- Flup: autores francófonos negros, que chegam em peso às livrarias, têm destaque nesta nova edição; confira outras atrações
- Mais: Conceição Evaristo e as irmãs Nardal são homenageadas no primeiro Festival Literário da Igualdade Racial; confira a programação
A atriz e editora contou que ela e os outros jurados escolheram a história de ascensão social de um adolescente húngaro taciturno que chega ao topo da sociedade britânica após uma reunião de mais de cinco horas na capital britânica. “É uma obra singular, emocionante, impulsiva, comovente”, disse, quase alegre.
Levar a melhor nessa premiação é, sem dúvida, uma experiência que muda a vida de qualquer autor – as vendas disparam, os pedidos de entrevista se multiplicam –, mas Parker, responsável por um selo da editora Zando, disse que a experiência também transformou a sua. “Alterou meus hábitos de leitura, me fez questionar a forma como encarava a ficção e me deu confiança para defender os romances que amo.”
- Prêmio Carol Burnett: Sarah Jessica Parker vai ser homenageada no Globo de Ouro 2026
Agora que tudo acabou, ela vai poder voltar a participar das sessões de cinema em casa, a ir ao teatro e a jantar em família com o marido, Matthew Broderick, e os filhos. “De quebra, nós [jurados] formamos um clube do livro para continuarmos lendo juntos.”
Por outro lado, também ficou triste. “Nas minhas pesquisas, eu me deparei com os estágios da perda descritos por Elisabeth Kübler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – e vou ser sincera, não sei em qual deles estou, mas no de aceitação não é, isso eu posso garantir.”
Segundo as quatro entrevistas que nos concedeu no ano passado, durante o período como jurada, foi “uma experiência única”.
Veja aqui os trechos editados de cada uma.
“Estávamos no interior da Irlanda, onde passaríamos o Natal. Eu estava indo ao SuperValu, mercado local, quando cruzei com um amigo na estrada. Eu já sabia que no porta-malas ele ia levando uma caixa com os primeiros 16 títulos. Voltei correndo para abrir com meu marido, e nem acreditei nos autores reunidos ali. Eram nomes conhecidos! Sou rata de biblioteca, então foi meio como ganhar na loteria. Comecei imediatamente. Lembro direitinho onde estava sentada, a família saindo, voltando, saindo, voltando. Passei dias assim! ‘Flesh’ estava nessa leva, ‘The Land in Winter’ também. Aliás, entrei em contato com Gaby, a organizadora, para perguntar se ela já tinha lido esse último porque é muito especial. Tem um clima bem marcante e é muito elegante.”
A família em segundo plano
“Meu marido e meus filhos sabiam o que ia acontecer, ou seja, não ia ter para ninguém. Depois do jantar, sempre escolhíamos juntos um filme para ver, mas deixaram de me incluir; já sabiam o que eu ia fazer. Matthew também parou de perguntar se eu queria ver essa peça, aquele musical ou o espetáculo da Broadway. Eu conseguia participar quando necessário, mas se estivesse em uma partida de vôlei, por exemplo, com certeza estaria com um livro no colo – e isso também me deixava muito nervosa porque não queria que ninguém visse o que eu estava lendo. Tomei um cuidado enorme quanto a isso. Tirei todas as capas.”
Mudança nos hábitos de leitura
“Gosto de ler em um cômodo que temos em casa que chamo de ‘meu escritório’, mas, na verdade, parece mais um depósito porque tudo vai parar lá, inclusive usamos também para papear. Tem várias cadeiras, mas todo mundo se senta no chão. O pessoal passava por ali (eu deixava a porta aberta para diminuir a sensação de solidão) e em março, talvez, eles começaram a ouvir o som do meu dedo na página, guiando os parágrafos. Foi assim do nada, totalmente espontâneo, nem sei de onde saiu.
Estabelecendo uma ‘classificação semafórica’
“Antes de participar do processo de avaliação do Booker, eu nem sabia como funcionavam as planilhas nem me interessara em aprender, mas passamos a utilizá-las direto. Entre um e dois dias antes das deliberações, enviávamos a classificação de semáforo de cada livro lido: “vermelho” para os que achávamos que não mereciam prosseguir; “amarelo” para os que eram dignos de discussão; e “verde” para os que mereciam ser seleção imediata. Antes de fazer a primeira, fiquei apavorada. Levei um tempão tentando entender meus próprios critérios. (Fui bem generosa com os verdes.)”
“Na nossa primeira reunião, fiquei morrendo de medo dos outros jurados. Eram antigos vencedores do prêmio, gente que tinha sido indicada ou pré-selecionada ou como Chris Power, profissionais que passam o tempo criticando, pensando e escrevendo sobre livros. Foi aí que abordamos ‘Flesh’, de David Szalay, e depois dessa primeira conversa eu me senti muito mais à vontade. Não me senti intimidada nem fiquei com a impressão de que tinha de ‘defender minha tese’. A teoria, como muitas coisas na vida, é muito mais assustadora do que a prática. Se você dá sua opinião e alguém discorda, não significa que está errado.”
Aprendendo (mais ou menos) a desistir
“Como leitora, tenho muita dificuldade com o conceito de não terminar um livro, mas em termos do Booker é preciso adotar uma certa brutalidade porque se chega à página 110 esperando o livro melhorar… às vezes, no meio de uma leitura, mandava mensagem para Roddy [Doyle, presidente do júri] para saber se ele também tinha lido. ‘Olha, achei isso e isso, mas também posso estar redondamente enganada.’ E ele no WhatsApp: ‘Não está, não. Acabei de largar esse também.'”
“No fim, acabei retomando todos porque morria de medo de entrarmos em uma discussão e Kiley [Reid] ou um dos outros jurados terem achado que o livro empolgante. Imagine se eu não tivesse terminado? Não ia ser capaz de opinar! Mas também fiquei com muito medo de não conseguir ir até o fim.”
“Nossa segunda reunião foi no Zoom. Apostei em dois títulos de autores estreantes, mas nenhum dos dois entrou na lista. Pensando bem, senti que poderia ter me preparado melhor. Um detalhe que passou a ser importante foi ter em mente como os colegas encaravam os livros, e os critérios que usavam para certas rejeições. Em alguns casos estavam certos, pois havia datas e nomes de regiões errados, a política de uma época e de um lugar retratada com pouca precisão. Meu argumento sempre era a possibilidade de aquilo ser proposital. Mas eram discussões, ninguém estava acusando ninguém, ou chegava atacando, tipo, “Você está errado”; eram divergências por motivos tão válidos para eles quanto os meus, de que o livro era lindo. Foi muito bom.”
A agonia da lista preliminar
“Criar a lista preliminar foi pura agonia. Perdi a conta das vezes em que olhei para a mesa e vi o pessoal com as mãos na cabeça. Imagine, 153 livros e tínhamos que escolher 13. Simplesmente impossível. A reunião começou às dez e meia, em uma sala na Fortnum & Mason, em Londres, e terminou às cinco da tarde. Os dois últimos foram os mais difíceis. Tínhamos a relação, estava 3 x 2 a favor dos que eu queria, e alguém precisou ir ao banheiro. Fizemos uma pausa rápida, cinco minutos, e algo aqui dentro me disse que a coisa não estava definida. Não deu outra; o jurado voltou e anunciou que tinha mudado de ideia.”
“Não, pelo amor de Deus! Eu sabia. Devíamos ter ficado trancados ali, sem chegar perto de nenhum líquido, sem poder beber nada, para não ter de parar para ir ao banheiro! Fiquei bem triste por vários livros que ficaram de fora, mas não há nada a fazer. Apresentei meus melhores argumentos, me expus na frente do tribunal.”
“Em 14 de julho, terminamos a deliberação da lista preliminar; no dia 15 fui para a Irlanda, para encontrar a família, e achei que seria uma boa dar um tempo, ler outra coisa que não tivesse nada a ver com a premiação. Tinha levado ‘Skippy Dies’, de Paul Murray, e comecei a ler no avião; dois dias depois, todos os livros finalistas chegaram. Minha filha acabou pegando o que deixei de lado e se apaixonou loucamente por ele, foi maravilhoso de ver. Eu voltei a me isolar do mundo exterior.”
“Por princípio, eu nunca relia livros. As únicas exceções até então foram ‘Franny & Zooey’ e ‘Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira’ & ‘Seymour – Uma Introdução’, e isso porque li da primeira vez quando era muito menina. Mas agora que era obrigada, para escolher a lista de finalistas, passei a encarar a releitura com outros olhos. Foi uma experiência bem diferente. Às vezes, tinha a impressão de ter alguém finalmente me tirando de um quarto escuro, de descobrir coisas novas.”
Acho que foi porque, ao ler da primeira vez, o volume era muito grande, o ritmo tinha de ser acelerado; com a seleção dos finalistas, tivemos mais tempo. Deu para ir com mais calma, fazer anotações, pegar coisas que não tinha percebido da primeira vez, tipo forma, estrutura, palavra, escolhas maravilhosas e surpreendentes.”
Após a seleção, tristeza
“Antes da reunião para a escolha dos finalistas todo mundo estava animado e ansioso, trocando figurinha no grupo do WhatsApp, tipo ‘Contagem regressiva! Mal posso esperar!’, tentando conseguir informações uns dos outros, mas ao mesmo tempo sem querer realmente saber nada, só no clima suspense. A reunião seria pelo Zoom; eu estava no meu escritório, em Nova York, sentadinha, à espera. Minha pilha de seis livros já estava pronta, mas deixei fora do alcance da câmera porque não queria ter de me preparar para uma conversa que ainda não deveria acontecer.”
“Durou cinco horas, mas foi maravilhosa. Os livros apareceram, sumiram, estavam lá, não estavam mais. Você achando que um título ia ser unânime, mas aí começava a perceber que os outros começaram a vê-lo com outros olhos. O mais difícil foi ter de abrir mão; todo mundo passou por isso. Foi uma tristeza. Até que Roddy disse: ‘Bom, então é isso. Temos seis livros. Alguém com dúvida?” Naquele momento eu me senti muito bem; olhei para eles e soube que tínhamos cumprido nossa missão, destacando o tipo de escrita certo, mostrando ao mundo autores de valor.”
Uma leitora mais exigente
“Assim que concluímos a lista, comecei a ler outros livros no mesmo dia; tinha muitos manuscritos urgentes para minha editora, títulos que iriam a leilão. Percebi que fiquei bem mais exigente. Tenho mais expectativas, apesar de parecer impossível, pois acabei de ler 153 e muitos eram excelentes. Acho que é bom para mim, porque sou meio sentimental em relação aos escritores; tenho muita admiração por eles.”
“A reunião foi no sábado, mas antes disso já estava superanimada. Não tinha ideia do que podia acontecer porque na reta final não trocamos muitas mensagens; será que os outros estavam passando pelo mesmo que eu? Um dia, tinha certeza de ter definido o vencedor; momentos depois, pensava em descartá-lo.”
“Conversamos mais de cinco horas. Logo de cara, repassamos as virtudes de cada um: por que aquele livro estava ali? O que descobrimos ao relê-los? Não levantamos nenhum ponto negativo. Depois, cada um fez sua ordem de preferência e Roddy anunciou que tínhamos um vencedor. Eu me vi meio cética; por alguma razão, apesar de tantas reflexões, não esperava que ele dissesse aquelas palavras. Ficamos parados um tempinho, e foi quando caiu a ficha de como estávamos orgulhosos de ter conseguido.”

