldades, até da fome que a gente passava. Era um azougue. Lavava louça de patins, vivia quebrando pratos — contou Berta, lembrando de sua incursão “involuntária” pelo humor. — Estava atuando num drama dirigido pelo meu pai, usando um salto de minha mãe. No meio da cena, o salto quebrou e fiquei mancando pelo palco. O público, claro, caiu na risada, enquanto meu pai me mandava sair de cena.
Em 2018, durante participação no programa “Conversa com Bial”, a atriz relembrou que o pai vendeu duas máquinas de alfaiataria para se mudar para o Brasil com a família. A decisão de deixar a Polônia se deu depois de o patriarca ouvir Hitler dizer que iria “matar todos os judeus”, como ela recordou.
“Meu pai disse: ‘Ai, meu Deus’. Vendeu as duas máquinas e veio para o Brasil. E nós perdemos toda a família”, disse a atriz, na ocasião, ressaltando que, apesar dos pesares, nunca perdeu o humor.
Berta estreou no cinema na época da pornochanchada, no filme “Sinfonia carioca” (1955), de Watson Macedo. Seguiu com uma carreira calcada na comédia, fazendo inúmeros papéis também na televisão. Foi Ninon Ervilha, na chanchada de Carlos Manga “Garotas e samba” (1957), a Frosina da novela “Amor com amor se paga” (1984) e a inesquecível Manuela D’Além-Mar da “Escolinha do Professor Raimundo”.
Em 2017, participou do longa “Jovens polacas”, de Alex Levy-Heller, e em 2018 filmou “Canta pra subir”, de Caroline Fioratti. Também em 2018 ela voltou as palcos com a amiga de longa data e vizinha de Copacabana Jane Di Castro, com o espetáculo “Damas do humor e da canção”.