Desde o início de 2025, o estado de São Paulo registrou 14 casos suspeitos de intoxicação por metanol. Dez deles foram computados desde o início do mês, o que reforça a hipótese de contaminação recente. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, vinculada ao Ministério da Justiça, também reforçou a atipicidade do fenômeno, considerando o número atual de notificações “fora do padrão para o curto período de tempo”.
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O óbito mais recente foi confirmado na segunda-feira. A vítima é um homem de 54 anos, morador do bairro da Mooca, na Zona Leste. Ele apresentou sintomas em 9 de setembro e morreu no dia 15, mas apenas agora o caso foi associado à onda de intoxicações.
No caso da região metropolitana de São Paulo, o número chegou a três mortes suspeitas de intoxação por metanol em apenas duas semanas. Pelo menos outros sete casos de contaminação pela substância são investigados pelas autoridades do estado, e cinco pessoas seguem internadas após suposta ingestão do produto químico usado em aplicações industriais e domésticas, como diluentes, anticongelantes, vernizes e até fluido para fotocopiadoras. A principal hipótese apurada até o momento é a de que o solvente tenha sido misturado a bebidas alcoólicas.
As outras duas mortes ocorreram em São Bernardo do Campo: a de um homem de 58 anos, em 24 de setembro, que chegou a receber atendimento no Hospital de Urgência da cidade; e a de um homem de 45 anos, em 28 de setembro, que não resistiu após ser acolhido na rede particular. Em ambos os casos, as suspeitas de intoxicação foram confirmadas pelo Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do estado na noite de segunda-feira.
Dos cinco internados, quatro fazem parte de um grupo de amigos que comprou bebidas na Adega Santos, na região de Cidade Dutra, Zona Sul da capital paulista. O caso mais grave é o de Rafael dos Anjos Martins Silva, de 26 anos, que deu entrada no Hospital Geral do Grajaú (HGG) no dia 1° de setembro. De acordo com o boletim de ocorrência, ele teria ingerido uma quantidade maior de uma garrafa de gin adquirida no estabelecimento na noite anterior.
Embora os amigos de Rafael também tenham apresentado sintomas, o jovem enfrenta o quadro mais grave e está em coma. Na manhã após ingerirem a bebida, ele teria vomitado e relatado dores abdominais. Na noite seguinte, o quadro se agravou e ele seguiu para o hospital. “A vítima começou a gritar que estava cega e que o seu genitor o levou ao HGG junto com a mãe de Rafael”, diz o registro.
— Ele teve uma perda de visão, a parte funcional de rim e do fígado. Mas, para além da adega, onde nós recolhemos materiais e aguardamos agora o resultado da perícia, também vamos investigar onde o Rafael andou antes de ingerir esse gin — detalhou o delegado Carlos Alberto Achoa Mezher, titular do 48° DP (Dutra), que conduz a investigação.
De acordo com o delegado, a perícia compareceu à Adega Santos, onde Rafael teria comprado o gin da marca Tanqueray que bebeu com os amigos. Lá foram apreendidas tanto garrafas fechadas quanto abertas para realização de perícia. A polícia frisou que o dono do estabelecimento, identificado como Paulo Roberto Marques Gabriel, disponibilizou todo material necessário. O GLOBO não conseguiu contato com a defesa do comerciante.
A quinta vítima internada é a designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos. Ela saiu para comemorar um aniversário em um bar nos Jardins, área nobre de São Paulo, no último dia 19, onde tomou três caipirinhas feitas com vodca. No dia seguinte, os sintomas não eram de uma ressaca comum: ela sentiu a visão turva, muito enjoo e problemas para lembrar informações básicas sobre si mesma. Na mesma noite, ela foi internada e intubada. Na segunda-feira à noite deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas continua hospitalizada.
Na segunda-feira, uma operação conjunta das gestões estadual e municipal fiscalizou três bares e adegas nos Jardins e na Mooca, na capital. Nos locais, foram apreendidas 117 garrafas de bebidas sem rótulos e sem comprovação de procedência, todas encaminhadas para perícia. Além disso, dois estabelecimentos foram autuados por irregularidades sanitárias.
Em nota, a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) levantou a hipótese de que os casos podem estar ligados às operações recentes que miraram a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no mercado de combustíveis. A entidade destacou que o metanol era justamente a substância utilizada para adulterar os produtos comercializados nos postos de gasolina sob influência da facção.
“Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido o produto a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”, afirmou a associação em nota divulgada no domingo .