O aluguel de curta temporada no Rio passa por momento ímpar. Cresceu a ponto de motivar discussões públicas sobre a necessidade de sua regulamentação na cidade e aquece o debate sobre mais uma iniciativa impulsionada pela tecnologia. De um lado, se posiciona quem se sente incomodado pelo fenômeno, como vizinhos no condomínio e eventuais concorrentes. De outro, há os que aplaudem a possibilidade de um empurrão na economia. A segunda lista inclui um ecossistema cada vez mais profissional, formado por empresas de ramos variados que fornecem serviços exclusivos para essa modalidade de hospedagem. As atividades vão da gestão básica do anúncio do imóvel à oferta de pacotes extras para turistas. A entrega da chave é só a ponta do negócio: um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV), contratado pelo Airbnb — uma das maiores plataformas de estadia de curta temporada —, mostra que em 2024 hóspedes da empresa geraram R$ 2,9 bilhões em renda adicional para empreendimentos locais.
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Um dos principais ramos que cresceram nos últimos anos foi o da gestão dos imóveis destinados ao aluguel de curta temporada. São empresas que trabalham como imobiliárias, dedicadas a fazer o meio de campo entre proprietários e hóspedes. Na maioria delas, o dono do local entrega a chave do imóvel e recebe o valor do aluguel, descontada a comissão da empresa. O gestor contratado fica responsável por todo o resto, como a montagem do anúncio nas plataformas, limpeza e pequenas manutenções.
Uma das maiores da cidade foi fundada por Omar Farhat e leva no nome um trocadilho: a Omar do Rio administra quase 400 locais no estado, tem 150 funcionários e abriu lavanderia própria para controlar a qualidade do serviço prestado.
— Operamos 24 horas. Da lavanderia ao atendimento ao hóspede. O suporte é justamente o que diferencia o anfitrião amador do profissional. O mercado vem crescendo 20% ao ano, mas só 4% das acomodações estão nas mãos de profissionais, enquanto em mercados mais maduros, como Europa e Estados Unidos, ultrapassa 40% — avalia Farhat.
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À frente da administração de apartamentos de alto padrão no Rio, Cláudia Archanjo, da Leo&Archanjo, defende que a profissionalização também leva a menos conflitos entre os donos desses imóveis e os condomínios, sobretudo nas questões de segurança e regras locais.
— Cobramos a documentação de quem está alugando e ainda vamos ao local para fazer o check-in e check-out. Além de humanizar, isso nos permite explicar as regras de cada local e aumenta a segurança de saber que quem contratou será o hóspede. Em caso de descumprimento, como festas, que são proibidas, nós vamos ao local para solucionar o problema — explica ela.
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Em Copacabana, a Pineapple, criada para administrar imóveis de curta temporada, ampliou seu leque de opções há cinco anos. Após fechar as datas, o hóspede recebe ofertas da agência de turismo da empresa: a pessoa pode contratar serviços de transfer do aeroporto ao apartamento alugado, passeios e até um dia de aula de culinária brasileira com churrasco, com opções para vegetarianos, e caipirinha. O novo braço da empreitada já representa 10% do faturamento mensal da empresa.
— Administramos 250 unidades diretamente, mas também ampliamos nossa plataforma própria para exibir anúncios de outros gestores. Abrimos uma lavanderia própria para lavar pequenas peças, como fronhas e toalhas, e as maiores enviamos para uma externa. É uma operação que é feita por mais de cem pessoas — detalha a gerente de Marketing Débora Branquinho.
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Se há empresas voltadas para oferecer soluções completas, outras querem explorar o mercado semiprofissional. Yuri Mourão é diretor da Yes Temporada, que faz a gestão total de imóveis da modalidade e de pequenos hoteleiros. Mas recentemente ele percebeu que sua capacidade instalada de limpeza e camareiras poderia ser mais bem utilizada e passou a vender esses serviços separados para aquele proprietário que quer gerir seu imóvel, mas busca terceirizar somente parte do serviço.
— Muitas pessoas não têm nem tempo, nem habilidade, conhecimento ou infraestrutura para prestar o serviço. O mercado está em expansão e estamos com projeto de franquear a marca para Tiradentes, em Minas Gerais, e uma cidade paulista — diz.
A transformação desse mercado abre espaço para novos e microempreendedores. Antes da pandemia, Cássia Liberato (@cassia_limpeza) era camareira em um hotel no Rio Grande do Norte. Ao se mudar para o Rio, começou a trabalhar, de carteira assinada, em uma empresa de faxina em apartamentos — alguns de curta temporada. Ela percebeu uma oportunidade e abriu a própria empresa para atuar apenas nesse segmento. Atualmente, atende oito apartamentos na Zona Sul do Rio. O valor do serviço é calculado de acordo com a área do imóvel.
— Minha experiência de camareira trouxe outra visão ao negócio. A montagem da cama, que é um diferencial, sou eu que faço. Algumas vezes ainda preciso da ajuda do meu marido, pelo número de limpezas em um dia. Acho que vamos expandir em breve — prevê Cássia.
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O aluguel por temporada também abre espaços para a adaptação de serviços. Um seguro residencial convencional, por exemplo, não prevê cobrir roubo e furto sem arrombamento. Atenta a esse mercado, a startup EasyCover foi criada para oferecer seguros exclusivos a esses proprietários que lidam com aluguéis de curta temporada. A empresa é carioca, mas atende em todo o país e tem planos de expansão pela América Latina.
— Um inquilino tradicional fica 30 meses num imóvel, enquanto na curta temporada você pode ter cinco ou seis reservas diferentes em um mês. Por isso temos uma maior cobertura por danos materiais e três chamados por mês para pequenas manutenções (como eletricista e encanador), enquanto no seguro convencional esse é o número por ano — diz Jorge Moura, cofundador da empresa.
Há seis meses a Câmara dos Vereadores do Rio discute a regulamentação das plataformas de aluguel de curta temporada e detalhes do projeto de lei que pode ir à votação ainda este ano. Donos de imóveis criticam a sugestão da necessidade de autorização em convenção de condomínio — que necessitaria de dois terços dos votos. Omar Farhat, que também é diretor da Associação Brasileira de Locação por Temporada (ABLT), diz que a proposta é inconstitucional, pois entende que deveria ser tratada no Congresso Nacional. O texto que será apresentado na Câmera prevê um cadastro de hóspedes e imóveis e libera a exploração da atividade na orla do Rio.
O setor hoteleiro, que sofre concorrência direta da modalidade, defende seu papel no desenvolvimento da cidade — e quer equiparação de direitos e deveres.
— O setor hoteleiro é um dos grandes empregadores da cidade e tem papel decisivo não apenas na geração de postos de trabalho, mas também na formação de profissionais. A hotelaria oferece a milhares de jovens sua primeira oportunidade no mercado formal e abre espaço para ascensão, especialmente das mulheres, que vêm ganhando protagonismo nas funções operacionais e de gestão — diz Alfredo Lopes, presidente do HotéisRio.