A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) afirmou em entrevista ao Canal Gov nesta quarta-feira que a decisão do Ibama de conceder licença para a perfuração de um poço exploratório na Foz do Amazonas foi “técnica”.
— A primeira coisa é que o Ibama deu uma licença técnica, todo o trabalho feito pelos técnicos do Ibama foi com rigor, tanto é que essa licença foi sendo apreciada dentro do Ibama desde que era ainda de uma empresa privada e depois passou para a Petrobras. Esse processo vem desde 2014 e agora se chegou à reta final — afirmou Marina Silva em entrevista a uma rede de TV pública, como antecipado pela colunista Vera Magalhães, do O GLOBO.
Marina ressaltou que a licença, neste momento, é para a prospecção de poços com o objetivo de verificar se há petróleo no local e em que quantidade, ainda sem caráter exploratório.
— O Ibama, ao longo desse processo, conseguiu várias melhorias para esse projeto. Uma delas, que é fundamental, é a base de suporte, ou de socorro, ao que os especialistas chamam de fauna oleada. No projeto inicial, a base ficava em Belém, a 800km de onde iria ser feita a prospecção. O Ibama entendeu que era inadmissível porque o tempo de transporte desses animais, dessas espécies, era tão longo que, com certeza, não haveria como garantir salvamento — disse a ministra. A nova base ficará a 160km do local.
— Todas as exigências que o Ibama fez eram altamente necessárias, e se não fosse o rigor do Ibama, se fosse numa lógica de deixar passar, de maneira antirrepublicana, teria-se feito uma licença em prejuízo do meio ambiente e dos interesses do Brasil.
A ministra afirmou que “se houve qualquer manifestação política, isso não influenciou o processo de trabalho com a qualidade feita pelos nossos técnicos”. — É legítimo que as pessoas tenham aspirações, mas em um governo republicano como é o do presidente Lula, a decisão foi uma decisão técnica — disse Marina.
Apesar de defender o processo de concessão da licença para estudos na Margem Equatorial, Marina voltou a defender que o Brasil reduza sua dependência de combustíveis fósseis.
— No mundo inteiro, precisamos sair da dependência do uso de combustível fóssil porque isso é o que está aquecendo a temperatura da Terra. (…) O Brasil é o país que reúne as melhores condições para fazer isso. (…) É preciso fazer o nosso próprio mapa do caminho da transição, para sair da dependência do uso do combustível fóssil. E com certeza não é o Ibama que toma essa decisão. Quem toma é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) — disse Marina.
O CNPE é ligado ao Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira. O ministro é notório entusiasta da exploração de petróleo na Margem Equatorial e teve atritos com Marina e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no passado.
— A partir de agora vai ser fundamental a contratação dos estudos para a área sedimentar, que é obrigatória para qualquer bacia nova, e esta é uma bacia desconhecida. Temos 19 blocos leiloados, e cada um desses tem várias perfurações. Isso vai acontecer se comprovar que tem petróleo em qualidade e quantidade necessárias para fazer essa exploração. Nesse sentido, não tem como fazer essa exploração sem os processos que lastreiam o licenciamento — salientou a ministra.
Marina lembrou que uma resolução tomada pelo CNPE de 2017 estabelece que, para áreas novas de exploração de petróleo, é preciso uma avaliação ambiental para a área sedimentar do local, formada por depressões no relevo. — Isso é um ponto importante da governança pensando no futuro, para que depois ninguém diga que não deu tempo, agora é o momento de fazer isso (o estudo) — destacou a ministra.
Segundo a Petrobras, a perfuração na Bacia da Foz do Amazonas está prevista para ser iniciada imediatamente, com a duração estimada de cinco meses”. Por meio desta pesquisa exploratória, a companhia busca obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica. Não há produção de petróleo nessa fase.
O plano de investimento da Petrobras 2025-2029 reserva cerca de US$ 3 bilhões para investimentos na Marquem Equatorial, incluindo a perfuração do poço liberado pelo Ibama nesta segunda-feira.
Marina Silva afirmou que a foz do Amazonas é a bacia de que “temos menos conhecimento”. —É preciso estudar essa bacia, as correntes marinhas, a biodiversidade, a conformação geológica, é uma área complexa. É preciso que se tenha acúmulo de conhecimento em relação a essa bacia — afirma.
Em nota, a Petrobras lembrou que foram quase cinco anos até a obtenção da licença. “Nesse processo, a companhia pôde comprovar a robustez de toda a estrutura de proteção ao meio ambiente que estará disponível durante a perfuração em águas profundas do Amapá”, completou a empresa.
- Margem Equatorial: O que é, onde fica, quais empresas além da Petrobras estão lá
“Vamos operar na Margem Equatorial com segurança, responsabilidade e qualidade técnica. Esperamos obter excelentes resultados nessa pesquisa e comprovar a existência de petróleo na porção brasileira dessa nova fronteira energética mundial”, disse Magda Chambriard, presidente da Petrobras.
O Ibama informou que a emissão da licença ocorreu após “rigoroso processo de licenciamento ambiental”, que contou com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), realização de três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional, que envolveu mais de 400 pessoas, incluindo funcionários e colaboradores da Petrobras e equipe técnica do Ibama.
O Ibama chegou a indeferir a licença em 2023, mas a Petrobras recorreu. Após esse momento, Ibama e Petrobras iniciaram uma intensa discussão. De acordo com o órgão ambiental, isso permitiu “significativo aprimoramento substancial do projeto apresentado, sobretudo no que se refere à estrutura de resposta a emergência”.
- Estudo aponta: Foz do Amazonas pode adicionar 6,2 bilhões de barris recuperáveis, mais da metade das reservas provadas atuais da Petrobras
O Ibama disse que, entre os aperfeiçoamentos implementados, destacam-se:
- A construção e operacionalização de mais um Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) de grande porte, no município de Oiapoque (AP), que se soma ao já existente em Belém (PA);
- Inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de fauna oleada, quatro embarcações de atendimento nearshore, entre outros recursos de oportunidade.
“As exigências adicionais para a estrutura de resposta foram fundamentais para a viabilização ambiental do empreendimento, considerando as características ambientais excepcionais da região da bacia da Foz do Amazonas”, afirma o Ibama. “Além disso, durante a atividade de perfuração, será realizado novo exercício simulado de resposta a emergência, com foco nas estratégias de atendimento à fauna”.
No último dia 16, Magda havia demonstrado preocupação com a demora na licença, pois o prazo do contrato da sonda termina amanhã.
- Combustível: Petrobras reduz preço da gasolina na refinaria em 4,9% a partir de terça-feira
— Esperava que a licença já tivesse sido aprovada. A preocupação é o dia 21, que é o limite do contrato da sonda. Se a gente não começar a perfurar até o dia 21, essa sonda pode ser retirada da locação e, se isso ocorrer e for substituída por outra sonda no futuro, o processo de licenciamento começa tudo de novo — disse Magda durante evento na Firjan.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a “Margem Equatorial representa o futuro da nossa soberania energética” e que “o Brasil não pode abrir mão de conhecer seu potencial”.
- Economia: Por que o Brasil e os mercados emergentes vivem um momento ‘cachinhos dourados’?
“Fizemos uma defesa firme e técnica para garantir que a exploração seja feita com total responsabilidade ambiental, dentro dos mais altos padrões internacionais, e com benefícios concretos para brasileiras e brasileiros. O nosso petróleo é um dos mais sustentáveis do mundo, com uma das menores pegadas de carbono por barril produzido, assim como a nossa matriz energética altamente renovável, que é exemplo para o mundo”, afirmou o ministro Alexandre Silveira.
Silveira tem defendido, desde o início de sua gestão, a importância estratégica da Margem Equatorial para a segurança energética nacional e para o desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste do país.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou diversas vezes o Ibama pela demora na concessão da licença e chegou a chamar o processo de “lenga-lenga”. A defesa da aprovação da licença era um compromisso de Lula com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), eleito pelo estado, e uma aposta para gerar emprego e investimentos na região.
O que é a Margem Equatorial?
A segurança da exploração de petróleo na região é a principal preocupação de ambientalistas. A Bacia da Foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, uma área de mais de 2.200 quilômetros de litoral do Norte e Nordeste, entre os estados do Amapá até o Rio Grande do Norte.
Ambientalistas dizem que a região abriga os manguezais da Costa Norte, que são o maior cinturão de manguezais do mundo, além do grande sistema de recifes da Amazônia, descoberto apenas em 2016. Um acidente petrolífero, então, poderia comprometer todo esse ecossistema.
Descoberta na Guiana e apetite de multinacionais
O interesse na exploração do petróleo na bacia cresceu após descoberta de grandes reservas do óleo no litoral da Guiana. Ex-colônia de Espanha, Holanda e do Império Britânico, a Guiana fez as primeiras descobertas em 2015, atraindo sobretudo a americana Exxon.
Além dos poços em operação, o país dispõe de reservas comprovadas de 12 bilhões a 15 bilhões de barris. Com as descobertas e as prospecções na região, o país deve ver sua produção de petróleo aumentar em cinco vezes na próxima década, de acordo com uma projeção feita pela consultoria internacional Wood Mackenzie.
No Brasil, o apetite das multinacionais também é grande. Em junho, o Brasil leiloou 19 dos 47 blocos oferecidos na Bacia da Foz do Amazonas. Petrobras, Exxon Mobil e Chevron conquistaram direitos de exploração na região, apostando que o Ibama em breve abriria a promissora área offshore para perfuração.

