No dia 9 de outubro, quando foi inaugurada a exposição “Paisagens em suspensão”, na primeira unidade da Caixa Cultural no Norte do país, em Belém (PA), circulava o burburinho de que a pintura “Café”, de Candido Portinari, criada em 1935 por um dos maiores nomes do modernismo brasileiro, nunca havia sido exposta em uma instituição amazônida anteriormente. A chegada tardia evidencia não apenas a falta de acesso a trabalhos desse porte na capital do Pará, mas também uma certa democratização, em um momento em que a cidade se prepara para receber a COP30.
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A cidade que já revelou nomes como Emmanuel Nassar tem uma nova leva de artistas que se projeta no cenário nacional. Mas lida com dúvidas e problemas de quem produz em cidades fora do centro do circuito artístico. Entre eles, como conseguir mostrar suas obras sem ter de se mudar para os locais onde o mercado é mais forte, e ter certeza de que a sua produção atrai interessados pelas qualidades intrínsecas, ou por serem vistas como o exotismo a ser explorado da vez. A distância de acervos mais variados, fora do estado, também é um obstáculo. Mas superado aos poucos, em iniciativas como “Paisagens em suspensão”.
A Caixa Cultural Belém está no Porto Futuro, área de Belém que, após reformas, passou a reunir polos gastronômicos e de arte. Nela, também está o Museu das Amazônias, que sedia atualmente uma exposição de fotografias de Sebastião Salgado. O local fica a cerca de 800 metros do Centro Cultural Bienal das Amazônias. Espera-se em Belém que o surgimento deste circuito cultural possa gerar mais frutos.
— O Pará tem uma arte muito sofisticada. O que não tinha era aporte financeiro. Ainda somos um lugar de onde se tiram coisas, e muitas vezes não põem nada de volta. Sinto que agora estamos em um boom, mas estou temeroso de que seja só um momento — diz PV Dias, um dos nomes mais conhecidos da nova geração dos artistas visuais paraenses, com obras expostas em Nova York.
PV Dias ressignifica fotografias com elementos cotidianos de sua experiência pessoal. Deixou o Pará rumo ao Rio de Janeiro em busca de um cenário mais aberto e de maiores oportunidades.
— Consegui acesso ao Rio e isso me abriu portas, mas amigos em Belém sentem muita dificuldade de escoar os trabalhos. As pessoas não deveriam esperar que artistas saiam do Pará para articular — lamenta.
Bárbara Savannah, que faz parte dos artistas selecionados para a segunda edição da Bienal das Amazônias, chegou a se mudar para São Paulo. No seu caso, o deslocamento foi temporário. Ela voltou para o Pará, ficando entre a capital do estado e a Ilha de Marajó, cujos elementos visuais compõem a estética de suas obras com paisagens surreais.
— Fui a São Paulo, mas não me sentia pertencente. Não é ali que eu conseguiria produzir, porque acredito que o artista cria a partir do que vive. Era como se a cidade me engolisse. Às vezes, você está muito longe do eixo onde tudo acontece na arte, mas é um lugar onde você se identifica — reflete Savannah. — Hoje, as oportunidades começam a surgir em Belém também. Muitas vezes a gente precisa ir para fora, vejo que esse fluxo começa a ser contrário.
A artista ressalva que chega um momento em que a produção torna-se muito conhecida e “torna-se inviável continuar tanto tempo aqui (em Belém)”.
— O mercado acaba te puxando — diz Savannah, que, por ora, questiona os motivos por trás do interesse em ebulição pela arte amazônica. — Quero saber se nos olham como bicho exótico ou se é um movimento de valorização mesmo.
Se um cenário favorável à negociação de trabalhos é essencial, um circuito cultural com espaço para manifestações variadas também é relevante. A abertura de museus em Belém aponta para um futuro com maior acesso a exposições e a grandes nomes do universo artístico.
A mostra na recém-inaugurada Caixa Cultural mescla obras da coleção do Museu Nacional de Belas Artes, como “Café”, e do Museu Castro Maya, ambos no Rio. Entre os 50 trabalhos, estão obras de Djanira e Félix-Émile Taunay que nunca haviam sido apresentadas na Região Norte, além de Leonilson, Di Cavalcanti, Ricardo Ribenboim e Adriana Varejão.
— O Belas Artes fica no Sudeste. Trazer o seu acervo para Belém joga luz sobre a sua importância nacional, para que seja democratizado — diz Daniela Matera Lins, diretora da instituição e curadora da mostra ao lado de Daniel Barretto.
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A exposição propõe uma reflexão sobre o conceito de paisagem, abarcando temas políticos e sociais, comenta Fernanda Castro, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a que se vinculam as instituições que participam da exposição.
— A gente quer dialogar com a população da cidade, que vive o dia a dia da Amazônia. Se não pudéssemos trazer uma discussão crítica que envolvesse os modos de vida, estaríamos desperdiçando uma grande oportunidade.
A mostra com artistas do acervo do Belas Artes na Caixa Cultural serve como um bom referencial da história da arte no Brasil.
O curador da mostra, Daniel Barreto, diz que estava interessado em “traçar um diálogo” entre as obras do Belas Artes e permitir que elas “produzissem discursos” para os visitantes:
— Há nomes importantes, e Portinari é um deles. Os artistas locais não têm oportunidade de vê-lo no dia a dia. Foi um exercício de trazer obras dentro de um cânone, mas muito na perspectiva de construir leituras.
As reuniões entre a curadoria e a equipe de educação deram fôlego ao time, que estará em contato direto com o público durante as visitas. A expectativa é que os trabalhos expostos em “Paisagens em suspensão” inspirem uma nova geração de artistas e admiradores.
— O público, especialmente as crianças e os mais jovens, agora tem a chance de ver obras que só se via em catálogos — celebra Ana Cristina Weyl, mediadora educadora na mostra da Caixa Cultural Belém.
* Alan Souza viajou a convite da Caixa Cultural Belém

