“O futuro já começou.” A frase da vinheta de fim de ano da Globo que ecoa desde 1971 dita o tom das comemorações pelas seis décadas da emissora. A programação especial preparada para abril revisitará o passado sem deixar de lançar um olhar sobre os novos tempos, que estão em plena ebulição. Assim resume Amauri Soares, diretor-executivo dos Estúdios Globo, da TV Globo e de Afiliadas. Na entrevista a seguir, ele também fala da chegada da TV 3.0, analisa as novelas e comenta o desafio de medir a audiência diante da fragmentação do consumo.
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Como será a programação?
No dia 24 de abril, teremos o Vídeo Show. No dia 25, o Globo Repórter especial. A partir dele até segunda-feira, 28, todos os programas falarão dos 60 anos do seu jeito. Ana Maria Braga vai preparar o bolo do aniversário. Serginho Groisman apresentará um especial sobre a Globo de São Paulo. Luciano Huck fará uma homenagem às atrações de auditório. Sábado à tarde entra o Vídeo Game. Na segunda, o encerramento com o grande show após a novela.
Que mensagem vai ser transmitida com o especial?
A gente tem muito orgulho dos 60 anos. É a História do Brasil contada pelo audiovisual. Esse é o ponto de partida para chegarmos à TV que queremos construir. Curiosamente, a Globo faz aniversário no momento em que a TV 3.0 está tomando forma. Em abril, o Brasil assinará a regulação. Olha que potente. Estamos interessados no futuro. Ele está acontecendo agora. Essa é a essência da festa. Teremos muitos encontros de talentos e vamos ver a cara da TV do futuro. Porque ela não é só a TV 3.0. É muita coisa que muda e que não muda. Não muda a determinação da Globo de ser relevante para a sociedade, de propor discussões, de ajudar a construir um ambiente de tolerância e respeito para a diversidade e de ser antialgoritmo, no sentido de trazer assuntos e enriquecer a conversa. Isso é futuro, juntamente com as novas tecnologias, a produção virtual, a TV 3.0 e a inteligência artificial. A ideia é que o show seja um tributo ao encontro entre legado e possibilidades.
Como a TV 3.0 impacta na forma de pensar conteúdos?
TV 3.0 é um dos itens estratégicos da agenda. É quando a televisão que a gente conheceu até aqui adquire as características da rede social e do digital. É o melhor dos dois mundos: a comunicação de massa ganhando as ferramentas de interação, de colaboração, de comentários, de criação de comunidades. TV 3.0 é a TV aberta, mas com o telespectador identificado, vamos saber cada movimento dele. Isso dá para a publicidade condições de direcionabilidade muito grandes.
O que acontecerá na prática?
Você consegue um nível de envolvimento, de engamento real time dos telespectadores com conteúdos, votações, participações, enquetes, sugestões, direcionamento de histórias… Se eu estiver transmitindo Flamengo x Fluminense, consigo oferecer ao torcedor todo um capítulo de informações do jogo, detalhamento, replay, câmeras extras. Posso colocar o som do estádio sendo de uma determinada torcida e customizar a experiência. Estamos trabalhando nisso faz alguns anos. Temos várias ferramentas prontas e testadas. As possibilidades são enormes para a transmissão esportiva e para o jornalismo. Dá para segmentar e aprofundar informações de jornalismo local, por exemplo. Nos realities, criar comunidades em torno do conteúdo ou abrir uma conversa de grupo enquanto o programa está no ar. As pessoas também querem saber a marca da roupa dos personagens, perguntam sobre óculos ou esmaltes. Com a TV 3.0, você pode clicar, abrir e eventualmente fazer a compra. O bom é que nada é invasivo. Não vamos poluir a tela da novela, mas, se você quiser entrar na camada de interação, vai apertar o botão do controle remoto e cair nela.
Falando em esporte, o que se pensa para as transmissões? Há ideia de retomar o Paulistão e a Fórmula 1?
Esporte ao vivo é do DNA da TV aberta. A Globo tem o maior portfólio do país, comparando com qualquer plataforma paga ou não paga. Acabamos de renovar os direitos do Campeonato Brasileiro com as duas ligas (LFU e Libra). Estamos bem perto de assinar o ciclo de Copa do Mundo Feminina e Masculina e o Mundial de Clubes. Com relação aos estaduais, eles eram absolutamente insustentáveis do ponto de vista econômico. Os valores pretendidos pelos direitos, o nível dos campeonatos, com times reservas jogando… Essa conta não fechava para nós. Agora voltamos a ter alguns direitos de estaduais em condições sustentáveis. Com o Paulista, infelizmente, não. Estamos sempre abertos à possibilidade de reabrir a discussão, desde que isso aconteça dentro de valores sustentáveis. Assim como para a Fórmula 1.
A audiência se fragmentou. Como fazer essa medição?
Métrica de audiência é um assunto quente no mundo inteiro, e aqui não é diferente. A forma de consumo de conteúdo audiovisual é muito diversa, e não há um sistema de medição que dê conta disso. Estamos exibindo o Big Brother. É o assunto mais consumido nas redes sociais do Brasil. Representa 94%, 95% de tudo o que se fala, se compartilha e se discute sobre conteúdo audiovisual nas redes sociais do país. Esse consumo não é medido. Qual a audiência do BBB? É a audiência na TV Globo, no Multishow, no serviço 24 horas das câmeras do Globoplay e mais todo esse buzz. Hoje a gente consegue medir o tamanho do buzz, mas não existe uma medição dessa audiência. No mundo inteiro, modelos estão sendo discutidos, no Brasil também. Essa medição envolve a Kantar Ibope, os anunciantes, as agências de publicidade, todos nós. O Brasil é um dos mercados mais sofisticados do mundo. Então, é importante que a gente consiga ter uma medição unificada, auditável, comum. É um desafio. Além disso, não há outra rede de TV no mundo que tenha preservado sua liderança e sua relevância como a Globo fez no Brasil. Isso é resultado de decisões ao longo das últimas décadas, que deram à emissora as condições de mostrar essa resiliência perante a fragmentação da audiência. O alcance segue muito grande, é maciço. São 40 milhões de pessoas assistindo ao Jornal Nacional. O assunto audiência é número um da mídia, no Brasil e fora. Não vai ter solução imediata, mas existem adaptações para começar a consolidar como uma métrica só.
Comenta-se hoje, sobretudo nas redes, que as novelas não propõem algumas discussões como antes. Existe uma prudência na hora de abordar certos temas? Mudou algo?
Não mudou nada. Eu não tenho esse retorno de que as pessoas têm essa avaliação. Pelo contrário, a gente se preocupa em continuar abordando os assuntos, como sempre fez, respeitando as sensibilidades da sociedade.
Por exemplo, em ‘Mania de você’, não houve o romance entre tio de criação e sobrinha nem a relação entre Diana e Fátima, como previsto. A trama ficou sem casal homoafetivo.
Isso não foi um assunto aqui. Se o autor pensou e depois voltou atrás, essa decisão não passa por mim. As novelas retratam relacionamentos homoafetivos há 25, 30 anos consecutivamente e tiveram um papel importante na construção do respeito e da tolerância pela diversidade. Acho que muitos brasileiros se informaram e se letraram em determinados assuntos acompanhando tramas e personagens. Isso acontece no ritmo que os contadores de histórias propõem. A criação é muito livre. Se esse ritmo não é o que alguém ou uma liderança de algum movimento considera adequado, eu entendo e respeito, mas quem decide é o autor. Acelerar uma história, um momento ou um encontro apenas para atender a uma eventual demanda não vai acontecer. Vai acontecer no tempo da nossa narração da história, conforme os criadores pensaram.
Aliás, como avaliam ‘Mania de você’?
Eu, João (Emanuel Carneiro, autor) e Zé (José Luiz Villamarim, diretor de dramaturgia) temos conversado muito sobre a novela, tentando aproveitar o máximo que a gente pode aprender com ela. Na segunda-feira, “Mania de você” deu 30 pontos no Rio. Não chegou a 25 em São Paulo (foram 24,2 pontos). Desde o começo, a audiência em São Paulo foi muito diferente em relação ao resto do Brasil. Por quê? Quais as questões dessa história, da maneira como foi contada, que geraram conexão menor em alguns lugares do que em outros? As performances em certas cidades e regiões do Brasil estão dentro ou acima da meta. Em outras, não foi o que a gente esperava, como é caso de São Paulo. Estamos muito debruçados sobre isso, discutindo as questões dessa dramaturgia que o autor desenvolveu ao longo dos últimos anos. Uma dramaturgia mais sofisticada. Ele está tendo os insights dele, a gente conversa para pensar em projetos próximos. Talvez para determinados públicos essa dramaturgia mais complexa não esteja gerando o engajamento que a gente precisa ver na TV aberta. Vamos processar internamente e aprimorar nossas decisões.
Existe a chance de as novelas terem bem menos capítulos?
A gente não tem nenhum indicativo de que o número de capítulos é uma questão. Continuamos vendo e medindo por todas as métricas possíveis que história boa é história boa. Acho que existem diferentes plataformas buscando diferentes formatos. Isso, sim. Eventualmente uma novela de 170 e poucos capítulos que funciona bem na TV aberta não é o ideal para o streaming, que prefere temporadas menores, e tudo bem.
Os remakes vão continuar sendo uma grande aposta?
Se tiver uma boa ideia de remake, tudo bem. As boas ideias que tínhamos na mesa fizemos. Neste momento, não temos outras, mas podem surgir. Temos uma oferta grande de histórias inéditas, boas e inovadoras.
Quais os desafios futuros?
Nós somos e queremos ser contadores de histórias brasileiras. Nossa disposição e nosso compromisso em contar essas histórias nos trouxeram até aqui. Isso significa andar junto com a sociedade. Uma sociedade que anda de maneira acelerada, em diferentes passos e momentos. Uma sociedade complexa, num país gigante, com uma riqueza extraordinária de culturas e experiências. É o nosso desafio permanente. A gente olha para trás, vê o que nos trouxe até aqui, olha para a frente e sabe o que tem que fazer para manter esse lugar de grandes contadores.

