Abrir uma carta pode parecer um gesto banal, mas para Gabriella Di Laccio foi um divisor de águas. A soprano brasileira radicada em Londres há mais de 20 anos recebeu, do Palácio de Buckingham, a confirmação de que seu nome integra a lista de novos membros da Ordem Mais Excelente do Império Britânico (MBE). A honraria, concedida pelo rei Charles III, reconhece serviços prestados à música e à igualdade de gênero, áreas em que Gabriella se tornou referência por meio da Fundação Donne, criada em 2018. Nesta terça-feira (30), ela será condecorada no Castelo de Windsor, em cerimônia que segue protocolos centenários da monarquia britânica.
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“Essa honraria chega do nada, porque alguém te nomeia, outras pessoas apoiam, e aí vai para o rei, para o primeiro-ministro… e você recebe uma carta. É um orgulho poder representar o Brasil dessa forma”, disse Gabriella em entrevista à Rádio Eldorado.
A Ordem do Império Britânico é entregue desde 1917 a personalidades que causam impacto significativo em suas áreas de atuação. Entre os artistas já condecorados estão Adele e Ed Sheeran. De acordo com especialistas em etiqueta e história da monarquia, a cerimônia no Castelo de Windsor envolve instruções detalhadas sobre vestimenta, postura e protocolo. Gabriella comentou que até mesmo o uso de chapéus é incentivado, em referência a uma tradição mantida pela rainha Elizabeth II.
“Eles recomendam usar chapéu porque a rainha gostava muito. Então, é uma montagem chique para o dia, com um ‘chapeuzinho’. O rei coloca a medalha, você faz as fotos oficiais e depois há outros momentos dentro do castelo”, relatou a cantora em entrevista ao site Alô Alô Bahia.
Além do impacto simbólico, especialistas em políticas culturais apontam que o reconhecimento funciona como chancela para projetos sociais e artísticos que buscam financiamento. A Fundação Donne, liderada por Gabriella, depende de patrocínios para promover repertórios compostos por mulheres e artistas não binários.
A trajetória até Londres e a criação da Donne
Nascida em Canoas e criada em Sapucaia do Sul (RS), Gabriella iniciou seus estudos em música com recursos improvisados: praticava em um teclado desenhado em papelão por uma professora, já que não havia instrumento em casa. Após uma breve passagem pela faculdade de Arquitetura, ingressou na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e, mais tarde, conseguiu uma bolsa no Royal College of Music, em Londres, onde concluiu pós-graduações em Música Antiga e Performance em Ópera.
A carreira como soprano consolidou-se no Reino Unido, mas foi a criação da Fundação Donne que ampliou seu alcance. O projeto surgiu quando Gabriella se deparou com obras esquecidas de compositoras e decidiu catalogá-las e difundi-las. Hoje, a fundação é internacionalmente reconhecida e já levou a artista a integrar a lista da BBC das cem mulheres mais inspiradoras do mundo.
“Dedico esta conquista a todas as mulheres que vieram antes de mim – aquelas que abriram caminhos, me inspiraram e me trouxeram até aqui – e a todas as mulheres cujas vozes foram silenciadas ou esquecidas, e cujas músicas ainda esperam ser ouvidas”, declarou Gabriella ao Estadão.
Dados recentes coletados pela Fundação Donne mostram que, entre 111 orquestras de 30 países na temporada 2023-2024, apenas 7,5% das obras executadas foram compostas por mulheres — número inferior ao do ano anterior. O levantamento evidencia a lentidão nas mudanças estruturais da indústria musical.
Apesar dos obstáculos, Gabriella segue investindo em novas frentes. No ano passado, entrou para o Guinness World Records por organizar o mais longo concerto acústico ao vivo da história, com 26 horas ininterruptas de obras escritas por mulheres e artistas não binários. Atualmente, ela cursa doutorado na York St. John University, pesquisando o potencial de transformação social da música.
Na cerimônia de Windsor, a soprano brasileira receberá oficialmente o MBE.