Quando jovem no final da década de 1970, Sanae Takaichi passava seis horas por dia em trânsito, de ônibus e trem, indo da casa de seus pais, no oeste do Japão, até a universidade. Era fã de heavy metal e de motocicletas Kawasaki, e sonhava em sair de casa. Mas sua mãe insistiu, a princípio, que ela permanecesse em casa, proibindo-a de morar SOZINHA antes do casamento. Nesta terça-feira, Takaichi foi eleita primeira-ministra do Japão, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo na História — o auge de uma ascensão política improvável e um marco em uma nação onde as mulheres há muito lutam por influência.
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Takaichi, de 64 anos, cresceu perto a antiga capital japonesa de Nara e desafia rótulos fáceis. Já falou abertamente sobre os desafios de ser mulher na política japonesa, mas agora lidera o Partido Liberal Democrata (PLD), uma sigla tradicionalista e dominado por homens. Expressou preocupação com a dependência do Japão em relação aos Estados Unidos, mas também afirmou desejar trabalhar de perto com o presidente americano, Donald Trump. É baterista amadora e idolatra bandas como Iron Maiden e Deep Purple, mas veste ternos azuis em homenagem a outra de suas heroínas: a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
Protegida de Shinzo Abe, o primeiro-ministro que mais tempo governou o Japão e que foi assassinado em 2022, Takaichi deve conduzir o país mais à direita, em resposta a uma recente onda populista que guarda semelhanças com o movimento político de Trump. Ela defende políticas duras em relação à China, promove o discurso de que “o Japão está de volta”, minimiza as atrocidades cometidas pelo país durante a Segunda Guerra Mundial e promete regulamentar mais rigidamente a imigração e o turismo.
— Ela quer tornar o Japão forte e próspero para o povo japonês e para o mundo — disse Yoshiko Sakurai, jornalista e ativista proeminente que apoia Takaichi. — Ela é aberta ao mundo exterior, mas também entende que precisamos ser bons japoneses: conhecer nossa cultura, tradições, filosofia e história.
Takaichi enfrentará agora seu maior teste, lidando com a nova incerteza na aliança militar e econômica entre Japão e Estados Unidos. Espera-se que ela se reúna na próxima semana, em Tóquio, com Trump, que tem causado apreensão entre autoridades japonesas com tarifas e sugestões de que o país pague mais pela presença das tropas americanas na região.
O entusiasmo da premier conservadora por rock pesado não morreu com o passar dos anos — ou com sua guinada conservadora. A mídia japonesa afirmou que Takaichi tem uma bateria elétrica, e que costumava tocar com tanta intensidade que levava quatro pares de baqueta, para ter um par reserva, caso quebrassem.
Em uma entrevista recente a um youtuber japonês, a nova premier afirmou que costuma tocar para aliviar o estresse, sobretudo quando discute com o marido — o também político conservador Taku Yamamoto.
— Eu toco depois que ele dorme — brincou durante uma entrevista.
Enquanto muitos políticos japoneses vêm de círculos ricos e elitizados, Takaichi teve uma infância modesta na província de Nara, uma área repleta de templos, santuários, florestas densas e colinas verdejantes. Sua mãe trabalhava no departamento de polícia, e seu pai em uma fábrica de autopeças.
Motoko Shimada, amiga de infância de Takaichi, lembrou-se da colega de tranças que compartilhava onigiri caseiros (bolinhos de arroz com alga marinha) e omeletes com colegas que haviam esquecido suas marmitas durante uma excursão escolar.
— Ela era muito sorridente e reservada — disse Shimada. — Não tinha essa imagem de mulher forte. Mas percebia quando alguém não estava se encaixando ou estava com dificuldades, e ajudava.
Desde jovem, Takaichi parecia consciente das pressões enfrentadas pelas mulheres japonesas. Sua mãe lhe dizia para ser uma “rosa carmesim”, recordou ela em uma biografia de 2024 escrita por Eiji Ohshita — pedindo-lhe que “mantivesse a graça feminina, mas tivesse os espinhos para enfrentar injustiças”.
Universidade e começo na política
Seus pais a pressionaram para cursar a Universidade de Kobe, uma instituição pública a cerca de 80 km de sua cidade natal, embora ela tivesse sido aceita em universidades particulares de elite em Tóquio. Disseram que ela não precisava de ensino superior por ser mulher, segundo Takaichi relatou em entrevistas, e queriam economizar para apoiar o irmão mais novo.
Após se formar, ingressou no Instituto Matsushita de Governo e Gestão, uma renomada escola de formação para jovens políticos e líderes empresariais. No fim da década de 1980, interessou-se pelos Estados Unidos — principal concorrente econômico do Japão na época — e conseguiu um estágio no gabinete da ex-deputada democrata Patricia Schroeder, do Colorado, uma feminista convicta.
Takaichi havia se emocionado com o discurso comovente de Schroeder, em 1987, ao anunciar que não concorreria à Presidência. Enviou-lhe um telegrama, encorajando-a a tentar novamente algum dia e oferecendo ajuda.
Em Washington, Takaichi era uma presença enérgica, fazendo inúmeras perguntas sobre o funcionamento interno do Congresso e da política externa americana — e desenvolvendo um gosto por manteiga de amendoim. Na época, não demonstrava nenhuma inclinação conservadora em temas de defesa ou pautas sociais, disse Andrea Camp, ex-assessora de Schroeder.
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De volta ao Japão, Takaichi trabalhou como autora e personalidade de TV, conquistando fama como debatedora combativa. Em 1993, iniciou sua carreira política, vencendo a eleição para o Parlamento como independente por Nara, com uma plataforma de reforma política. Seu pai usou suas economias de aposentadoria para financiar a campanha.
Ao ingressar no Parlamento japonês, Takaichi abriu mão de um de seus hobbies — as motocicletas. Na época, abandonou sua Kawasaki Z400GP, sob o argumento de evitar acidentes que pudessem a afastar dos afazeres políticos.
Ainda no começo da carreira, a premier percebeu o isolamento de ser mulher na política. Recordou que seus colegas homens muitas vezes a tratavam com desdém e realizavam negócios em saunas e clubes sociais, locais inacessíveis para legisladoras.
— É realmente difícil para uma mulher se encontrar sozinha com um homem — disse ela à Associated Press em 1993. — As pessoas observam, e não quero que inventem algum escândalo. Não podemos usar as horas depois das 17h.
Nos primeiros anos no Parlamento, ela formou uma duradoura aliança com Abe, um político de família tradicional e visão nacionalista. Os dois compartilhavam ideias sobre o aumento dos gastos militares e sobre dar um tom mais patriótico aos livros didáticos.
Quando Abe foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez, em 2006, nomeou Takaichi para o gabinete, tornando-a uma das mulheres mais visíveis na política japonesa. Ele a reconduziu ao cargo em 2012, no início de seu segundo mandato, que durou oito anos. Takaichi tornou-se uma defensora ferrenha de suas políticas — incluindo a revisão da Constituição japonesa para libertar as Forças Armadas das restrições do pós-guerra — e de seu programa econômico, baseado em estímulos e crédito farto.
Takaichi tentou convencer Abe a se candidatar novamente em 2021, mas ele recusou. Quando ela entrou na disputa, ele a apoiou:
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— A senhora Takaichi é a verdadeira estrela dos conservadores — disse Abe à época.
Ela perdeu aquela eleição e uma nova tentativa em 2024. Quando Abe foi assassinado em frente a uma estação de trem em Nara, durante um discurso de campanha, Takaichi ficou devastada. Disse então que “nunca havia se sentido tão abatida física e mentalmente”.
“Tenho que trabalhar muito a partir de hoje”, escreveu nas redes sociais. “Caso contrário, teria de me desculpar com ele”.
Quando Shigeru Ishiba anunciou, em setembro, que renunciaria ao cargo de primeiro-ministro após uma série de derrotas eleitorais do PLD, Takaichi novamente se colocou à disposição para liderar o partido. Derrotou quatro homens, impulsionada por uma onda de apoio entre os membros de base com a mensagem de transformar “ansiedade em esperança”.
À medida que sua projeção aumentou, sua vida pessoal passou a ser alvo de escrutínio. Casou-se em 2004 com Taku Yamamoto, também político do PLD. Divorciaram-se em 2017 — Takaichi contou que o casal tinha discussões políticas acaloradas em casa — e se casaram novamente em 2021. Dessa vez, Yamamoto adotou o sobrenome Takaichi, um gesto raro na cultura patriarcal japonesa.
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Em Kashihara, cidade natal de Takaichi, com cerca de 125 mil habitantes, amigos e apoiadores comemoraram sua ascensão, rezando por seu sucesso em templos locais e enviando orquídeas brancas ao seu escritório distrital.
Nara sempre ocupou papel importante em sua trajetória política. Durante a recente campanha, ela acusou turistas de chutarem os cervos sagrados do Parque de Nara — comentário que gerou críticas e foi visto por alguns como xenófobo.
Yukitoshi Arai, ex-cabeleireiro de Takaichi em Nara, ajudou a criar o corte de cabelo curto que se tornou sua marca registrada. Ele disse que queria deixar visíveis seus olhos e ouvidos, para mostrar que ela via e ouvia as pessoas que encontrava. Segundo ele, Takaichi preserva as qualidades típicas da região de Kansai: humor e humildade. Certa vez, presenteou-a com um xampu que, segundo dizem, Margaret Thatcher havia usado durante uma visita a Tóquio.
— Não acho que ela seja uma ‘dama de ferro’ — disse Arai, referindo-se ao apelido dado pela imprensa britânica a Thatcher. — Ela tem o jeito de uma mulher de Kansai.
Após sua vitória neste mês na eleição pela liderança do PLD, Arai enviou uma mensagem à ex-cliente lembrando-a de cuidar da saúde.
Takaichi respondeu dois dias depois: “A batalha começa agora”, escreveu. (Com AFP e NYT)