O preço do café chegou a dar uma trégua no inverno, com ligeira queda desde julho após 18 meses seguidos de alta nos supermercados. Mas as expectativas não são boas até o fim do ano e analistas já preveem que os preços devem voltar a subir. A alta pode chegar a até 15% nas próximas semanas.
Mas por que o café está ficando cada vez mais caro? E como a tarifa de 50% aplicada pelo presidente americano Donald Trump às importações do Brasil nos EUA afetam os preços para o consumidor brasileiro?
No atacado, a alta de preços já chama a atenção — um sinal de que, em breve, este aumento poderá chegar às gôndolas. Dados do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas, mostram uma alta de 1,44% em agosto e uma disparada de 26,38% em setembro.
O economista André Braz, do FGV Ibre, explica que a expectativa, no momento, é de novas pressões sobre os preços. Entre os motivos, está a taxação americana de 50%, imposta em julho, que “contribui para a incerteza”.
Mas como o preço do café pode subir se as exportações para os EUA caíram 47% após o tarifaço, segundo dados do Cecafé, entidade que representa os exportadores brasileiros? Mesmo com menos embarques para aquele mercado, a demanda pelo produto segue aquecida em outros países, como a Colômbia. Para o mercado colombiano, as vendas dispararam 578%
O Brasil é o maior produtor e exportador global de café. Não há como substituir a produção brasileira no mercado global. Então, vendas menores para os EUA significam apenas que o produtor brasileiro vai abastecer outros países. Ao mesmo tempo, com o preço mais alto no mercado americano, isso pode acabar balizando os valores para cima em outros mercados.
E, para complicar, o clima não foi favorável à produção brasileira este ano, e os estoques globais de café estão baixos.
— A perspectiva de menor oferta mundial sustenta as cotações. Além disso, o mercado reage a expectativas de escassez, o que impede que os preços permaneçam em baixa — afirma Braz.
Por aqui, os amantes da bebida devem perceber os aumentos já nas primeiras semanas de outubro, segundo Celírio Inácio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic). Com estoques reduzidos, tanto das indústrias quanto do varejo, o repasse é feito mais rápido.
— Ainda nessa primeira quinzena, vamos ver o reflexo do aumento de preço — destaca Inácio.
O Brasil é o principal produtor das variedades de café arábica e robusta, também conhecido como conilon, que chegam ao copo dos consumidores misturados para equilibrar o sabor e a quantidade de cafeína. Os preços das sacas de 60kg chamaram a atenção pela subida repentina em agosto depois de 5 meses consecutivos em redução dos valores.
Em março, primeiro mês deste ano que registrou queda, os valores do arábica e do robusta atingiram, respectivamente, R$ 2.544 e R$ 2 mil. Em junho, último mês antes da alta, estavam R$ 1.777 e R$ 1.028, segundo dados do Centro de Pesquisas da Esalq-USP (Cepea).
Agora, o preço do arábica já quase retomou o patamar anterior à queda e chama atenção pela velocidade da subida em apenas dois meses, chegando a R$ 2.243. Já o robusta avança mais lentamente, cotado agora a R$ 1.373.
Essas variações são esperadas, já que esse mercado “responde muito às perspectivas” e olha sempre para o futuro, de acordo com Renato Garcia, pesquisador responsável pela área de café do Cepea. As oscilações ocorrem a depender do clima, principalmente nos finais de ano, já que é nesse momento que as lavouras começam a dar flores, para que a colheita seja feita entre maio e agosto.
— O mercado já começou a olhar para a colheita de 2026. O período ideal de chuva é setembro, é o início da preparação para ser colhido ano que vem. Estamos olhando a safra com bom potencial, então, no mercado, pode baixar, mas é cedo para falar — afirma o pesquisador.
Mas, até o momento, a oferta que já era apertada, vai se limitar mais. Garcia destaca que, mesmo com uma boa safra no ano que vem, pode ser que não haja uma recuperação significativa nos estoques e o mercado deve continuar volátil.
— A gente não vai ter uma supersafra, uma recuperação expressiva de estoque. Para o ano que vem, ainda teremos preços elevados — diz.
Consumidor troca de marcas e prefere as mais baratas
Já é possível notar uma mudança no jeito de consumir café no Brasil comparado a anos anteriores. Uma pesquisa do Instituto Axxus, a pedido da Abic, mostrou que apenas 2% das pessoas dizem estar tomando mais café em 2025 — em 2021, esse número era de 49%. Já os que reduziram o consumo saltaram de 5% para 24%, o maior índice já registrado.
O levantamento, que ouviu 4.032 pessoas e é realizado a cada dois anos, mostra que a alta nos preços também mudou a escolha do consumidor. A comparação entre agosto de 2024 e agora revela variação significativa entre os tipos de café: o solúvel foi o que mais subiu (50,59%), seguido pelos tradicionais e extrafortes (48,57%) e pelo gourmet (46,36%). Já o especial avançou 32,45% e o superior, 20,34%.
Além disso, 39% dos entrevistados dizem escolher sempre o café mais barato, independentemente da marca — em 2023, eram 16%. Entre os que têm marca preferida, 22% buscam a opção mais econômica dentre elas.
É o caso da Carolina Scaramella, aluna da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, que é mãe, tem uma rotina intensa nos estudos e conta com a cafeína diária para dar um “up” no astral. Apesar do amor por café e do hábito de tomar todos os dias, sempre opta, entre as favoritas, pela marca “mais em conta”, pelo custo-benefício.
Mas os gastos mesmo estão principalmente nos cafézinhos do dia a dia. Por isso, nos intervalos entre uma aula e outra, ao invés de subir o elevador e ir na cafeteria da própria instituição, Carolina anda um pouco mais e prefere pedir seu capuccino na Curto Café, no Centro do Rio, onde economiza R$ 3 em cada xícara.
— É quase metade do preço do café que é vendido no meu curso. Lá é R$ 8 e aqui R$ 5. No final do mês, se eu tomar 20 xícaras, é uma diferença de R$60. Isso faz eu me deslocar — afirma.
O comportamento em relação ao desperdício também mudou. Nas gerações anteriores, era comum descartar o café que sobrava na garrafa para preparar um novo, mas esse cenário não é mais o mesmo. Celírio Inácio destaca que a mudança de hábitos também está ligada à alta dos preços.
— A gente vê que hoje existe um cuidado maior, o preço significa muito. Quando o valor ultrapassa um certo patamar, acaba fazendo com que o consumidor escolha muito mais pelo preço — diz o diretor executivo da Abic.
‘Café vai virar presente como chocolate’, brinca consumidora
Fernanda Mata, advogada de 44 anos, começou a consumir a bebida por causa da profissão e está preocupada com o aumento do preço, já que bebe sozinha “pelo menos uma garrafa de café” pela manhã. Ela está entre os 26% que afirmam tomar mais de 6 xícaras de 50 ml por dia.
Para limitar os gastos, ela tenta consumir somente pela manhã. Com as amigas, o hábito de frequentar cafeterias nas horas vagas diminuiu com o aumento dos preços. Agora, escolhem bem para qual lugar vão.
— Daqui a pouco vai estar o preço de um presente. As pessoas vão começar a presentear com café, como fazem com chocolates. A gente adora, mas tem que economizar. Com esperança de que dias melhores virão — conclui Fernanda.
*Estagiária sob supervisão de Luciana Rodrigues