Na primavera de 2023, em um sítio arqueológico isolado no deserto de Nafud, no norte da Arábia Saudita, o trabalhador braçal Saleh Idris aguardava ao lado de uma vala de teste o próximo balde de sedimento a ser peneirado. Mas ao olhar para o penhasco de arenito à sua frente, deparou-se com um segredo nunca antes documentado.
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Um painel de esculturas bidimensionais, desgastadas pelo tempo, representando 19 camelos em tamanho real e três burros foi gravado na escarpa a 40 metros de altura. Localizadas na encosta de uma montanha conhecida como Jebel Misma, as gravuras foram posteriormente datadas entre 11.400 e 12.800 anos atrás. Elas constituem a mais antiga arte animal naturalista em grande escala já encontrada no Oriente Médio e estão entre as mais antigas do mundo.
“Tivemos muita sorte com esta descoberta”, disse Maria Guagnin, arqueóloga do Instituto Max Planck de Geoantropologia, na Alemanha, que dirigiu o projeto de campo. “As gravuras estão tão desbotadas que só são visíveis por cerca de 90 minutos pela manhã, quando o sol nasce sobre a montanha e a luz atinge a arte rupestre no momento certo.”
O estudo liderado pela Drª Guagnin foi publicado nesta terça-feira (30) na revista Nature Communications e ajuda a preencher uma lacuna no registro arqueológico da região. O artigo aponta que fontes de água doce, como poços e lagos sazonais, moldaram os primeiros assentamentos humanos no deserto após a Era Glacial.
A análise do sedimento em Jebel Misma, aliada à descoberta de obras de arte e ferramentas semelhantes a cinzéis em dois outros sítios arqueológicos ainda não escavados — Jebel Arnaan e Jebel Mleiha, num raio de 32 quilômetros — corrobora essa hipótese. “Fiquei impressionado com a descoberta de ferramentas de gravura reais”, disse Meinrat Andreae, biogeoquímico do Instituto Max Planck de Química. “Que incrível poder segurar na mão as ferramentas reais que os artistas neolíticos usavam.”
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Embora a Arábia Saudita seja conhecida por suas monumentais estruturas de pedra do período Neolítico, que durou de 10.000 a.C. a 2.200 a.C., o conhecimento sobre a história anterior da região ainda é limitado. “Este artigo fornece evidências de que os humanos não apenas estavam no norte da Arábia há 12.000 anos, mas também criavam arte rupestre complexa e produziam ferramentas que sugerem contato com o Levante”, disse Hugh Thomas, arqueólogo da Universidade de Sydney que não participou do projeto.
As esculturas do estudo oferecem um vislumbre de culturas esquecidas que coexistiam com camelos e burros selvagens. Os 176 petróglifos revelam o que parece aos olhos modernos um elenco vibrante de personagens; além de camelos e burros, seu cardápio incluía íbex, cavalos, gazelas e auroques.
As gravuras retratam predominantemente camelos machos em período de cio, entre novembro e março, evidenciado pelos pescoços e barrigas inchados e pela pelagem mais espessa e resistente ao inverno. A Drª Guagnin explicou que essa época coincide com meses mais chuvosos, quando a maior disponibilidade de alimento e água favorece a reprodução e a sobrevivência dos filhotes. “Mesmo que você os mova para outra área, a época de acasalamento se recalibrará para o período chuvoso.”
Todos os camelos representados seriam selvagens, já que os dromedários só foram domesticados na Península Arábica há cerca de 3.200 anos. A escavação também revelou 532 ferramentas de pedra, semelhantes às de outras culturas antigas do Oriente Médio, embora os pesquisadores ainda evitem concluir que o mesmo grupo tenha criado tanto as ferramentas quanto a arte rupestre.
Jebel Misma fica a cerca de 300 quilômetros de Sahout, um sítio arqueológico conhecido como Rocha do Camelo, onde, em 2018, arqueólogos investigaram 21 esculturas de camelos e equinos esculpidas em arenito. Medições portáteis de fluorescência de raios X da pátina da rocha indicavam inicialmente que os relevos tinham cerca de 7.600 anos, mas novas pesquisas mostram que esse seria apenas um retoque posterior; a obra original é muito mais antiga.
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Ao contrário de Sahout, que poderia ter sido uma parada de descanso ou local de culto, acredita-se que o conjunto de esculturas de camelos em Jebel Misma marcava fontes de água e rotas de viagem. “As obras também podem indicar direitos territoriais e memória intergeracional”, especulou Ceri Shipton, arqueóloga do University College London que colaborou no estudo.
Em vez de estarem escondidos em fendas, os três sítios apresentam painéis esculpidos com destaque em rochedos ou penhascos altos e imponentes. O painel que Idris avistou exigiu que artistas antigos trabalhassem precariamente em saliências estreitas, sem andaimes, evidenciando o esforço e a importância da obra.
“Imagino que a adrenalina dos escultores estivesse alta, porque um passo em falso e o camelo não ficaria pronto”, disse a Drª Guagnin. “Talvez haja alguma credibilidade em ter seu trabalho exposto em um local realmente difícil.”