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Devido aos altos preços do percurso, a depender do meio escolhido, alguns venezuelanos estão retornando de qualquer maneira. Para muitos, a vida na diáspora se mostrou decepcionante, e até mesmo hostil entre os americanos, em especial após o governo Trump revogar proteções legais, prender imigrantes e acelerar as deportações. Destinos sul-americanos como Chile e Equador também já não são tão acolhedores quanto antes.
Os migrantes, com seus sotaques suavizados por anos vivendo em lugares como Chicago, Buenos Aires ou Madri, anseiam por ver os pais idosos que deixaram para trás. Frustrados com as poucas perspectivas de emprego e cautelosos com a xenofobia latente, alguns estão tentando recomeçar a vida em casa, muitas vezes mantendo as malas abertas para o caso de precisarem partir novamente.
Suas árduas jornadas ilustram a dinâmica mutável da migração venezuelana. Muitas vezes, são os laços familiares que os atraem:destinos Aprendi da maneira mais difícil a começar do zero, mas era uma vida muito solitária — disse Eduardo Rincón, 24, que voltou para Caracas com seu pai e seu irmão em julho, após dois anos em Miami.
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Os três obtiveram o status de visto condicional nos Estados Unidos em 2023 e estavam trabalhando para melhorar de vida. Depois de uma série de empregos temporários, Rincón ganhava até US$ 4 mil (mais de R$ 20 mil, na cotação atual) por mês como gerente da recepção de um hotel em Brickell, o suficiente para economizar e ajudar a sustentar sua mãe em casa.
Então, o Departamento de Segurança Interna informou ao trio que seu status de visto havia sido revogado e os alertou sobre a iminência de deportação.
— Não nos qualificamos para o asilo e decidimos ficar juntos e voltar — pontuou Rincón.
Ele agora ganha US$ 600 (R$ 3.200) por mês cuidando das comunicações de uma empresa de plásticos em Caracas, o que mal dá para comprar uma cesta básica mensal para uma família de cinco pessoas, segundo estimativas do setor privado. Rincón estabeleceu um prazo de um ano para deixar a Venezuela novamente se as coisas não melhorarem.
— Parece que estamos condenados a escolher entre uma vida melhor economicamente, mas sem família e amigos, e uma vida mais pobre, mas cercada por entes queridos.
O fluxo reverso ainda é modesto. Em um relatório recente, os governos da Costa Rica, Panamá e Colômbia afirmaram que mais de 14 mil migrantes com destino aos EUA, em sua maioria venezuelanos, retrocederam desde o início da repressão de Trump em janeiro. Na Colômbia, geralmente a última parada para os que retornam, as autoridades de imigração contabilizaram cerca de 12 mil pessoas voltando entre janeiro e junho de 2025. Quase todos eram naturais da Venezuela.
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Sete em cada dez venezuelanos que chegaram ao Panamá afirmaram que queriam voltar para casa, informou um estudo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). A Organização Internacional para as Migrações chegou a uma conclusão semelhante na América Central (OIM). Em outro retrato do fluxo reverso, as entradas na Venezuela vindas da Colômbia representaram 83% de todos os movimentos observados na fronteira, aponta uma análise da agência de julho.
A reunificação familiar está entre os principais fatores da migração norte-sul que o ACNUR e outras organizações começaram a observar no final de 2024. Outras motivações incluem a busca por trabalho em uma área específica, discriminação e dificuldades para legalizar o status.
A percepção, ainda que tênue, de que a economia da Venezuela está se recuperando e as condições de vida melhoraram também é tida como uma das razões. Embora o ditador Nicolás Maduro tenha conseguido controlar a hiperinflação, a diferença entre a taxa de câmbio oficial do governo e a taxa do mercado clandestino aumentou para pelo menos 65%, conforme estimativas do setor privado.
Os dados econômicos são escassos. O banco central divulgou os últimos números da inflação há um ano, e o governo prendeu economistas que ousaram publicar estimativas que desafiavam a narrativa oficial de um país que superou as sanções dos EUA. O que está claro é que a Venezuela produz apenas cerca de um terço do petróleo que produzia na década de 1990, corroendo a principal fonte de receita do país.
E embora haja menos apagões, cortes de água e escassez de combustível do que antes, a repressão persiste. A principal adversária de Maduro, Maria Corina Machado, carrega a tocha da oposição, na clandestinidade.
As políticas anti-imigrantes de Trump levaram muitos venezuelanos a fazer as malas. Até agora, neste ano, mais de 13.300 foram expulsos em voos de deportação duas vezes por semana, de acordo com as autoridades venezuelanas. Outros milhares cruzaram a fronteira da Colômbia após suportarem viagens precárias em barcos frágeis do Panamá, desesperados para evitar o perigoso Darien Gap — faixa de floresta densa e selva inóspita entre o Panamá e a Colômbia, onde os migrantes estão vulneráveis à extorsão e à violência.
Os contrabandistas que antes transportavam migrantes para os EUA agora estão lucrando levando-os na direção oposta. Um “coiote”, como são conhecidos, cobra US$ 2.500 (R$ 13 mil) para cruzar de El Paso, no Texas, para Ciudad Juarez, no México, seguido de voos consecutivos para a Cidade do México e Medellín. Por mais US$ 100 (R$ 500), os migrantes retornam por terra à Venezuela.
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O coiote, que pediu anonimato, afirma conhecer autoridades mexicanas e colombianas que fazem vista grossa quando ele transporta pessoas sem visto de turista ou passaporte válido, um desafio para muitos venezuelanos no exterior.
A demanda gerou inúmeros intermediários para passagens aéreas caras.
— Pequenas agências de viagens independentes surgiram na Venezuela nos últimos meses para acompanhar a demanda — disse Rodolfo Ruiz, advogado especializado em aviação em Caracas.
Na agência de viagens de Helshy Campos em Maturín, no leste da Venezuela, o número de funcionários dobrou desde julho de 2024.
— Nossos telefones explodiram com pedidos desde que Trump cancelou o TPS — disse Campos, referindo-se ao status de proteção que os venezuelanos desfrutavam anteriormente.
Seu serviço inclui acompanhar venezuelanos idosos que viajam sozinhos:
— Alguns simplesmente não conseguem se adaptar e dizem aos filhos que preferem viver seus últimos anos e morrer na Venezuela — disse ela, acrescentando que quase metade de seus clientes tem pelo menos 60 anos.
Outros estão doentes e não têm acesso a cuidados de saúde nos EUA. Ela também ajudou famílias que dizem estar cansadas de esperar por asilo, à medida que as possibilidades de trabalhar nos EUA diminuem.
— Eles preferem viver com menos dinheiro, trabalhando remotamente, mas entre seus entes queridos, sem xenofobia.
Saul Añez e sua família fizeram uma viagem de 20 dias de Chicago a Maracay, nos arredores de Caracas, em maio, depois que o DHS o instou a se auto-deportar se quisesse retornar legalmente no futuro. Em abril, ele dirigiu sem parar por 48 horas até Laredo, no Texas, e continuou de ônibus e barco pela América Central e Colômbia de volta à Venezuela.
— Não era uma vida boa depois de suportar o estresse de possivelmente ser detido, deportado e impedido de voltar — disse Añez.
De volta à sua cidade natal, ele trabalhou num cartório por algumas semanas. Mas depois de compartilhar dicas de viagem nas redes sociais, ele partiu novamente, desta vez para a Costa Rica, para criar um serviço de viagens para migrantes que retornam.
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Tomás Páez, coordenador do Observatório da Diáspora Venezuelana em Madri, adverte contra tirar conclusões a partir de mudanças incipientes nos padrões de migração. Os Estados Unidos, em particular, que segundo ele representam apenas 10% da diáspora desde 2015, recebem atenção desproporcional.
— Sempre houve pessoas que voltaram por motivos familiares — pondera Páez. — Os números ainda são relativamente pequenos.
A taxa média de retorno de migrantes em todo o mundo é de 30%, então o número de venezuelanos que voltaram, por escolha própria ou não, continua insignificante, observa Páez. Mas ele acrescenta que “os dados sempre ficam atrás da realidade”.
Alguns venezuelanos estão deixando outros países, como o Chile, onde a imigração é uma questão importante nas eleições presidenciais do país.
Os dedos de Beatriz Villasmil já ficaram manchados de roxo por colher mirtilos no Chile. Hoje, eles estão cobertos de farinha em Caracas, onde ela faz empanadas que vende em casa. As coisas têm sido difíceis até agora.
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Villasmil, 37, fugiu da Venezuela com seu bebê em 2017 e viajou 7.200 km até o Chile, em busca de uma vida melhor. A morte repentina de seu pai e o desejo de se reunir com sua mãe e seu irmão doentes a trouxeram de volta em 2023. Ela chegou em casa sem dinheiro, tentou abrir um salão de beleza e depois um restaurante, mas ambos fracassaram. Mas ela continua otimista.
— Sim, você pode, na Venezuela, você pode — disse numa entrevista por telefone. — Você pode começar seu próprio negócio, pode vender coisas como bolos e conseguir o dinheiro de que precisa sem ter que abandonar sua família e perder momentos com eles.
Manuel, 36, é menos otimista. Ele voltou em julho, depois de partir em 2022 para o Uruguai e se estabelecer na Argentina como técnico de som. Depois que sua avó faleceu em maio, ele esperava ficar com sua família por pelo menos um ano, mas não conseguiu encontrar trabalho e voltou para Buenos Aires em setembro, mais cedo do que o esperado, disse ele em uma entrevista por telefone.
— Eu estava gastando minhas economias enquanto esperava por trabalhos que nunca surgiram e, pior de tudo, dependendo da minha família em Caracas.
Não há lugar como o lar
Anthony Maurizio, 28 anos, não visita sua mãe e seu irmão em Caracas desde que partiu para o Chile em 2017 com apenas US$ 200 (R$ 1 mil) no bolso.
— Este ano, percebi o quanto sinto saudades deles — disse ele, com um sotaque agora salpicado de gírias chilenas. Trabalhando como garçom em uma vinícola de luxo ao sul de Santiago, Maurizio lembra como sua mãe vendeu suas joias de ouro para pagar sua passagem aérea.
Ele planeja voltar no ano que vem, mas apenas por um ou dois meses antes de seguir viagem, talvez para a Itália ou a Islândia. Primeiro, ele precisa renovar seu passaporte venezuelano vencido em um consulado na Bolívia ou no Brasil, que estão entre os poucos países que ainda oferecem serviços consulares.
Para outros, não há lugar como o lar. Juan, um advogado de 54 anos que se estabeleceu no Peru em 2017, voltou em 2023 depois de conseguir apenas empregos de baixa remuneração colhendo frutas e trabalhando em uma funerária.
— Eu estava farto, as contas se acumulavam e eu nem conseguia economizar — garantiu por telefone de Caracas.
Ele mal consegue pagar as contas em casa também. “A situação é horrível, a situação econômica da Venezuela é a pior e o governo é o pior que poderia nos acontecer em 26 anos”, disse Juan, referindo-se à era socialista da Venezuela. “Mas esta é a melhor decisão que já tomei em toda a minha vida. Não me arrependo nem um pouco.”
— É melhor passar por dificuldades econômicas em casa do que no exterior, longe do seu povo.