O ano era 1987 e a já então capital informal da América Latina nos Estados Unidos enfrentava os “cowboys do tráfico”, retratados na série “Miami Vice”. Um deles, Orlando Cicilia, foi detido em uma das maiores operações de combate ao crime organizado na Flórida até então. Transportava cocaína de Miami, porto de entrada para os cartéis, a endereços tão distantes quanto o Havaí. A droga era escondida em maços de cigarro. Sua condenação a 35 anos de cadeia, dos quais cumpriu pouco mais de uma década, teria impacto na comunidade cubana e mais ainda em sua família. Nascido na ilha caribenha, ele era casado com a irmã mais velha do atual chefe da diplomacia americana, Marco Antonio Rubio, então com 16 anos.
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Autor da biografia “A ascensão de Marco Rubio”, em tradução livre, lançada nos EUA em 2012, o repórter Manuel Roig-Franzi, do Washington Post, vê nos anos formativos do político, destrinchados no livro, pistas para entender como pensa e age o secretário de Estado da segunda temporada de Donald Trump na Casa Branca, personagem-chave na revisão do papel da potência no tabuleiro global, indicado por seu ex-desafeto para liderar, pelo lado americano, as negociações com o Brasil sobre o tarifaço.
Rubio, que é casado desde 1998 com Jeanette, uma ex-cheerleader de origem colombiana, com quem tem quatro filhos, jamais teve o Brasil como prioridade em sua escalada de duas décadas até a posição mais importante no ministério de Trump. Filho de imigrantes cubanos naturalizados americanos em 1975, ele age internamente pela derrubada do governo da Venezuela, para ele o capítulo inicial de uma eventual mudança de regime em Havana.
Crítico das tratativas diplomáticas do enviado especial da Casa Branca a Caracas, Richard Grenell, Rubio foi decisivo para o estabelecimento pelo governo americano, ainda que sem provas, da conexão de Nicolás Maduro com o tráfico, cara ao cubano-americano. Ligação que ameaçaria a segurança nacional dos EUA e justificaria ações como os recentes ataques a embarcações e potencias incursões em território venezuelano.
A Venezuela não foi tema no encontro da última quinta-feira em Washington de Rubio com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. A situação do país vizinho deve ser abordada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na conversa que terá com Trump. Brasília alertará para o risco de desestabilização na região no caso de operações militares dos EUA. Ponto delicado para o secretário de Estado, que vê na inflexão unilateralista do Trump 2.0 oportunidade rara para agir contra Caracas e Havana.
— Para entender Rubio é preciso antes compreender Miami e sua vivência das diásporas cubanas. São elas que o guiam na política até hoje — disse Roig-Franzi ao GLOBO.
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O uso do plural pelo ex-chefe do escritório do Post na Cidade do México ao tratar do movimento de migração em massa de cubanos para os EUA é proposital. Esconde outro pedaço de memória relevante para montar o quebra-cabeças da ascensão do latino de maior êxito na política americana.
Um ano após Rubio ser eleito senador, em 2010, o mesmo Post revelou que o avô materno e maior inspiração do político havia migrado para o país em 1956, por conta das mazelas do regime pró-EUA de Fulgencio Batista. E o sapateiro de ofício retornaria à ilha após a Revolução Cubana, onde foi funcionário público na ditadura de Fidel Castro.
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Mas história que Rubio contava desde sua primeira vitória nas urnas, para vereador em West Miami, era outra, a do herói fugitivo do comunismo. Quando retornou aos EUA em 1962, sem o visto adequado, Pedro Victor Garcia passou a viver como milhares de pessoas hoje alvo do governo Trump, sem a documentação necessária para permanecer nos EUA, até ser beneficiado, quatro anos depois, por legislação que garantiu residência permanente aos exilados cubanos.
Rubio deu de ombros para as revelações. Afirmou ter apenas repetido o que ouvia em casa. Reelegeu-se com folga no Senado em 2016 e 2022. Roig-Franzi o vê como um “camaleão”, capaz de vestir a pele do personagem ideal na hora certa. Inclusive na esfera religiosa, ao professar a fé católica, depois a mórmon, em seguida a evangélica, como a esposa, para depois voltar ao catolicismo. E sem perder votos no caminho.
Percebido como o “mais ideológico” dos ministros de Trump, Rubio iniciou a vida pública incentivado pelo ex-governador da Flórida Jeb Bush. Ele o apresentava como o futuro do reaganismo. O jovem, por sua vez, dizia que o irmão e filho de presidentes, casado com uma mexicana, era “quase cubano, só mais alto”.
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Anos depois, já presidente da Assembleia Legislativa da Flórida, foi dos primeiros a detectar a nova coalizão que se formava no estado em oposição ao governo Barack Obama. Virou à direita e mirou, com o discurso do Estado mínimo e a crítica à pauta liberal nos costumes, nos hispânicos conservadores, nos moderados do subúrbio, nos populistas do Tea Party e nos cidadãos que nem sempre votavam, concentrados no corredor da rodovia que liga Tampa a Orlando. Derrotou no pleito o favorito, o governador Charlie Crist, que contava com a máquina estadual e era um republicano moderado, espécie que Rubio ajudou a condenar à extinção.
Seu tento teve enorme consequência para a política nacional. Desde então, esses mesmos eleitores, acrescidos pelos militantes do Maga, o movimento “Faça os EUA grandes novamente”, levaram a Flórida, e seus desejados 30 votos no Colégio Eleitoral, para o flanco republicano. Os tempos de estado-pêndulo, da disputa voto a voto de George Bush filho com Al Gore, em 2000, e da apertada vitória de Obama em 2008, ficariam no passado. As futuras cabeças coroadas do trumpismo tomaram nota.
Um ano após Rubio chegar ao Senado, o diplomata Ricardo Zúñiga se tornou assistente especial para o Ocidente no Conselho de Segurança Nacional. Nas primárias republicanas, em 2015, era cônsul-geral de São Paulo. Acompanhou daqui o foguete Trump, que atropelou Rubio. Sua pré-campanha ficou marcada pelo bullying do futuro presidente. Do alto de seus de 1,90m, ele só se dirigia ao rival de 1,75m como “pequeno Marco”. Foi a única derrota eleitoral do atual secretário de Estado.
Rubio se refugiou durante o Trump 1.0 no poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, de onde articulou sanções a Caracas. A reconciliação só aconteceria no fim do governo Joe Biden. As cicatrizes dos dois lados foram tratadas por amigos comuns da Flórida, promotores de conversas que no início pouco iam além de uma paixão mútua dos dois personagens, o futebol americano.
Ciente de que sua adesão ao Trump 2.0 simbolizaria o controle total do Partido Republicano pelo presidente, a comandante da campanha majoritária da direita no ano passado, Susan Wiles, foi a maior defensora da escolha de Rubio para o futuro ministério. E, depois, de seu acúmulo de funções — além da Secretaria de Estado, ele comanda a Segurança Nacional, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e o Arquivo Nacional americano.
— Isso demonstra a confiança de Trump, que valoriza a lealdade, provada por Rubio inclusive no desmantelamento da Usaid, que ele era contrário. Hoje ele é, de longe, o operador mais importante para a Casa Branca — afirmou Zúñiga ao GLOBO.
Lealdade que pauta o pragmatismo de Rubio, tal qual sinalizado por Trump, nas conversas com o Brasil e que dinamitou, afirmam analistas ao GLOBO, a influência da extrema direita brasileira no uso do tarifaço como arma política.
Catedrático da Universidade de Michigan-Dearborn e funcionário do Departamento de Estado no governo Reagan, Michael Montgomery vê no político de 54 anos um “músico de jazz”, que se adapta ao ritmo do mais errático dos band leaders, como Trump.
— Rubio é um contorcionista, que se pauta pelo conhecimento profundo do toma lá, dá cá da política americana. Nem pisca o olho ao defender, em intervalo de dias, políticas díspares de Trump para a Ucrânia, por exemplo. E tem algo que falta ao presidente, e o complementa: é extremamente disciplinado — diz ao GLOBO.
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Seus vizinhos de Flórida, o bilionário Steve Whitkoff e Jared Kushner, enviado especial e genro do presidente, lhe fizeram sombra no teatro do cessar-fogo em Gaza. Mas a aparente falta de protagonismo no tabuleiro geopolítico, argumenta Montgomery, é enganosa. Rubio vê no enfrentamento com a China, inclusive e especialmente dentro da América Latina, razão central para sua permanência no cargo. De onde almeja se catapultar para a chapa governista à sucessão de Trump, de preferência na cabeça ou como o parceiro do vice-presidente, J.D. Vance.