No passo mais concreto de negociação desde que os Estados Unidos anunciaram o tarifaço em produtos brasileiros, há quase três meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o mandatário americano, Donald Trump, tiveram ontem conversa por telefone focada na economia e no comércio entre os dois países. A conversa foi avaliada como produtiva por ambos os lados e, segundo o chefe da Casa Branca, Brasil e EUA “vão se dar muito bem juntos” e “começar a fazer negócios”. Um encontro presencial entre os dois chefes de Estado deve ocorrer nas próximas semanas.
Lula pediu a Trump a revogação do tarifaço de 40% e o fim das sanções a autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar da menção do brasileiro às “medidas restritivas”, termo usado pela nota do Palácio do Planalto, o ex-presidente Jair Bolsonaro não foi citado no telefonema.
Ao anunciar a sobretaxa, em julho, o americano usou como um dos argumentos uma suposta perseguição do Judiciário brasileiro ao ex-mandatário.
Ontem, a ligação de trinta minutos foi centrada nas negociações sobre a revogação das barreiras comerciais.
“Tive uma conversa telefônica muito boa com o presidente Lula. Discutimos muitas coisas, mas a conversa foi principalmente focada em economia e comércio entre os dois países. Vamos ter mais discussões no futuro, e nos reunir em um futuro próximo, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Gostei da ligação. Nossos países vão se dar muito bem juntos”, escreveu Trump na rede Truth Social.
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O Itamaraty tenta agora viabilizar um encontro presencial, que pode ocorrer na Malásia, durante a cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), no fim do mês. Lula também se dispôs a viajar aos EUA e convidou Trump para a COP30, que acontecerá em Belém no mês que vem. Em entrevista coletiva horas após o telefonema, Trump afirmou que a conversa foi “ótima”.
— Nós nos conhecemos e gostamos um do outro. Vamos começar a fazer negócios. Em algum momento eu vou (para o Brasil), e ele (Lula) virá aqui. — disse o presidente dos EUA na Casa Branca.
A ligação foi pavimentada por reuniões entre autoridades brasileiras e americanas, além de empresários que atuaram para destravar os caminhos, e ganhou força nos últimos dias. Há duas semanas, Trump dera a primeira sinalização mais consistente, após meses de ataques ao Judiciário, ao afirmar na Assembleia Geral da ONU que tinha encontrado Lula e que havia uma “química excelente” entre os dois.
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“Ele parece um cara muito legal. Ele gosta de mim, e eu gostei dele”, completou o americano na ocasião.
Ontem, o Planalto explorou a referência e destacou que os dois líderes “relembraram a boa química que tiveram em Nova York”. A conversa foi acompanhada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, também chefe da pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores), trio que vai liderar as negociações a partir de agora com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, além do titular da Comunicação Social, Sidônio Palmeira, e do assessor especial da Presidência, Celso Amorim.
“O presidente Lula descreveu o contato como uma oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente. Recordou que o Brasil é um dos três países do G20 com quem os EUA mantêm superávit na balança de bens e serviços. Solicitou a retirada da sobretaxa de 40% imposta a produtos nacionais e das medidas restritivas aplicadas contra autoridades brasileiras”, afirmou o governo brasileiro, citando que Trump e Lula “trocaram telefones para estabelecer via direta de comunicação”.
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— Claro que o presidente tem que dar prioridade às tarifas, às questões que têm a ver com vistos de brasileiros… Mas ele vai querer falar de outras coisas , como Rússia e Ucrânia — disse Amorim.
Mais tarde, Lula relatou que a conversa foi muito amigável e que a partir de hoje a equipe de Trump vai fazer uma discussão sobre o Brasil:
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— Ele (Trump) disse que o Marco Rubio vai conversar com o pessoal, eu pedi para o Marco Rubio conversar com o Brasil sem preconceito, porque pelas entrevistas que ele deu, há um certo desconhecimento sobre o país. Ele (Trump) disse que vai dar tudo certo.
Ontem, Haddad manifestou otimismo em relação aos próximos passos:
— Desde o anúncio do tarifaço para cá, muita informação chegou, muitos empresários falaram com o governo americano, líderes. Passamos a entender melhor as engrenagens do governo Trump também, para fazer chegar as informações. Eu não acredito que esta tensão vai prosperar — disse em entrevista à Record.
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No campo das negociações, os minerais críticos são alvos de interesse dos EUA. O Brasil, segundo integrantes do governo, está disposto a tratar do acesso a elementos importantes para a transição energética e usados na fabricação de baterias e turbinas eólicas.
Lula já disse que aceita incluir os minerais na conversa, hipótese defendida por Haddad. O governo está preparado para os americanos tratarem das big techs. Enquanto o impasse com os EUA seguia, o Planalto desistiu de enviar ao Congresso projeto sobre plataformas (enviou apenas texto sobre regulação econômica).
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A proposta original previa, entre outros pontos, a remoção sem necessidade de ordem judicial de conteúdos com ataques à democracia. Decisões do STF que tratavam da retirada de publicações foram usadas por Trump ao justificar as tarifas. A redução de alíquotas para produtos como etanol e automóveis também são passíveis de acordo.
A relação entre Brasil e EUA se agravou em 9 de julho, quando Trump enviou a Lula uma carta anunciando uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. No documento, o americano afirmou que o julgamento de Bolsonaro, que ocorreria na sequência, era “vergonha internacional”.
O governo reagiu ressaltando a “soberania” do país e rechaçando qualquer possibilidade de interferência na Corte, mas desde então vem buscando negociar.