No Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, basta soar o toque do telefone no setor da hemodinâmica para que os médicos e residentes do andar apertem o passo rumo à sala de procedimentos. A chamada é o sinal da “hotline” (a linha direta) avisando que na emergência do centro de saúde — ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) — uma pessoa infartando acaba de chegar. As determinações do hospital orientam que em no máximo 70 minutos é preciso que o paciente esteja na mesa de procedimentos para a desobstrução da artéria comprometida. O mantra ali é que “tempo é músculo”. Ou seja, é necessário ter em mente a todo instante que a celeridade do processo aumenta as chances de sobrevivência e boa recuperação de quem precisa de cuidados.
O prazo de 70 minutos estipulado pelo InCor é 20 minutos inferior às orientações de entidades internacionais sobre o tema. A tentativa de otimizar a orientação internacional ajuda a explicar por que neste ano o hospital figurou como a melhor instituição da América Latina especializada em cardiologia, a 12ª na lista global, de acordo com ranking da revista norte-americana Newsweek. Na mesma lista, aparece entre as 30 primeiras em cirurgia cardíaca no mundo.
— A instituição faz seu dever de casa. Inclusive utilizamos inteligência artificial (IA) no eletrocardiograma, que reconhece o quadro do paciente rapidamente, ele não fica esperando (por atendimento após o infarto). Ele já entra numa fila de prioridade — diz Alexandre Abizaid, cardiologista intervencionista e diretor da hemodinâmica do hospital.
O que todos os especialistas do InCor concordam é que nos leitos e consultórios da instituição — que integra a rede pública do Estado de São Paulo, mas também faz atendimentos particulares, em escala bem menor, chegando a 11% do total— aparecem em massiva maioria pacientes de quadros graves, delicados. Estão lá homens, mulheres e crianças com insuficiência cardíaca, arritmias, má formações congênitas, infartados, entre outros problemas de saúde do coração e pulmonares. Há quem precise de transplante ou longas internações com suporte respiratório. Para se ter uma ideia do volume de atendimentos no local, são realizadas mensalmente cerca de 600 cirurgias. O número reflete o maior patamar de procedimentos do tipo realizado no hospital, fundado nos anos 1970. A título de comparação, em 2019, o volume mensal de cirurgias era de 500 por mês.
— Na cirurgia cardíaca não há baixa complexidade. Toda vez que você pega um paciente, coloca em circulação extracorpórea, precisa fazer o coração parar, são operações complexas — pondera Fabio Biscegli Jatene, vice-presidente do conselho diretor. — De maneira geral, a gente não tem cirurgia simples aqui.
O cirurgião diz que, para além do volume de atendimento, o InCor mira sempre em melhorar os desfechos pós-operatórios. O que pode estar ligado a ajustes no procedimento da cirurgia em si ou no modo de preparação do paciente.
— Temos meses em que operamos 30, ou 25 pacientes com aneurisma e não perdemos nenhum. O patamar anterior (de mortalidade) já chegou a ser 10%. Nas cirurgias de coronária, para fazer pontes de safena e mamárias, chegamos a ter 4,5% de mortalidade. Hoje não chega a 1,5%. A mudança foi de cerca de 10 anos para cá — orgulha-se. — Temos muitas preocupações, entre elas manter desfechos e resultados comparáveis ou ainda melhores que os melhores (patamares) do mundo.
Na semana passada, esperava por uma cirurgia o pequeno Pedro Henrique Pereira Lima, de 9 anos. O garotinho é diagnosticado com a sindrome de Charge (que causa uma série de defeitos congênitos no organismo) e estava acompanhado da mãe Joice Pereira da Silva. A dupla estava instalada no hospital há uma semana para realizar a intervenção médica. No momento em que interagiu com a reportagem do GLOBO Pedro brincava no Espaço Imaginário Marisa Monte, uma área de experimentação artística, montada em 2023, com idealização da cantora. No espaço há atividades diárias, como pintura facial, bordado e crochê, para as mães e crianças que ocupam os leitos da instituição. Algumas delas, na fila para transplante.
— Essa é a nona internação dele. A primeira cirurgia foi com apenas alguns dias de vida. Ainda bem que tem esse espaço aqui para que a gente possa se distrair, participo de tudo junto dele — diz a mãe.
A poucos metros da ala pediátrica, está instalada a sala de Roberto Kalil Filho, presidente do conselho diretor do hospital. Há décadas na instituição, Kalil diz que são três fatores principais que mantém a longevidade do hospital.
— A instituição foi criada sob o tripé assistência, pesquisa e ensino. É muito importante estar na mesma instituição desde a pesquisa básica até, obviamente, os estudos clínicos que são coordenados por ela — explica ele.— O hospital continua o caminho dele no decorrer das décadas. As pessoas que idealizaram o InCor fizeram de uma maneira que independentemente de quem esteja na direção, continua com o mesmo rumo. É um dos berços da cardiologia mundial.
Os especialistas do hospital não escondem o interesse de impactar para além dos muros da instituição. O diretor executivo Fábio Kawamura, diz que o hospital está num tipo de “topo da pirâmide da complexidade”. Funciona por lá, por exemplo, um tipo de teleassistência cirúrgica em que especialistas da casa podem acompanhar em tempo real operações em crianças à distância. A participação é possível por meio de uma sala de videoconferência com uma televisão de 85 polegadas. Neles, câmeras mostram, por exemplo, a movimentação dos especialistas que estão dentro da sala de cirurgia e o local preciso da incisão, por meio de uma câmera instalada na testa do responsável pelo procedimento. Em uma das mais de 60 cirurgias acompanhadas em seis hospitais brasileiros — essa em São Luiz (MA) — os especialistas que estavam à distância notaram que a criança operada apresentava padrões diferentes do esperado. Interviram e mudaram o rumo do procedimento.
Outra novidade que pode extrapolar os limites do hospital é a criação de um novo equipamento que avalia a ocorrência de arritmias. Feito em parceria com a Lenovo, ele será capaz de substituir o chamado “holter” um eletrocardiograma portátil (cujo uso é um tanto desconfortável). Com a inovação, chamada de Trada, o acompanhamento fica mais confortável (o apetrecho é um pouco maior que uma moeda) e se prolonga. Enquanto o holter acompanha pacientes por 24 horas, na inovação desenvolvida pelo InCor esse prazo se estende por sete dias e os resultados são vistos pela equipe médica em tempo real, com a ajuda de IA.
A inteligência artificial, inclusive, já é utilizada amplamente em outras áreas do hospital. Na UTI respiratória, um algoritmo é capaz de oferecer análises de risco em tempo real à equipe médica. Mesmo a menor alteração nos sinais vitais, ou na resposta aos medicamentos, é detectada pelo serviço desenvolvido pelo hospital em parceria com outras empresas.
— O tempo na UTI é muito precioso. E as tomadas de decisões que ocorriam a cada 12 ou a cada 24 horas, agora são muito mais ágeis. Porque os painéis (com monitoramento apoiado pela IA) mostram isso em tempo real. Acendeu ali alguma coisinha que está inadequada, dispara uma série de condutas que vão prevenir, por exemplo, uma sepse — explica Carlos Carvalho, diretor da UTI respiratória e da telemedicina do InCor.
A instituição — financiada com repasses do governo federal, estadual, emendas parlamentares, além de atividades de ensino, pesquisa contratadas, entre outras fontes— tem custo anual de aproximadamente R$ 1 bilhão. A gestão dos recursos fica a cargo da Fundação Zerbini, responsável também pela maior parte da folha de pagamento dos cerca de 4 mil funcionários. O cenário de hoje destoa da crise em que o hospital mergulhou há duas décadas, quando a dívida chegou a quase meio milhão de reais, em valores da época, e a ameaçou modelo de gestão do hospital. Mas foi renegociada e quitada.
Paulo Rodrigues da Silva, diretor presidente da fundação, não esconde o desejo do InCor em ampliar o atendimento para outro endereço que tenha leitos de retaguarda, para dar fluxo às internações. Fora do mundo físico, no âmbito digital, o interesse é também de ampliar fronteiras.
— A grande sacada dos próximos anos, que será capaz de mudar as coisas, é a inteligência artificial. Os dados dos prontuários hoje podem nos dar informações preditivas da evolução das doenças daqui pra frente. O Brasil todo precisa fazer isso, mas cabe a algumas instituições liderar isso— projeta.
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O cirurgião diz que, para além do volume de atendimento, o InCor mira sempre em melhorar os desfechos pós-operatórios. O que pode estar ligado a ajustes no procedimento da cirurgia em si ou no modo de preparação do paciente.
— Temos meses que operamos 30, ou 25 pacientes com aneurisma e não perdemos nenhum. O patamar anterior (de mortalidade) já chegou a ser 10%. Nas cirurgias de coronária, para fazer pontes de safena e mamárias, chegamos a ter 4,5% de mortalidade. Hoje não chega a 1,5%. A mudança foi de cerca de 10 anos para cá — orgulha-se. — Temos muitas preocupações, entre elas manter desfechos e resultados comparáveis ou ainda melhores que os melhores (patamares) do mundo.
Na semana passada, esperava por uma cirurgia o pequeno Pedro Henrique Pereira Lima, de 9 anos. O garotinho é diagnosticado com a sindrome de Charge (que causa uma série de defeitos congênitos no organismo) e estava acompanhado da mãe Joice Pereira da Silva. A dupla estava instalada no hospital há uma semana para realizar a intervenção médica. No momento em que interagiu com a reportagem do GLOBO Pedro brincava no Espaço Imaginário Marisa Monte, uma área de experimentação artística, montada em 2023, com idealização da cantora. No espaço há atividades diárias, como pintura facial, bordado e crochê, para as mães e crianças que ocupam os leitos da instituição. Algumas delas, na fila para transplante.
— Essa é a nona internação dele. A primeira cirurgia foi com apenas alguns dias de vida. Ainda bem que tem esse espaço aqui para que a gente possa se distrair, participo de tudo junto dele — diz a mãe.
A poucos metros da ala pediátrica, está instalada a sala de Roberto Kalil Filho, presidente do conselho diretor do hospital. Há décadas na instituição, Kalil diz que são três fatores principais que mantém a longevidade do hospital.
— A Instituição foi criada sob o tripé assistência, pesquisa e ensino. É muito importante estar na mesma instituição desde a pesquisa básica até, obviamente, os estudos clínicos que são coordenados por ela — explica. — O hospital continua o caminho dele no decorrer das décadas. As pessoas que idealizaram o InCor fizeram de uma maneira que independentemente quem está na direção, continua com o mesmo rumo. É um dos berços da cardiologia mundial.
Os especialistas do hospital não escondem o interesse de impactar fora dos muros da instituição. O diretor executivo Fábio Kawamura, diz que o hospital está num tipo de “topo da pirâmide da complexidade”. Funciona por lá, por exemplo, um tipo de teleassistência cirurgica em que especialistas da casa podem acompanhar em tempo real operações em crianças à distância. A participação é possível por meio de uma sala de videoconferência com uma televisão de 85 polegadas. Neles, câmeras mostram, por exemplo, a movimentação dos especialistas que estão dentro da sala de cirurgia e o local preciso da incisão, por meio de uma câmera instalada na testa do responsável pelo procedimento. Em uma das mais de 60 cirurgias acompanhadas em seis hospitais brasileiros — essa em São Luiz (MA) — os especialistas que estavam a distância notaram que a criança operada apresentava padrões diferentes do esperado. Interviram e mudaram o rumo do procedimento.
Outra novidade que pode extrapolar os limites do hospital é a criação de um novo equipamento que avalia a ocorrência de arritmias. Feito em parceria com a Lenovo, ele será capaz de substituir o chamado “holter” um eletrocardiograma portátil (cujo uso é um tanto desconfortável). Com a inovação, chamada de Trada, o acompanhamento fica mais confortável (o apetrecho é um pouco maior que uma moeda) e se prolonga. Enquanto o holter acompanha pacientes por 24 horas, na inovação desenvolvida pelo InCOr esse prazo se estende por 7 dias e os resultados são vistos pela equipe médica em tempo real, com a ajuda de IA.
A inteligência artificial, inclusive, já é utilizada amplamente em outras áreas do hospital. Na UTI respiratória, um algoritmo é capaz de oferecer análises de risco em tempo real à equipe médica. Mesmo a menor alteração nos sinais vitais, ou na resposta aos medicamentos, é detectada pelo serviço desenvolvido pelo hospital em parceria com outras empresas.
— O tempo na UTI é muito precioso. E as tomadas de decisões que ocorriam a cada 12 ou a cada 24 horas, agora são muito mais ágeis. Porque os paineis (com monitoramento apoiado pela IA) mostram isso em tempo real. Acendeu ali alguma coisinha que está inadequada, dispara uma série de condutas que vão prevenir, por exemplo, uma sepse — explica Carlos Carvalho, diretor da UTI respiratória e da telemedicina do InCor.
A instituição — financiada com repasses do governo federal, estadual, emendas parlamentares, além de atividades de ensino, pesquisa contratatdas, entre outras fontes— tem custo anual de aproximadamente R$ 1 bilhão. A gestão dos recursos fica a cargo da Fundação Zerbini, responsável também pela maior parte da folha de pagamento dos cerca de 4 mil funcionários. O cenário de hoje, destoa da crise que o hospital mergulhou há duas décadas. A dívida chegou a quase meio milhão de reais, em valores da época, e a ameaçou modelo de gestão do hospital. Mas foi renegociada e quitada.
Paulo Rodrigues da Silva, diretor presidente da fundação, não esconde o desejo do InCor em ampliar o atendimento para outro endereço que tenha leitos de retaguarda, em outro endereço, para dar fluxo às internações. Fora do mundo físico, no âmbito digital, o interesse é também de apliar fronteiras.
— A grande sacada dos próximos anos, que será capaz de mudar as coisas é a inteligência artificial. Os dados dos prontuários hoje podem nos dar informações preditivas da evolução das doenças daqui pra frente. O Brasil todo precisa fazer isso, mas cabe algumas instituições liderar isso— projeta.