O silêncio das hostes progressistas grita diante de duas decisões de Lula que contrariam bandeiras importantes e históricas da esquerda: defesa do meio ambiente e maior participação feminina nos postos de poder.
Sim, praticamente passou batido a decisão de autorizar a perfuração de um poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas pela Petrobras às vésperas da COP30, que acontece em Belém. E não houve a esperada reação por parte dos movimentos feministas diante da confirmação de que o presidente nem sequer chegou a levar em conta a reivindicação de designar uma mulher para a terceira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal apenas neste mandato.
Lula não precisou nem se justificar, já que não chegou a ser admoestado por setores influentes da academia, das artes, da ciência. Ao menos não com o vigor que os dois assuntos normalmente suscitam em seus defensores — e menos ainda o clamor que haveria caso o presidente fosse qualquer outro.
A autocontenção desses segmentos explicita um fenômeno que não é novo: a completa submissão da esquerda brasileira aos desígnios de Lula, aparentemente ditados cada vez mais, à medida que o tempo passa e ele acumula mandatos, por afinidades pessoais, convicções próprias e pouca abertura ao contraditório.
Nos dois casos, a autorização para a pesquisa na Foz do Amazonas e a nomeação de mais um homem para uma Corte em que só existe uma mulher, valeu única e exclusivamente a vontade do presidente.
A lista de juristas negras com credenciais mais que suficientes para ser cogitadas, caso Lula estivesse aberto a avaliar a óbvia necessidade de maior representatividade feminina no STF, não mereceu uma palavra da parte do chefe do Executivo. Caiu em algum escaninho, não foi levada em conta, e quem elaborou a lista não se sentiu nem incomodado a ponto de protestar com o pouco-caso.
Existe historicamente para com Lula uma tolerância que não é estendida a outros políticos, mesmo os identificados com a centro-esquerda. Frases machistas e misóginas de ontem e hoje, o pouco apreço genuíno à necessidade de o Brasil liderar as ações para a transição energética e outras contradições entre as pautas progressistas e as iniciativas governamentais sempre recebem um desconto.
É como se qualquer crítica mais veemente e sem condescendência significasse “traição à causa” ou, pior, a abertura de flanco para que a direita bolsonarista voltasse — um espantalho sempre fincado no debate público para tentar interditá-lo.
Existem argumentos técnicos, econômicos, estratégicos e científicos que podem amparar a decisão de autorizar o início da pesquisa e futura exploração da nova fronteira de petróleo na Margem Equatorial? Seguramente, sim.
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Mas não é esse o ponto observado aqui. Os atores que estarão à frente das negociações da COP30 e os movimentos que corretamente denunciaram as investidas de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles para desmantelar a legislação e o aparato de controle ambiental não veem nenhum argumento favorável a essa decisão e, ainda assim, usaram para condená-la um tom muito abaixo daquele que empregariam se o presidente fosse outro.
Outro silêncio ensurdecedor é o da ministra Marina Silva, que recebeu de Lula a garantia de que a pauta ambiental seria tratada com prioridade no terceiro mandato e, agora, se vê com essa batata quente poucos dias antes da abertura da COP30 — o timing, aliás, pareceu atender à necessidade de dar satisfação ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, um dos maiores entusiastas da exploração na Foz do Amazonas, já que ele não seria contemplado com seu favorito para a vaga do STF.
Tudo interligado, e tudo com o mesmo vetor: Lula age pelas próprias conveniências e de olho em 2026. Ignorados, os aliados históricos preferem engolir em seco.