A teoria da relatividade de Albert Einstein passou em todos os testes lançados a ela, “mas ainda não explica, em sua forma atual, a expansão acelerada do universo”, que é impulsionada pela energia escura, explicou a diretora científica da Agência Espacial Europeia, Carole Mundell. Ela falava a repórteres no momento em que eram divulgados os primeiros dados do telescópio espacial Euclid, que está em uma missão para lançar luz sobre os mistérios da matéria escura e da energia escura.
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Pesquisadores suspeitam que essa força misteriosa, a energia escura, possa estar em transformação e, com isso, desafie a atual compreensão de tempo e espaço. Segundo a BBC, alguns dos cientistas acreditam estar “à beira e uma das maiores descobertas em astronomia em uma geração”. Isso porque, ao mesmo nesse estágio inicial, as descobertas vão de encontro à teoria desenvolvida em parte por Albert Einstein. Em termos gerais, a teoria de Einstein prevê a velocidade com que as galáxias se distanciam e, por consequência, a velocidade com que o universo se expande.
A enorme quantidade de dados divulgados do Euclid — que foi acompanhada por 27 artigos científicos — ainda cobre menos de 0,5% do céu que ele irá escanear ao longo de sua missão de seis anos. Mas até pesquisadores mais cautelosos se veem diante de um “momento dramático” da ciência, que pode conduzir a uma mudança de paradigma, conforme disse Ofer Lahav, da University College London, à rede britânica.
A energia escura foi descoberta em 1998. Até então, os pesquisadores apontavam que, depois da criação do universo, com o Big Bang, a expansão desse universo desaceleraria, com a força da gravidade. Mas cientistas americanos e australianos descobriram que o fenômeno ainda acelerava, sem identificar que força estava por trás disso (daí o nome energia escura). Essa força “desconhecida” pode ser medida e ter suas mudanças captadas pelo estudo da aceleração com que as galáxias se afastam em diferentes pontos do universo.
Os resultados se confirmaram em diferentes testes, ao longo do tempo, o que apontou para os cientistas que aqueles dados “estranhos” não haviam sido gerados por algum fenômeno ou força pontual não considerado no estudo. Os novos dados ainda não podem ser classificados como uma “descoberta” científica, mas as evidências se reforçam.
— Se esse novo resultado estiver correto, precisamos encontrar o mecanismo que causa a variação e isso pode significar uma teoria totalmente nova, o que torna isso tão emocionante — explicou Lahav à BBC.
Acredita-se que a matéria escura seja a “cola” que mantém as galáxias unidas, enquanto a energia escura as separa, fazendo com que o universo se expanda cada vez mais rápido ao longo do tempo.
Como olhar para o espaço distante também significa olhar para trás no tempo, Euclid permite que os cientistas rastreiem essa disputa cósmica pela maior parte da história do universo — e, esperançosamente, descubram mais sobre sua verdadeira natureza.
— No final das contas, queremos testar as leis da gravidade — disse Caroline Mundell.
O telescópio foi lançado em 2023 com o objetivo de mapear um terço do céu — 1,5 bilhão de galáxias — para criar o que foi anunciado como “o mapa 3D mais preciso do universo da humanidade”. O Euclid, que agora está pairando a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, já divulgou imagens de uma série de galáxias estranhas, nebulosas coloridas e estrelas brilhantes.
Mas o primeiro lançamento de dados astronômicos é “um novo marco para nosso detetive do universo escuro”, disse Carole Mundell, em uma entrevista coletiva. Veja as novas imagens no vídeo abaixo:
Apesar do estágio incipiente do mapeamento, os dados iniciais já oferecem dicas sobre a estrutura geral do universo conhecida como “teia cósmica”, disse a cientista do projeto Valeria Pettorino.
Entre grandes espaços vazios, há aglomerados massivos de galáxias conectadas por filamentos de material que compõem essa teia, ela explicou.
Essa estrutura inimaginavelmente massiva não pode ser explicada apenas pelo fosco visível, então os cientistas acreditam que a matéria escura e a energia escura devem desempenhar algum papel. Acredita-se que essas forças invisíveis componham 95% do universo, mas elas permanecem envoltas em mistério.
No entanto, os novos dados não continham nenhuma revelação importante sobre a matéria escura e a energia escura. Isso terá de esperar até mais perto do fim da missão de Euclid, disseram os cientistas.
O Consórcio Euclid, que reúne mais de dois mil pesquisadores da Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão, classificou os novos dados. O lançamento de quarta-feira continha 35 terabytes de dados — o equivalente a streaming de vídeo 4K por 200 dias —, mas representava apenas uma semana do tempo de observação de Euclid.
Isso “nos permite ver se a máquina está funcionando”, disse o vice-diretor científico do consórcio, Francis Bernardeau, à AFP.
Os novos dados cobriram três áreas do céu contendo 26 milhões de galáxias. A mais distante estava a 10,5 bilhões de anos-luz de distância, o que é bem cedo na história de 13,8 bilhões de anos do universo.
O consórcio então teve de catalogar todas as galáxias, quasares e outras esquisitices cósmicas capturadas pelo telescópio. Isso inclui o que é conhecido como lentes gravitacionais, que é quando um objeto massivo como uma galáxia curva a luz de outra coisa enorme e brilhante atrás dele, criando uma espécie de lupa.
Em apenas uma semana, a Euclid avistou cerca de 500 lentes gravitacionais, o que é “muito mais do que esperávamos”, disse o membro do consórcio Mike Walmsley, da Universidade de Toronto.
Para ajudar a processar os dados, o consórcio Euclid usou um algoritmo de inteligência artificial (IA), bem como mais de 10 mil voluntários humanos de olhos aguçados.
O modelo de IA selecionou possíveis lentes gravitacionais dos dados, que foram então verificados por humanos. Outros cientistas identificaram então as formas das galáxias, que por sua vez foram usadas para treinar os algoritmos de IA para repetir esse processo, disse Walmsley.
Mas tudo isso é apenas “uma amostra do que está por vir”, acrescentou Mundell, com a Euclid planejando lançar seu primeiro catálogo completo de dados no ano que vem.