A pré-estreia de “O agente secreto” no Cine Odeon na noite desta terça-feira (7) foi uma das mais badaladas sessões do Festival do Rio 2025. Com o cinema completamente lotado, com direito a presença de figuras ilustres como Caetano Veloso, Paula Lavigne, Bella Campos, Iza, Letícia Colin, dentre outras, o público carioca pôde assistir pela primeira vez ao filme premiado no Festival de Cannes e escolhido para representar o Brasil na corrida por uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional.
Protagonista do longa, Wagner Moura compareceu à sessão acompanhado da produtora Emilie Lesclaux e de colegas de elenco, como Gabriel Leone, Alice Carvalho, Laura Lufési e Roney Villela. O diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho não pôde marcar presença por compromissos com a divulgação do longa na Europa. Antes da exibição no Rio, Wagner conversou com O GLOBO em hotel de Copacabana, na Zona Sul carioca.
O ator conta que conheceu Kleber há exatos 20 anos, quando apresentou “Cidade baixa” (2005), de Sérgio Machado, na mostra Un Certain Regard de Cannes. À época, o diretor ainda atuava como crítico e começava a experimentar com curtas-metragens.
— Procurei os curtas dele e falei: cara, esse crítico é foda. Comecei a ficar ligado. Quando ele lançou “O som ao redor” (2012), senti que tinha visto um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Comecei a correr atrás dele. Sempre nos encontrávamos em festivais. Em Gramado, em Berlim, mas sempre ficava nessa vontade — lembra Wagner, de 49 anos. — Nos aproximamos entre 2018 e 2022. Ele visitou as filmagens de “Marighella” e nos aproximamos.
No longa, Wagner interpreta Marcelo, um especialista em tecnologia que volta para o Recife tentando escapar de um futuro misterioso. A medida em que tenta reconstruir a relação com o filho, ele precisa se manter atento sobre forças superiores ao seu redor. Orgulhoso de apresentar o filme no Brasil, o ator também celebra a forma como a obra tem conversado com o público estrangeiro.
— As pessoas não precisam entender todo o contexto sociopolítico brasileiro para entender o que é injustiça, o que é perseguição política, o que é safadeza. É bonito isso. O filme é muito pernambucano, é muito nordestino, mas ninguém precisa saber o que era a perna cabeluda, as imagens são muito fortes — diz. — As sessões fora do Brasil têm sido maravilhosas. Você sente a vibe de como as pessoas estão se encantando pelo filme.
Citado como um dos principais concorrentes ao Oscar de melhor ator por revistas americanas especializadas, Wagner Moura tenta não criar expectativas para a temporada de premiações.
— Difícil dizer o que estamos esperando. Esperamos ganhar um bocado de prêmios (risos), mas somos bem cautelosos. Tem muito filme para lançar, muita coisa para acontecer. Acho que vamos ter uma ideia melhor quando começarem as premiações que antecedem o Oscar, como o Globo de Ouro, o Spirit Awards. Neste momento é muita especulação, é muito hype — fala o ator.
Ele torce para que “O agente secreto” viva trajetória semelhante a de “Ainda estou aqui”:
— Tomara que aconteça conosco o que aconteceu com “Ainda estou aqui”. O apoio no Brasil foi muito importante para os prêmios. Mas o mais importante foi a reconexão do público com o cinema brasileiro depois de tanta mentira, tanta cascata, tanta besteira sobre Lei Rouanet, essas coisas que esses caras falam. Outro dia ouvi dizer, “como explicar a Lei Rouanet para alguém que não entende a Lei Áurea”. Achei uma frase boa. É um nível intelectual muito baixo, dá preguiça de enfrentar. Mas quando vem o “Ainda estou aqui” e as pessoas falam, “este filme me representa”, é muito bonito.
Em cartaz no espaço Trapiche Barnabé, em Salvador com a peça “Um julgamento — depois do inimigo do povo”, de Christiane Jatahy, que também terá curta temporada no Rio a partir do dia 23, no CCBB, Wagner ainda não se lançou no modo “full maratona” para a temporada de premiações, mas pôde acompanhar exibições estratégicas em eventos como os festivais de Telluride, Toronto e Nova York. A partir de novembro, ele se dedicará exclusivamente ao filme, sem fazer distinção em sua atuação como artista daquela como cidadão.
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Recentemente, o ator compareceu a protestos contra a PEC da blindagem e a anistia na capital baiana. Ele lamenta os ataques sofridos após os atos.
— Vivemos um momento que ainda é bélico e polarizado de uma forma que é muito triste, com muita desonestidade intelectual. Eu vejo as pessoas falando coisas que elas sabem que não são verdade, como as falas sobre a Lei Rouanet. Outro dia me criticaram porque quando eu subi no trio do protesto em Salvador tinha um rapaz do Cortejo Afro com o guarda-sol. Começou uma conversa de que tinha um homem negro segurando o guarda-sol para mim. Revela uma absoluta ignorância sobre a cultura da Bahia, sobre o Cortejo Afro. Eu tenho preguiça de explicar, tento não me importar muito — explica Wagner. — Outro dia um disse que vai tomar o meu visto (risos). É triste. Um brasileiro torcendo para que o Trump traga tarifar que ataquem o Brasil e que penalizam outros brasileiros. É um negócio muito colonizado, muito triste, muito vira-lata. Tem uma parte do Brasil que ainda acha que o país não merece fazer sucesso.
Passada a temporada de premiações, o astro brasileiro já possui um próximo projeto. Ele vai dirigir “Last night at the lobster”, baseado em livro de Stewart O’Nan e produzido pelo Peter Saraf, conhecido pelo trabalho em filmes independentes incríveis como “Pequena Miss Sunshine” e “Adaptação”. O ator também tem seu nome ligado a uma cinebiografia de Paulo Freire, mas o projeto ainda está distante de se tornar realidade.
— É um projeto que existe, mas não é meu, é do Felipe Hirsch, que é um diretor que eu adoro, com quem trabalhei no teatro. Mas ainda não tem um roteiro pronto para filmar. Achei massa o convite, mas é algo que ainda precisa de um maior escopo para conseguirmos fazer.